CAPÍTULO 6

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  Fazia dois meses que Armando jantara em casa de Juliana e apesar da forte impressão que a moça lhe deixara naquela noite, não voltara a vê-la.
  Absorvido pelos estudos e pelo estágio no hospital, ele não encontrara lazer para procurá-la.
  No fundo não queria reconhecer que a atitude dela, afastando a hipótese de um envolvimento amoroso, arrefecera um pouco de arrebatamento.
Por outro lado, decorrido certo tempo, receava estar fantasiando os fatos, influenciado pelas leitura e idéias do pai. Confiava nele, mas seu desejo de fazer novas descobertas o faziam percorrer caminhos menos objetivos.
  Naquela tarde saiu do hospital e resolveu andar um pouco. Queria respirar o ar gostoso do fim da tarde, depois de horas da trabalho numa enfermaria abafada e triste.
  Sabia que precisava dominar sua angústia frente ao sofrimento humano para poder exercer bem sua profissão. Contudo, naquele fia fora-lhe muito penoso permanecer ao lado de pessoas em fase terminal, sem que pudesse aliviar-lhes a dor.
  Saiu de decidiu sair caminhando, sem tomar o ônibus que o levaria para casa. Queria respirar, sentir-se vivo. Perceber que viver era bom e não era aquela luta desigual e trágica que travava todos os dias contra a morte, sendo tantas vezes derrotado.
  Respirou fundo e procurou esquecer o quadro triste que presenciara no hospital, detendo sua atenção nas árvores que enfeitam a rua, no céu azul e sem nuvens e aos poucos foi se sentindo melhor.
  Quando alcançou uma praça, resolveu sentar-se um pouco para usufruir mais a beleza das flores e o canto dos pássaros que circulavam alegres e saltitantes.
  Permaneceu sentado no banco, respirando com prazer. De repente teve sua atenção voltada para uma moça que, de costas em outro banco, parecia absorvida em muda contemplação.
– Perece Juliana – pensou ele.
  Caminhou para ela que imersa em seus pensamentos não percebeu.
– Juliana! – Chamou ele com prazer.
  Ela levantou os olhos admirada, fixando-os nele.
– Juliana! Que prazer! Como vai?
  Ela esboçou leve sorriso apertando a mão que ele lhe estendera.
– Bem – disse.
  Armando sentou-se a seu lado com alegria.
– Costuma vir aqui? – perguntou contente.
–Costumo. Às vezes quando volto do colégio, sento-me aqui para pensar.
– Que bom vê-la! Saí do hospital deprimido, sem coragem para olhar a vida. Agora, encontro você que para mim é a própria vida. Cheia de mocidade, saúde, beleza! Sua presença faz-me bem.
– É lamentável o que as pessoas fazem com as bênçãos da vida que de Deus nos deu. Não gostaria de viver assim, não haveria ninguém para tentar ajudá-las.
  Juliana sacudiu a cabeça concordando.
– É verdade – disse. – Vocês são abnegados. Entretanto, prefiro trabalhar pelo esclarecimento das pessoas para que elas não chegue m a esse doloroso estado de sofrimento.
– Fala de profilaxia? Seria o ideal, mas há casos impossíveis de serem detectados com antecedência. Há acidentes e fatos que não se poderia evitar.
– Não penso assim. Por que alguns levam vida saudável, morrem sem sofrimentos, após a velhice proveitosa, enquanto outros vivem cheios de dor, de tragédias e dificuldades?
  Armando sacudiu a cabeça, sorrindo levemente.
– Não sei. É um mistério. Talvez a resposta esteja nos genes da família, na sorte, que sei eu.
– Nunca lhe ocorreu que ela pode estar no pensamento, na escolha de cada um?
– Que absurdo! Quem iria escolher a doença?
– Ninguém. Mas escolhendo mal suas atitudes pode chegar a esse resultado.
– Não nego que os abusos levam a doença, mas isso representa parcela pequena dentro do quadro geral.
  Juliana levantou-se, sorriu para ele e tornou:
– Venha comigo. Quero mostrar-lhe algo.
