Capítulo 14

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- Ontem orei pela primeira vez ajoelhado! - Anderson falou, estávamos almoçando em um restaurante mexicano - Claro, que depois que eu decidi voltar para Deus. Sabe, não parece nem um pouco com o que eu me recordava ser uma oração, antes parecia ser um peso e tanto.

-  Não deixa de ser... - tomei um gole do meu suco de tamarindo com gosto de limão (brincadeira, era só tamarindo) - Se você fizer por “obrigação”!

- Tem razão! Eu voltei a ler a Bíblia, mas tem tantas coisas que preciso te perguntar...- Anderson mordeu um pedaço do seu segundo burrito.

- Sobre o quê!? Você conhece a Bíblia melhor do que eu!  - dei uma beliscada no chili com nachos e depois o encarei - Desse jeito terei que estudar teologia!

- Nada disso - Anderson sorriu - É, que você tem uma visão tão profunda sobre tudo que tem a ver com Deus… é como se você andasse com Ele, às vezes!

- Ah, não sou ninguém para andar com ele. Mas, a misericórdia dEle nos permite isso. - sorri - Vamos lá, o que queria perguntar!?

- Eu andei lendo sobre Jesus, mas Pedro, um dos discípulos, me chamou a atenção... Não sei se você reparou nisso, mas ele era muito impulsivo! Foi ousado o suficiente para andar sobre as águas, está certo que duvidou no meio do caminho, mas também foi o único corajoso que enfrentou os soldados para proteger Jesus, apesar de depois negá-lo… O que eu quero dizer é que ele tinha qualidades e defeitos que se chocavam à todo momento! Porque Jesus escolheu um cara assim para andar com Ele!? Isso sem citar Judas!!! Cheguei até pensar que, talvez, eu não seja tão desprezível aos olhos dEle.

- E você não é! - ajeitei minha postura - Anderson, você realmente pensa que os olhos de Deus são como os dos homens!? Porque isso é limitar todo o poder e soberania dEle à força humana! Nós sabemos o quão terríveis podemos ser, em muitos momentos egoístas e avarentos mas, mesmo em meio a tudo isso, Deus nos enxerga com amor! Tem ciência do nosso pior lado e ainda assim está pronto a nos olhar e dizer “Volta pra mim! Deixa eu cuidar de ti!” . É algo muito doido, muito mesmo, para compreendermos com a lógica humana.

- Tem coisa que eu realmente não entendo! - Anderson tomou um pouco de seu chá gelado - Confesso que não estou cem por cento, tenho vícios que são difíceis de abandonar!

- Ninguém é cem por cento, é a primeira coisa que deve saber! Sempre teremos o que renunciar e sempre teremos aquela pedrinha que devemos abrir mão, mas que seguramos como se a vida dependesse dela! É por isso que a busca deve ser incessante!

- Essa busca parece ser difícil! Porque sinto como se eu não tivesse controle sobre alguns desejos que tenho.

- É aí que entra o domínio próprio! Um dos frutos do espírito! - fiz uma careta involuntária - É um dos mais complicados e  podemos dizer desejados, afinal, algumas vontades próprias são bem difíceis de controlar mesmo! Apenas o alçamos orando, jejuando e lendo a bíblia.

- Tem certeza que temos que voltar para o segundo round!? Queria passar a tarde com você só falando de Deus!

- O dever nos chama! - sorri - Mas, podemos marcar um dia no parque só para conversarmos e lermos a bíblia.

- Você faria isso!? Porque já estou lá te esperando!!! - Anderson tomou o último gole de seu chá gelado. Gargalhei com o comentário do rapaz a minha frente, seu sorriso era do mais sincero.

- Claro, marque um dia que tiver disponível em sua disputada agenda e vamos!

Há algum tempo estávamos almoçando juntos com mais frequência, isso estava causando certos boatos em alguns departamentos, sem contar as garotas que - coincidentemente - haviam parado de falar comigo! Sinceramente, eu queria colocar na intranet da empresa a seguinte mensagem “NÃO ESTÁ ROLANDO NADA ENTRE MIM E O ANDERSON, PAREM COM OS BOATOS!”, como não podia cuidei de orar. Você deve estar perguntando “Como assim, Agatha!? Orar!?”  Sim, amiguinhos! Eu não podia abandonar o rapaz aquela altura!!! Estamos falando de uma pessoa que precisava de ajuda e apoio espiritual e isso deve valer mais que qualquer reputação, certo!? Deus não envergonha ninguém e eu tinha certeza que Ele não me deixaria envergonhada, não permitiria que minha reputação fosse manchada da forma com que as os boatos se encaminhavam.


