Da aquela forcinha lá no Kwai. Caroltiradentes23
Nada é mais agradável do que sentar-se à beira-mar e olhar o pôr-do-sol num dia de verão. O vai-e-vem das ondas marcando com o seu ritmo cadenciado a respiração da vida, o céu tranquilo matizado pelos últimos raios solares perdendo-se na linha do horizonte, favorecem a meditação e estabelecem um momento de calma, de introspecção, de satisfação íntima e de majestosa contemplação.
Juliana sentiu a magia da tarde e permitiu-se saborear conscientemente aqueles momentos. Sentia-se viva, estuante de energia, mas, ao mesmo tempo, serena. A vida era paz, alegria, segurança.
Olhando a paisagem majestosa e rica, equilibrada e segura, cumprindo suas funções com precisão, sentia a presença de um poder superior, de uma força motriz e motora gerindo tudo com sabedoria e presteza.
- Sou parte dessa natureza - pensou. - Esta força também está em mim, comandando meu destino, movimentando meu corpo, acordando-me a alma.
Levantou-se e começou a andar beirando a água, sentindo gostosamente o contato de seus pés na areia molhada e na água fria. Estava feliz. Naqueles momentos esquecera o tempo, a família, os amigos.
Estavam na praia há duas semanas, e ela sempre que podia afastava-se da algazarra geral, permitindo-se momentos de satisfação interior. Filha de pais abastados, tinha dois irmãos. Clóvis, o mais velho, estudante de Comunicações; Vera, dezenove anos, prestava vestibular há dois anos sem conseguir ingressar em nenhum curso superior. Juliana estava com dezesseis anos e ingressara no Colegial. Morena, esguia, olhos amendoados e escuros, bem-feita de corpo, atraia a atenção onde passava.
Vera também era muito bonita. Mais clara, traços finos, parecia-se mais com Norma, sua mãe. Além disso, requintada, só vestia roupas de etiquetas famosas. Gostava de estar sempre na moda e de acordo com a ocasião. Dava grande valor aos costumes e à vida social. Clóvis era apaixonado por carros e sempre dirigia em grande velocidade. O pai, de tradicional família paulista, era médico conceituado e muito rico. Gostava de evidencia-se entre seus colegas, participava de congressos no exterior dos quais possuía certificados que, devidamente emoldurados, passavam para acervo da sala de espera de seu consultório.
Possuíam uma bela casa no Guarujá onde passavam as férias de janeiro e no meio do ano, quando não iam à Europa, procuravam as montanhas para descansar.
Juliana continuou andando, beirando a água, imersa em seu mundo interior, sem pôr atenção nas pessoas que passavam. Não gostava do bulício das ruas nem dos ruídos da casa onde Clóvis estava sempre cercado de amigos e de "som" que ligava em alta frequência, obrigando Norma a interferir em benefício da tranquilidade dos demais.
Vera estava sempre ocupada com compromissos sociais. Juliana era diferente de todos. Muitas vezes Norma conversara com o marido sobre o estranho comportamento da filha.
- Ela parece bem - respondera Dagoberto. - Alimenta-se, dorme normalmente.
- Ainda assim, Berto, isola-se das pessoas, não tem amigas. Quando a família se reúne-se, não conversa. Não é próprio da sua idade.
- Ela é quieta, só isso. É questão de temperamento. Herdou de seu tio-avô. Ele era um ermitão. Acabou tornando-se padre.
- Deus me livre! Não quero que Juliana, tão cheia de vida, vá enterrar-se num convento. E você ainda diz que ela não tem nada?
Dagoberto olhou-a pensativo, depois disse:
- Poderia mandá-la ao Bueno para uma consulta. Ele é um bom psiquiatra.
-Também não é tanto assim. Ela não é desequilibrada. Talvez um psicólogo. Tenho lido a respeito, eles podem ajudar muito uma pessoa.
Dagoberto olho-a irônico:
- Acredita nisso? Não pode ser verdade! Pensa que alguém com meia dúzia de palavras pode resolver um problema de temperamento, sem remédios ou conhecimento mais profundos? O comportamento é hereditário por uma parte ou pela outra, os humores e as emoções são criadas pelo funcionamento metabólico. A Endocrinologia nos dá chave de tudo isso. Com o tempo poderemos curar até a loucura. A Psicologia é uma panaceia que funciona pela sugestão, como os curandeiros. Não há de querer ver Juliana às voltas com esses aventureiros. Se ela precisa de tratamento, se acha que ela tem algum problema, leve-a ao Bueno.
Norma calou-se. O Berto era radical e teimoso. Quando convencionava algo, não mudava era inútil tentar mostrar-lhe o contrário. Tinha amigas que faziam análise e mostravam-se entusiastas a respeito. Mas, era um tratamento longo e segundo percebera, essas pessoas passavam por crises, e ela não sabia até que ponto isso era bom.
E se o Berto estivesse certo? Afinal ele era médico conceituado, livre-docente da faculdade de medicina e além da clínica geral e cirúrgica, tinha feito especialização em Endocrinologia. Ele poderia estar com a razão.
Sentia que Juliana não deveria ir ao psiquiatra que por certo lhe daria alguns medicamentos. Ela gostaria de encontrar alguém que conseguisse compreender o que se passava no íntimo da filha, saber por que ela era tão diferente das moças da sua idade.
Juliana andou até perceber que o sol já se tinha escondido e resolveu voltar. Quando chegou em casa, era já noite e as estrelas brilhavam alegremente no céu. Com um suspiro resignado, entrou.
Norma, sentada na sala, vendo-a, levantou-se.
- Juliana! Onde esteve? Sumiu desde o almoço.
- Estava na praia.
- Até agora? Com quem?
- Sozinha.
- Todo esse tempo?
- Sim.
- Custo a crer. Por que não procura uma amiga para fazer-lhe companhia? Ester já chegou, e Mila veio com ela. Vi a casa aberta hoje cedo.
- A Mila veio mesmo?
- Veio.
- Amanhã verei isso.
- Ela é sua colega de escola, gosta de sair com você. Por que a evita?
Juliana deu um suspiro. Preferia estar só. Por que a mãe não queria compreender?
- Você está me interrogando - disse. - Já que pergunta, saiba que gosto de estar só. Quero pensar, sentir, viver. Quero ser eu mesma. Para isso não preciso de ninguém. Gostaria que não se preocupasse comigo. Sinto-me feliz assim. Por favor, estou em férias, deixe-me fazer o que gosto. Agora vou tomar banho. Com licença.
Norma sentou-se novamente, pegou uma revista e pensou:
- Os filhos! Nunca querem conselhos dos mais velhos. Ainda se rebelam quando tentamos ajudar.
Não lhe passara despercebido o ar de desgosto que ela fizera ouvindo suas palavras. Estava claro que não gostava. Pior para ela. Como mãe, ela precisava cuidar dos problemas dos filhos. O pai não tinha jeito para essas coisas. Um comprimido, uma injeção e pronto, ele resolvia qualquer assunto. Além do que, estava o dia inteiro trabalhando, não dispunha de tempo. Estava claro que era ela quem devia zelar pelo bem deles.
Vera entrou na sala espalhando delicado perfume no ar. Norma olhou-a com satisfação. Estava linda e impecável como sempre, vestindo um conjunto de linho verde muito elegante.
- Vai sair? - indagou com amabilidade.
- Vou. O Carlos virá buscar-me iremos até a casa de D. Inês ouvir música e tomar sorvete. Toda a turma estará lá.
- Ótimo.
Vera olhou o relógio de pulso e sentou-se em frente á mãe.
- O Clóvis também ira? Jantou correndo e saiu com Cláudio.
- Não sei, mamãe. Ele não gosta muito da nossa turma. Sabe como ele é. Arranja uma garota para entreter-se, ou juntar-se a seus amigos e vão circulando pela cidade, parando aqui e ali. Não é meu forte.
- Ele precisa criar juízo. Quando sai com o carro, fico sempre com o coração nas mãos.
- Não deve se preocupar-se. Clóvis gosta de correr, mas dirige bem.
- Isso é. Mas eu não gosto de andar com ele. Morro de medo.
- Papai saiu?
- Não. Está lendo no quarto desfrutando de um raro momento de descanso. O que me preocupa é Juliana.
- Por que?
- É esquisita, diferente das meninas de sua idade. Não tem amigas, parece um bicho-do-mato. Vive pelos cantos.
Vera deu de ombros, consultando o relógio furtivamente.
- Tem gênio triste. Tenho tentado ensiná-la a relacionar-se socialmente. Tem sido inútil. As poucas ocasiões que saiu comigo, conseguiu perturbar o passeio. Retrai-se, fica calada, não é atenciosa com os outros, discorda de tudo quanto decidimos fazer. Agora, eu não a levo mais. Chega de passar vergonha. A mãe de clara chegou até comentar: "Sua irmã é sempre assim tão retraída? Será que ela não esta gostando de nossa companhia"? Quase morri de vergonha. Você sabe como D. Branca é educada, e o Dr. André é desembargador, parente de um ministro do Estado. Tentei desculpar-me e jurei para mim mesma: nunca mais levo Juliana a parte alguma.
- Posso compreender. Deve haver algumas coisa errada com ela. Não pode ser normal.
- Talvez esteja sofrendo ainda o processo da adolescência. Algumas pessoas levam mais tempo para amadurecer.
- Seu pai quer que eu leve ao Dr. Bueno.
- Pode ser uma boa solução.
- Você acha?
- Certamente. Talvez um psiquiatra possa ajudar.
Norma calou-se por algum instantes absorta em seus pensamentos. A campainha soou. Vera levantou-se:
- Deve ser o Carlos. Boa-noite, mamãe.
- Divirta-se, Vera.
Ela é que sabe viver, pensou satisfeita. Veste-se bem, está sempre entre amigos, em boa companhia. É equilibrada, sabe o que quer. Por que os outros dois não eram assim?
Juliana tomara um banho, vestira-se e fora à copa procurando algo para comer. A criada já terminara com a cozinha do jantar, e ela procurou na geladeira algumas guloseimas. Fez um sanduíche, abriu uma garrafa de guaraná e comeu tranquilamente. Depois foi à varanda e deitou-se na rede.
De onde estava, podia ver uma nesga do céu estrelado. Deixou-se ficar, usufruindo aquele instante de calma, raro em sua casa. Adormeceu. Sonhou. Sentiu-se livre no espaço, deslizando sobre cidades, cujas luzes acesas, vistas do alto, piscavam alegremente. Sentia-se leve, lúcida, contente. Viu-se diante de uma porta que se abriu para dar-lhe passagem. Uma mulher a esperava, braços abertos, e Juliana mergulhou neles sentindo imensa felicidade.
- Você veio! Que alegria!
- Tenho sentido saudades - respondeu Juliana. - Tem sido difícil, para mim, suportar certas coisas.
A jovem e linda senhora alisou-lhe os cabelos com muito carinho.
- Eu sei.
- Gostaria de regressar!
- Não agora. Você planejou tudo tão bem! Lembre-se de que só acontece o melhor. Depois, querida, quando algo nos incomoda, é porque não estamos vendo a realidade. E ela quem nos liberta, nos abre as portas à compreensão e à felicidade.
Juliana olhou-a com amor.
- Sei que tem razão, Dora. Deus sempre faz tudo certo. Mas é difícil acostumar-me com o excesso de ruído, as conversas inúteis, as ideias vazias e passageiras.
Dora sorriu alegre.
- Com Deus tudo é fácil. Lembre-se disso. É preciso compreender e respeitar a forma de ser de cada um. Cada pessoa está na faixa de entendimento que lhe é própria. Está tudo certo, como Deus fez. Como pode não aceitar uma manifestação de Deus?
Juliana sobressaltou-se:
- Eu aceito Deus.
- Se o que diz é verdade, pense e observe que cada coisa, cada ser, cada mundo, cada estado de consciência, é manifestação divina. Tudo é Deus, e ele existe em todo universo. Só o seu poder é atuante.
- Mesmo quando alguém não percebe o que é melhor?
- Mesmo assim. Pensar de outra forma significa admitir que existe algo errado na obra da criação. Se está tudo certo, se cada ser experienciando no nível que lhe é útil e necessário, o que importa se ele se engana, se ilude, ou subverte certos valores? As leis divinas irão atuando, ensinando-o naturalmente a descobrir novos caminhos, mais adequados e felizes. Não sabe que seja qual for nossa escolha, todos os caminhos levam a Deus? Só existe o bem, e todos estamos dentro desse contexto. Nada e ninguém jamais conseguirá sair, porque Deus é tudo e o amor sustenta a harmonia da vida.
- Sinto-me envergonhada.
- Não se mortifique. Respeite tudo e todos. Lembre-se de que voltar à arena de nossas conquistas é rever posições, mergulhar nas profundezas da alma, desnudando por vezes pequenos pontos esquecidos e desagradáveis que preferíamos ignorar. No entanto, à medida em que nossa alma cresce e se ilumina, eles aparecerão mais fortes, incentivando-nos a esclarecê-los.
Juliana abaixou a cabeça comovida. Dora continuou:
- Chamei você aqui para dizer que vamos iniciar sua tarefa. Estaremos sempre ao seu lado. Lembre-se e não tema.
Juliana concordou sorrindo. Sentir-se feliz e calma.
- Vamos entra. José quer vê-la e combinar tudo.
Abraçadas, as duas entraram em outra sala.
Juliana de repente viu-se chegando em sua casa acompanhada por Dora. Pararam perto da rede onde ela divisou o próprio corpo adormecido.
- Preciso ir - disse Dora. - Deus a abençoe.
Beijou-a delicadamente na testa, e Juliana acordou, sentindo ainda vibrar em seus ouvidos as últimas palavras de Dora e um profundo sentimento de alegria e felicidade banhando-lhe o coração.
Sentou-se na rede procurar recordar-se do sonho. Sentia ainda a emoção e a felicidade dentro de si. Que sonho maravilhoso! Teria sido mesmo sonho? Parecera-lhe tão real!
- Aconteceu mesmo! - reconheceu ela convicta.
Procurou lembrar-se das palavras da jovem mulher. Consegui em parte. No entanto, quando tentava recordar-se do que acontecera na outra sala onde fora, nada conseguia.
Ela falara sobre Deus, seria uma emissária divina? Juliana tinha ouvido contar historias de santos da igreja que haviam sido visitados, por eles. Santa Teresinha, Santo Antônio.
- Mas eu não tenho nada de santa - pensou. - Por que me visitariam? Não quero ser freira.
Ficar encerrada em uma cela era-lhe insuportável.
Não tenho vocação - raciocinava. - Ao contrário. Quero viver, amar, ser amada. Um dia encontrarei alguém que me ame e a quem amarei.
- Juliana, vamos dormir. Vou fechar a casa. Você não pode ficar na varanda sozinha. É tarde.
Juliana levantou-se prontamente e entrou.
- Boa-noite, mamãe! - disse calma.
- Boa-noite! - respondeu Norma endereçando-lhe um olhar perscrutador.
Verificou se todas as janelas estavam fechadas, apagou as luzes e dirigiu-se ao quarto para dormir.Oi pessoal não esqueçam de votar. Desde já agradeço. Que Deus abençoe a todos. Beijos...
BOA LEITURA."Deus nos concede, a cada dia, uma página de vida nova no livro do tempo. Aquilo que colocarmos nela, corre por nossa conta." - Chico Xavier.
NÃO SE ESQUEÇAM DE VOTAR...
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Pelas Portas do Coração - COMPLETO - ZIBIA GASPARETTO
SpiritualA maioria de nós está repleto de modelos sociais de felicidade. Todos queremos ser certos e adequados. E, assim, nos obrigamos a agir contra os impulsos de nossa verdadeira natureza. Pensando fazer o melhor, acabamos por nos conduzir ao vale do de...