  Pegou os cadernos que estavam sobre o banco e caminhou por entre os canteiros da praça. Armando a seguiu curioso. Diante de um canteiro cheio de hortência , ela parou e encostando levemente o dedo em uma flor, disse:
– Veja como é linda, cheia de vida! Seu colorido delicado, suas pétalas parecem de veludo!
  Olhos brilhantes, apontou para uma roseira-chorão, cujo cachos de rosas cobriam um aro colocado a seu redor, exalando delicado perfume.
– E essas rosas! Nem o mais consagrado pintor conseguiria superar sua beleza natural!
  Armando concordou satisfeito. Ela prosseguiu:
– Tão lindas, mas têm duração efêmera. Amanhã, talvez, suas pétalas estejam murchas e comecem a cair.
– Claro – concordou ele. – São apenas flores.
– Sim. São apenas flores. Mas, se Deus colocou tanta beleza, tanta vida, tanta alegria e perfume em simples flores, o que não terá feito com o homem?
  Armando parou e olhou-a sem compreender. Ela continuou:
– Deus sempre faz o melhor. Ele nos deu beleza, sentimento, alegria, bondade e possibilidade de escolher.
– Você diz isso porque só vê o lado bom. E a dor, o sofrimento, a maldade, o ódio, a ignorância, de onde vieram?
– Da nossa necessidade de perceber.   Deus permite o contraste para que possamos enxergar claro. De que nos adiantaria acender uma luz na claridade? É nas trevas que ela é percebida.
  Armando fixou-a pensativo. Ela disse ainda:
– Sem a tristeza, a alegria não seria apreciada; sem a carência a abundância não teria significado.
– O que quer dizer?
– Que nós somos crianças na escola da vida eterna. Durante nossa infância, precisamos experimentar para ganhar senso da realidade. O sofrimento é pano de fundo para que o bem seja notado.
– Que idéia? De onde tirou isso? – disse ele, admirado.
– Observando.
– Baseada em quê?
– Na perfeição de Deus. A natureza nos ensina isso. Basta olhar. Não lhe parece que um Deus tão extraordinário, tão criativo, que colocou tanta beleza tanto perfume na simplicidade de uma flor, que enfeitou nosso mundo com um céu tão azul, um mar tão belo, tudo para nos fazer felizes, só nos destina à felicidade e à alegria?
– Custo a compreender que ele possa haver criado o mal. Parece-me sadismo admitir que ele nos tenha colocado entre o bem e o mal e se delicie vendo-nos debater nessa luta desigual. Para ser franco, meu conceito de Deus há muito foi abalado.
  Juliana puxou o gentilmente o braço de Armando fazendo-o sentar-se a seu lado em um banco e disse em seguida:
– Aí é que você se engana. Como eu disse, a dor serve para nos levar aos cuidados da preservação. É um alerta que nos adverte que algo não está bem. Sem ela, não teríamos referencial.
– Isso é verdade. A dor física é um alerta.
– Então, os alertas são necessários enquanto não aprendemos a evitar certos enganos. O mal só existe para nos levar ao bem. Quando já estivermos nele, não haverá mais necessidade de sofrermos.
–  Acredita que um dia  ele acabará?
– Por certo. E como já experimentamos muito esse lado, agora, se quisermos, poderemos vencê-lo para sempre.
– Armando abanou a cabeça negativamente.
– Não creio. Essa é uma ilusão sua. Jamais essas coisas mudarão. Sempre foi assim!
– Pois eu creio na mudança. Se você se libertar dos pensamentos tristes, se ligar com Deus no coração, pensar só no bem, ele agirá através de você, e sua vida se transformará em felicidade e luz!
  O rosto de Juliana adquirira um ar convicto, e falava com tal certeza que   Armando considerou:
– Gostaria de acreditar em você!   Admito que seria bom. Contudo, a fantasia logo acabaria, e a realidade me faria voltar aos velhos conceitos e à descrença.
– Não pense com a cabeça, deixe o coração sentir, e ele por certo entenderá!
  Armando olhou-a e sorriu:
– Seja como for, você fez-me bem. Eu estava precisando de sua ingenuidade, da sua boa fé.
  Juliana olhou-o nos olhos, como querendo penetrar em seu pensamento mais íntimo, quando disse:
– Você é maduro em muitas coisas, pena que seu intelectualismo e seu lado racional estejam bloqueando seus sentimentos. É por causa dessa distancia e dessa incapacidade de ver que é preciso o pano de fundo para facilitar a percepção. É preciso o contraste, as trevas para valorizar a luz.
  Armando sentiu certo receio dentro de si. Um sentimento de inquietude que ele tentou dissimular e ai retrucar quando Juliana sorriu dizendo:
– Sinto muito Armando. Sou muito distraída. Desviei a atenção. Mas não acha que estas flores são lindas?
  Ela mudou de novo – pensou ele, perturbado. Sorriu por sua vez.
– Sim – disse.
– Preciso ir andando.
– Irei com você até lá.
  Foram cainhando devagar, mas a conversa tornou-se trivial embora agradável. Ao despedir-se, Armando considerou:
– Tenho estudado demais. Sinto-me fatigado. Aquele encontro ainda tem validade?
  Juliana sorriu:
– É claro.
– Que tal amanhã à noite?
– Está bem.
– Aceita jantar comigo? Assim podemos conversar bastante.
– Aceito. Pode passar às oito.
  Apertando a mão delicada que ela lhe estendia, Armando despediu-se. Não tomou o ônibus, preferiu caminhar até sua casa.
  Durante o trajeto, revia as palavras de Juliana pensativo. Claro que ela era quase uma menina, inexperiente. Para ela, tudo seria cor-de-rosa. Em seu coração não havia lugar para a maldade nem para o sofrimento.   Como ela poderia compreender?
  Nunca estivera numa enfermaria fria e triste nem ouvia os gemidos angustiados. No entanto, suas palavras tiveram o dom de colocá-lo de bem com a vida, de fazê-lo sentir que era jovem e que se havia no mundo tristeza e dor, havia também alegria, amor, bondade e beleza.
  Estugou o passo. Queria chegar em casa para ouvir um pouco de musica, fazer coisas que lhe desse prazer.   Nessa disposição, fez sinal para um ônibus e durante o resto do trajeto não pode deixar de notar a beleza das árvores, dos jardins das residências e principalmente o azul do céu.
  Juliana chegou em casa e encontrou a mãe com Vera na sala conversando.   Cumprimentou as duas a ai subir para seu quarto quando a mãe a deteve.
– Juliana, espere em pouco. Sua irmã tem boas noticias.
  A moça parou atenciosa.
– Ela vai ter um bebê! Não acha adorável?
  Juliana esboçou leve sorriso.
– Que bom! Parabéns, Vera!
  Disse isso e subiu para o quarto,   Norma não se conteve.
– Está vendo? Quando digo que está menina é esquisita, vocês não acreditam. Que frieza! Uma notícias dessas!
  Vera deu de ombros.
– Bobagem, mamãe. Ela é assim mesmo. Não fica alegre com nada. Já tem namorado?
  Norma sacudiu a cabeça desalentada.
– Quem dera! Pelo jeito, vai ficar para titia, infelizmente.
– É... quem quererá casar com ela desse jeito? Não nego que ela seja bonitinha, se tivesse classe, se vestisse um pouco melhor, quem sabe. Enfim, cada um com a vida que Deus lhe deu.
– Gostaria que ela fosse como você!
Vera suspirou fundo.
– Lamento, mamãe. Você é testemunha de que fiz tudo para ajudá-la. Ela sequer me dá ouvidos.   Sabe, mamãe. D. Laura está tão feliz com o primeiro neto que fez questão de encomendar o enxoval da França.   Amanhã, madame Lozan ira em casa com todo mostruário. Dizem que tem coisas lindas. Vai mandar preparar um quarto só para ele, e eu pretendo reformar tudo. Você me ajuda?
  Norma acenou que sim, e ela prosseguiu:
– Mãe, estou preocupada com a barriga. Preciso renovar o guarda-roupa.
– Calma, você nem começou a engordar!
– É bom prevenir. Você sabe que se eu não estiver vestida à altura, nem apareço para ninguém. Por falar nisso, há uma festa em casa dos Prates no sábado. Será que vai aparecer?
Norma sorriu.
– Claro que não. Vai crescer, mas não tão depressa!
Clóvis entrou apressado como sempre. Norma levantou-se e foi logo dizendo:
– Você, aí. Por onde andou? Sequer veio almoçar.
– Comi um sanduíche. Oi, Vera, tudo bem?
Foi saindo. Lamentou-se:
– Não sei mais o que fazer com este menino. Não pára em casa. O pior é que estudar, nada. Se ele bombar de novo, o que direi ao Berto?
– Não se preocupe. Você faz o que pode. Papai precisa fazer alguma coisa, botar ordem na casa. O dr. Vasconcelos não precisa nem falar, basta olhar e todos obedecem. A disciplina naquela casa é severa.   Juliana e Clóvis não se adaptariam. Eu já gosto. Criado é criado, visita é visita, tudo no devido lugar.   Marcelinho nem pensa em desobedecer. Respeita muito o pai.   Não faz nada sem falar com ele.
– Uma família às direitas. Fico feliz, minha filha.
  As duas continuaram conversando enquanto Clóvis tomara rápido banho. Aquela seria para ele uma noite especial. Fazia algum tempo que estava de olho em uma garota linda e cheia de charme.
  Só que ela sempre andava com um namorado a tiracolo. Isso não era obstáculo para ele. Começou a assediá-la discretamente, por fim apertou o cerco, culminando com o encontro naquela noite.
  Estela era divina. Loura, cabelos ondulados caindo nos ombros, olhos de um azul muito escuro, tez clara e suave, corpo esguio e ágil, atraíra-o desde o primeiro instante. Finalmente conseguira. Mal podia esperar!
  Deu uma ultima olhada no espelho e sorriu satisfeito. Ela por certo não resistiria. Saiu rápido procurando não chamar a atenção da mãe que ainda conversava com Vera.
  Quando ia entrando no carro, viu Cláudio que se aproximava.
– Graças a Deus que o encontrei!
– Por pouco. Estou saindo. Não posso conversar agora.
  O outro segurou-o pelo braço.
– Tem que ser agora. Não dá pra esperar!
– Não posso. Hoje é impossível.   Amanhã você volta e conversaremos.
–  Isso é que não. É caso de vida ou morte! Você não pode se negar a me ajudar-me!
  Clóvis fez um gesto de impaciência.
– Nada é mais importante do que o que eu vou fazer agora. Tchau!
– A vida de minha mãe é!
  Clóvis olhou o rosto lívido do amigo e assustou-se:
– D. Rosa? O que foi?
– Ela teve um ataque. Parecia morta.   O médico levou-a e disse que ela está mal.
– Sinto muito.
– Ele não deu muitas esperanças de cura. Parece que foi o coração. Só você pode me ajudar! Minha mãe não pode morrer!
– Você está louco! O que eu posso fazer?
–Juliana. Ela pode. Precisamos levá-la ao hospital, sei que se ela for até lá, mamãe ficará boa!
– Isso é loucura! Juliana não sabe de nada.
– Mas ela salvou aquele homem!   Poderia salvar minha mãe.
– Quando vai se convencer de que tudo foi uma casualidade?
– Eu sei e você também sabe que não foi.
– Escute. Você está nervoso. Sua mãe esta sendo atendida no hospital. Os médicos estão lá. Dá um tempo. Vai ver como ela está. Pode ser que a esta altura ela já tenha se recuperado. Não vamos complicar as coisas.
– Você não que levar a Juliana. Se não concordar, vou entrar aí  e falar com sua mãe. Conto tudo. Ela não se negará a me ajudar.
Clóvis irritou-se:
– Você perdeu o juízo! Eu não estou dizendo que não. Só quero que você se acalme. Depois, amanhã cedo, até podemos levar Juliana sem que mamãe desconfie de nada.
– Não quero esperar! Tenho medo que ela morra antes disso!
– Vá até lá, se informe. Pode ser que tudo já esteja bem.
– Você vem comigo.
– Agora, não!
– Que espécie de amigo você é? No momento mais difícil de minha vida, me deixa sozinho, desesperado?
Clóvis suspirou contrariado. Cláudio estava fora de si. Se o deixasse, poderia cometer uma asneira. E se ele procurasse Juliana?
Decidiu rapidamente.
– Está bem. Antes preciso dar um telefonema. Depois vou com você até o hospital.
Cláudio se acalmou um pouco.
– Sobe no carro e espere que eu já volto.
Clóvis entrou em um bar para dar um telefonar. Sentia-se contrariado. Que contratempo! Ficou mais nervoso ainda percebendo o desagrado de Estela.
– Vou atrasar, mas chegarei aí assim que sair do hospital.
– Acho melhor suspender nosso encontro – propôs ela. – Ela pode não estar bem, e você precisar ficar por lá. Depois ficará muito tarde.
– Sinto muito, Estela. Espero este encontro com ansiedade.
– Fica para outro dia.
– Amanhã?
– Não sei...
– Amanhã. No mesmo horário. Passarei por sua casa. Por Favor! Não me impeça de vê-la!
– Está bem. Amanhã, então.
Despediram-se e Clóvis mal-humorado retornou ao carro.
– Ainda acho que devíamos levar Juliana – tronou Cláudio.
– Nem pensar! Que desculpa daríamos? Depois, vai ver que sua mãe já está boa, e tudo não passou de um susto.
– Vamos até lá.
Chegando no hospital, Cláudio procurou noticias. Infelizmente Rosa não voltara a si. Os médicos estavam tentando ajudá-la, porém ela não melhorava.
O pai de Cláudio, abatido tentava em vão consolar a filha chorosa.
– Eu não disse? – tornou Cláudio para o amigo. – Vamos buscar Juliana.
– Espere um pouco . Meu pai trabalha neste hospital. Ele não está agora, mas o dr. Morelli deve andar por aqui. Ele nos dirá o que fazer.
Acompanhado do amigo, Clóvis procurou o dr. Morelli e o encontrou quando já ia deixar o hospital.
Pediu ajuda e ele prontamente foi se informar a respeito do caso. Voltou quinze minutos depois e, abraçando Cláudio, explicou que o caso dela era difícil, que eles estavam tentando tudo, e ela não reagia. Estava em coma e esse estado era crítico, tanto poderia regredir e nesse caso ela poderia salvar-se, como agravar-se.
Seria bom se eles rezarem, porque o caso estava nas mãos de Deus.
– Dr. Morelli, minha mãe não pode morrer. Por favor! Mande buscar Juliana. Ela poderá salvá-la. Me ajude por favor! Ao senhor, não impedirão de trazê-la!
Morelli franziu o cenho admirado:
– Por que diz isso? Por que pensa que ela poderá curar sua mãe?
– Ele está nervoso, doutor. Não sabe o que diz! Vamos embora, Cláudio. Deixa essa história pra lá.
– É verdade, doutor. Juliana tem poderes. Ela curou o homem que nós atropelamos. Ele estava mal!
Morelli sentiu aumentar seu interesse:
– Conte-me tudo.
– É loucura, dr. Morelli. Não vai levá-lo a sério! – disse Clóvis estava pálido. Se seu pai soubesse, teria aborrecimentos na certa.
– É verdade – continuou Cláudio. – Ela fica diferente, fala como se fosse outra pessoa. Deu até o nome de Dora!
– O senhor não vai acreditar nessa loucura – disse Clóvis.
– Eu posso acreditar – respondeu Morelli com emoção – tenho estudado certos fatos e sei que há pessoas especiais, com certas condições que podem promover as curas.
–  Ainda bem, doutor. Eu não sou louco. O que nós vimos foi muito estranho, mas verdadeiro. Se o senhor quiser, pode ir a Santa Casa e falar com a enfermeira. Ela ficou admirada com a repentina melhora dele!
– Vamos ao meu consultório. Lá conversaremos.
– O senhor vai nos ajudar? – indagou Cláudio.
– Farei o que puder. Morelli fez Cláudio contar tudo minuciosamente. Ele poderia estar exagerando, uma vez que estava muito emocionado, mas os fatos eram surpreendentes. Não deixaria escapar a chance de verificar pessoalmente.
– Clóvis, precisamos trazer Juliana até aqui – resolveu Morelli.
– De que jeito? Se papai souber, nunca consentirá.
– Isso é verdade. Dagoberto não entenderia.
– E se o senhor fosse pedir a ele? – surgiu Cláudio.
– Não adiantaria. Ele é cabeça dura. O melhor é Clóvis ir até lá e tentar trazê-la sem que eles percebam.
– Eu?!! E se eles descobrirem? Meu pai é rigoroso. Não posso fazer isso.
– Puxa Clóvis! É minha mãe que está entre a vida e a morte. E se fosse a sua? Eu faria mais do que isso por você!
– Não se trata disso. Custa-me crer que Juliana possa fazer alguma coisa. Ela não sabe de nada. O que vou dizer a ela?
– Peça-lhe para ver minha mãe. Ela não se negará. Diga que é importante para mim!
Clovis relutou, mas por fim concordou em tentar buscar Juliana.
– Está bem. Vou só para que vocês se convençam de que ela não pode fazer nada. Tudo isso é ilusão.
Passava das vinte e uma horas quando Clóvis chegou em casa. Entrou sorrateiramente procurando não fazer ruído. Tudo estava as escuras em silencio. Havia luz no quarto dos pais, e ele foi até o quarto de Juliana que estava escuro.
Abriu a porta com cuidado. Ela dormia. Ele entrou e fechou novamente a porta. Ficou parado alguns instantes receoso de assustá-la.
Ela abriu os olhos, sentou-se no leito e disse sem olhar para ele:
– Espere um pouco. Juliana precisa se vestir-se.
Clóvis sentiu um arrepio e a custo tentou conter o tremor do corpo. Com gestos rápidos e seguros, Juliana vestiu-se sem aceder a luz e por fim aproximou-se dele.
– Estou pronta. Vamos.
Trêmulo, sem dizer nada, o coração batendo forte, tomou a mãe dela cautelosamente saíram.
Durante o trajeto, Clóvis não disse nada, observando Juliana furtivamente. Estaria agindo bem? Não estaria prejudicando a irmã? Teve ímpetos de voltar para casa.
Juliana colocou a mão no braço dele, dizendo com voz calma:
– Não se preocupe. Não vai acontecer nada a Juliana.
Clóvis suspirou, dizendo:
– assim espero.
Chegando ao hospital, foram à sala do Dr. Morelli.
– Graças a Deus, você conseguiu – disse Cláudio com emoção. – Por favor, Juliana, ajude minha mãe.
– Tenhas calma, Cláudio – respondeu ela com voz firme. – Precisamos de energias positivas. Nada de tristeza nem preocupação. Quero vê-la.
– Vou dar uma olhada no quarto e voltarei para buscá-la – disse Morelli.
– Está bem.
Morelli saiu e voltou pouco depois, dizendo com satisfação:
– Não há ninguém lá a não ser o marido e a filha. Vamos.
O grupo saiu e foi ao quarto da enferma. Juliana não disse nada. Aproximou-se do leito onde Rosa estava estendida, rosto pálido, parecia morta. Colocou a mão direita sobre sua testa acariciando-a suavemente.
– Rosa – chamou. – Volta ao seu corpo. Eu sei que escolheu ir embora, mas veja, as coisas não estão ruins como pensa. Tudo pode mudar, melhorar, não abandone a chance que custou tanto obter! Dê uma nova oportunidade a ele e, se o fizer, tudo poderá melhorar. Você está me ouvindo e não se precipite. Vou dar forças para você voltar. Pense bem! Enquanto isso, falarei com ele, verá!
Morelli olhava atentamente sem querer perder nada. Juliana olhou os presentes e pediu:
– Todos dêem as mãos e, por favor, vamos pensar nela cheia de saúde, alegria e amor! Esqueçam de como ela está agora, pensem nela boa e saudável!
Os presentes fizeram um circulo ao redor da cama, dando-se as mãos e procurando imaginá-la bem.
– Continuem assim. Venha aqui para o lado, Amaury, precisamos conversar.
Trêmulo, sem conter as lagrimas, o pai de Cláudio obedeceu.
A um canto do quarto, Juliana disse-lhe em voz baixa:
– Amaury, sei que se arrependeu, sinto no seu coração o que se passa.
– É verdade. Não sei onde estava com a cabeça quando me meti naquele aventura! Mas eu amo a rosa! Se ela morrer não suportarei. Adoro minha família. Estou arrependido!
– Ela pensa que você não a quer mais. Por isso cansou da vida, quer partir
– Meu Deus! Eu sempre amei. Não quero que parta. Ajude-me, por favor!
– Venha, diga-lhe isso!
Amaury aproximou-se do leito, e Juliana colocou a mão novamente na testa dela, dizendo:
– Rosa! Presta atenção e decida o que fazer. A decisão é sua!
– Rosa, por favor, me perdoe. Eu a amo, não posso ficar sem você. Não me abandone. Nunca mais a magoarei, eu juro!
Amaury ajoelhara-se ao seu lado do leito e beijava-lhe a mão, lavando-a com suas lágrimas.
Foi quando um fundo suspiro saiu do peito de Rosa, e ela abriu os olhos por alguns instantes, depois fechou-os novamente e adormeceu:
– Graças a Deus! – disse Juliana com alegria – Rosa escolheu ficar. Agora, só precisa dormir e refazer-se.
Todos os presentes, emocionados, olhos molhados, sentiram-se aliviados. Amaury tentou beijar a mão de Juliana que retirou com delicadeza:
– Agora chega de emoções. Nossa doente precisa de harmonia, alegria e muita paz.
Morelli aproximou-se de Rosa auscultando-a cuidadosamente. Ela saíra do coma e parecia muito bem. Dor mia tranquilamente.
– Vamos sair do quarto – propôs Juliana. – Amaury pode ficar. Ela precisa muito do seu amor.
Morelli, admirado, queria perguntar. Pediu que Juliana fosse até seu consultório. Clóvis e Cláudio saíram para um café.
Uma vez a sós com ela, perguntou:
– Juliana, o que aconteceu? Como você explicaria o que houve?
– Ela descobriu que Amauri tinha uma amante. Ficou tão triste que resolveu ir embora.
– Morrer?
– Sim. Você não sabe que quando o espírito escolhe partir, ninguém consegue impedir?
– Como ela pôde provocar um ataque cardíaco?
– Não sabe que são as emoções e os pensamentos que governam o corpo? Ela desanimou e resolveu deixá-lo.
– Só por que ele tinha uma amante?
– É que ele já viveu com ela em outra encarnação e, naquele tempo, ele era viciado em trocar suas mulheres. Depois de sofrer concordou e dedicou-se a ele. Porém, agora, ele meteu-se em uma aventura, e pensou que ele fosse fazer tudo aquilo de novo. Desanimou.
– Você sabia tudo isso?
– Sempre ao atender um caso, procuro a ficha do paciente. Não é isso que você faz?
– Sim, mas...
– É tudo igual. Só muda a dimensão da vida. Nós vivemos em outra dimensão.
– Fale mais. Estou admirado. Como você pode saber essas coisas, Juliana?
– Juliana não se recorda de nada. Eu não sou Juliana. Sou Dora. Agora preciso ir.
– Tenho mais perguntas. Como conseguiu chamá-la de volta?
– Mostrei-lhe que Amaury a amava. E que eles ainda tinham boa oportunidade de aprender juntos. Ela entendeu. Foi só isso.
– Estou surpreendido. Ela deve ter poderes especiais. Como conseguiu entrar em coma?
– Ela não fez isso conscientemente. Rosa não desenvolveu ainda a consciência do próprio valor. Apóia-se nele. Colocou suas expectativas de felicidade nos filhos e no marido. Ainda não percebeu que a felicidade é conquista interior. É um estado que só nós podemos criar, cultivando nossos valores e as alegrias da nossa alma. O que aconteceu com ela, sempre acontece com quem é dependente. Com quem ainda não sabe utilizar sua própria força, seus dons naturais. Tendo colocado sua felicidade nas mãos dele, esperando que ele a fizesse feliz, dando-lhe esse poder, não suportou a realidade que tentava quebrar sua muleta. Perdeu a alegria, sentiu-se rejeitada, cultivou a depressão, a tristeza, o ressentimento. Suas forças se esvaíam e a falta de coragem para enfrentar a situação, fizeram o resto. O corpo é o espelho da alma.
– E agora? Ela ficará boa?
– Foi bom falar nisso. Vai depender da postura de ambos.
– Como assim?
– Ela voltou, mas espera continuar a pendurar-se nele. Por outro lado, ele sentiu-se culpado com o que houve e pode resolver mimá-la, o que será um desastre.
Morelli sentia aumentar a curiosidade:
– Como ajudar?
– Vamos deixar as coisas assentarem e voltarei para conversar com eles.
– Posso fazer alguma coisa?
– Pode. Dizendo a verdade a ambos. Ela precisa aprender o perigo que é esperar demais das pessoas além do que elas conseguem fazer. Tendo conhecimento do passado, das inclinações do Amaury e desejando viver a seu lado, era de se esperar que ele voltasse a seus hábitos, ainda que esporadicamente. As mudanças ocorrem gradativamente.
– Mas ela agora não se lembra das vidas passadas.
– A nível da vida na Terra, não. Mas quando sai do corpo ou mesmo intuitivamente, sabe. Por outro lado, ele precisa dar espaço para que ela cresça e desenvolva a sua força interior. Ele não tem feito isso. O arrependimento do passado, ainda o acomete. Por isso, a vida inteira ele a tem mimado, contribuindo ainda mais para que ela se torne mais dependente. Ele se sente menos culpado agindo assim.
Morelli passou a mão pelos cabelos pensativo. O que Juliana dizia era novo para ele, porém, parecia profundamente verdadeiro. O comportamento humano guardava segredos que ele gostaria muito de aprender a desvendar.
– Agora precisamos ir. Juliana deve descansar.
– Gostaria de falar mais.
– Fica para outra vez. Os rapazes estão chegando.
Morelli ia responder, porém os dois moços abriram a porta, e Clóvis disse preocupado:
– Vamos embora. Já é tarde.
– Adeus, Morelli. Ainda nos veremos de novo.
Cláudio tomou a mão de Juliana, dizendo comovido:
– Obrigado. De hoje em diante farei tudo para ajudar. Se precisar de mim, pode chamar.
Juliana apertou a mão dele com carinho e respondeu:
– Por certo, Cláudio. Precisamos muito da sua cooperação.
– Vamos embora – disse Clóvis apressado. – Dr. Morelli, por favor, não diga nada a papai, peço-lhe. Ele ficará zangado comigo.
– Fique tranqüilo. Não direi nada.
Despediram-se. No carro, Clóvis não disse nada. Observava Juliana furtivamente. Ao chegarem em casa, ele pediu:
– Não faça barulho. Se eles acordarem, vai ser um drama!
– Ninguém vai acordar. Eles estão longe sob a guarda de amigos. Deus abençoe você pela ajuda que nos deu! Somos muito gratos.
Clóvis sentiu forte comoção o envolver e ao entrar em seu quarto, depois de levar Juliana para a cama, suspirou aliviado. Um calor agradável o invadiu ao mesmo tempo que um forte sentimento de alegria dava-lhe enorme bem-estar.
Deitou-se e sentindo ainda satisfação, adormeceu.

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Pelas Portas do Coração - COMPLETO - ZIBIA GASPARETTOOnde histórias criam vida. Descubra agora