Aquele era o dia em que havia pegado o carro do Eduardo emprestado, ao sair da empresa teria que ir até o centro da cidade para buscar as toalhas e louças que foram alugadas para o jantar do encontro de casais em uma loja de artigos para festas e eventos. Por isso, quando o relógio marcou dezessete horas em ponto eu já estava desligando meu computador, pronta para correr até o elevador.

Estava frio e chovendo, eu odiava dirigir em dias de chuva, mas não tinha jeito, eu havia me comprometido com a organização do evento e não podia deixá-los na mão.

- Olá, eu sou a Agatha! Vim buscar o pedido da Sheila. - disse entregando o comprovante de pedido e pagamento para a atendente que tinha um belo sorriso no rosto. Sheila era a obreira responsável pelo evento.

- Deixa só eu localizá-lo aqui… -  a moça demorou alguns segundos e me olhou sem graça - Não estou localizando… terei que falar com minha supervisora, pode aguardar um momento por favor!?

- Claro. - falei já sentando-me no banco estofado que ficava no fundo da loja junto à mesa da atendente.

Alguns minutos depois ela não havia voltado, então decidi dar uma checada nas mensagens em meu celular. Antes que pudesse ler qualquer mensagem uma notificação surgiu na tela, era Marina, assim que a abri sorri com a mensagem:

“Olha com quem estoooouu”

Abaixo da frase havia uma selfie dela com Timóteo. E em seguida outro escrito:

Ele mandou um beijo.”

Mandei em resposta:

Você não tinha que estar resolvendo as coisas para a decoração!?”

E é o que estou fazendo, Gatinha!” - a resposta foi mais rápida do que eu esperava.

- Agatha!? - uma senhora apareceu, atrás dela a recepcionista que me atendeu​ minutos antes - Peço desculpas, pois invertermos o pedido da Sheila com um outro, mas vamos separar tudo o que ela pediu agora mesmo! Se importa em esperar!? Se quiser pode voltar daqui meia hora.

- Está chovendo muito lá fora! - falei observando a janela - Se não se importar, prefiro esperar aqui.

- Claro que não me importo! Aceita um café ou água!?

- Não, obrigada. - sorri - Estou bem.

- Mais uma vez, peço desculpas! Irei agilizar tudo.

- Sem problemas! - falei e voltei a atenção para o celular.

A foto de Marina mostrando a língua e Timóteo atrás do balcão com o cabelo desgrenhado e um sorriso que o fazia fechar os olhinhos puxados fez-me sorrir outra vez! Minha amiga maluquinha e meu... amigo do cabelo bagunçado eram apaixonantes. Aliás, porque o Timóteo sempre estava com o cabelo bagunçado!? Era assim até quando ele ia a empresa entregar algum pedido do Arthur. Fiz uma nota mental: “Lembrar de perguntar para o Timóteo quando é que ele penteia a cabeleira escura”.

LEMBRAR - TIMÓTEO  a palavra junto ao nome me fiz lembrar de algo!

Abri a bolsa, tirei a necessaire depois um livro e em seguida meu crachá da empresa que estava preso metade no livro metade nas chaves do carro do meu irmão. Haviam algumas outras coisas na bolsa, chaves de casa, uma embalagem de chocolate ainda lacrada porém toda amassada, àquela altura o  chocolate já havia virado paçoca, eu era uma ótima mágica! A caixa dos meus óculos escuros, bala de goma e sim, o envelope azul estava no fundo da bolsa todo amassado! Que descuido o meu!

Fitei o envelope pouco menos que três segundos, e o abri.

Uma folha pautada escrita a mão, uma caligrafia não caprichosa, porém nítida, de fácil entendimento. Corri os olhos por toda extensão da face da folha e suspirei.

- Deus! - foi o que consegui soltar antes de efetivamente ler tudo, mas já entendo boa parte.

Em Teu Amor (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora