CAPÍTULO 19

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Depois que Clóvis saiu, Paulo, preocupado, tomou uma resolução. Iria imediatamente para Campos do Jordão.  Precisava ganhar tempo. A essa hora era bem possível que o pai de Juliana já estivesse a caminho. E se ele chegasse lá e descobrisse a verdade? Rapidamente, preparou algumas coisas e saiu. Se Dagoberto houvesse deixado a viagem para o dia seguinte, ele teria tempo de prevenir qualquer surpresa desagradável.
Apesar da noite escura, não havia muita cerração. O dia estava clareando quando Paulo chegou logo procurou pelos caseiros. Eles haviam levado Juliana para casa dos amigos. Ela levara seus pertences a fim de não deixar nenhuma pista.
- Como está ela? - indagou preocupado.
- Calma. Nós ficamos mais nervosos do que ela. Nunca vi uma fé igual. Disse que confia e que nada de mal vai lhe acontecer.
- Ela está certa. Nós também precisamos confiar em Deus e em nossos amigos espirituais.
- Eu confio, mas mesmo assim fico nervoso.
- Vou descansar um pouco. Se eu não levantar, me chame às oito. Quero ir até lá, falar com ela e decidirmos o que será melhor fazer.
- Não quer tomar um café, comer alguma coisa?
- Não. Vou me deitar.
Paulo estirou-se no leito, mas apesar de cansado não conseguiu relaxar. Não podia deixar Juliana voltar para casa, ser internada. Se Dagoberto a encontrasse, ele não poderia fazer nada. Como advogado, sabia disso. Se ao menos Juliana fosse maior! Ela completara dezoito anos, mas a lei só garantia a maioridade plena aos vinte e um. Haveria alguma forma de emancipá-la? Se ela se emancipasse, o pai não teria mais nenhum poder legal sobre ela.
De repente, uma idéia louca lhe ocorreu. Sentou-se no leito admirado. Por que não pensara nisso antes? Sim. Seria a única e a melhor solução. Se Juliana concordasse, tudo estaria resolvido.
Agitado, não conseguiu dormir depois disso. Quanto mais pensava, mais lhe parecia viável. Fez um plano. Ele é Juliana fugiriam e se casariam. Claro que esse casamento seria apenas uma maneira de emancipá-la. A lei era clara. A mulher se emancipa pelo casamento, em qualquer idade.
Era um plano ousado, mas simples. Resolveria a questão para sempre. Juliana ficaria livre para fazer o que bem quisesse. Se seu pai se zangasse e rompesse com ela, ele financiaria seus estudos e a ajudaria a tornar-se independente financeiramente.
Levantou-se rápido, arrumou sua mala, chamou o João, a Antônia, e esclereceu:
- Tomei uma decisão que vai resolver o problema de Juliana de uma vez. Se ela concordar, não teremos mais problemas.
Os caseiros ouviram atentamente. Paulo continuou:
- Vamos fugir juntos. Nos hospedaremos no mesmo quarto de hotel e depois procuraremos um cartório para casar. Dessa forma, Juliana ficará emancipada e livre para fazer o que quiser.
- Casamento? Que maravilha! Sempre desejei que isso acontecesse entre vocês! - disse Antônia radiante.
- Bem, será apenas uma combinação.  Não será um casamento de verdade.
- Como? Não vai se casar mesmo com ela? Será uma farsa? - disse João assustado.
- Não. Vamos nos casar mesmo. Mas só no papel. Apenas para que ela fique livre.
- Isso não está certo - disse Antônia. - Se vocês não se amam, não deveriam fazer isso. É um sacrilégio! Casamento é coisa séria!
- Eu sei, Antônia. Mas, se queremos libertar Juliana, não há outro jeito. Se ela concordar, faremos isso. Agora, leve minha mala para o carro. Não vou ficar esperando o Dr. Dagoberto aparecer e arruinar tudo. É ainda muito cedo, mas vou a casa do Não do apanhar Juliana.
- Vamos junto com o senhor - disse João.
- Não. Fiquem aqui e, se eles aparecerem, façam tudo para despistar. Assim, ganharemos tempo.
- Está bem. Deus queira que vocês estejam agindo certo! - resmungou João meneando a cabeça.
Antônia saiu rapidamente e voltou com alguns botões de rosas brancas.
- São para Juliana - disse com lágrimas nos olhos. - Apesar de tudo, desejo que sejam muito felizes e que tudo dê certo.
- Obrigado. Não se preocupem. Assim que puder, darei notícias. Adeus.
Eram quase sete horas e o dia estava claro quando Paulo chegou em casa do Nardo. Tocou a campainha e pediu para falar com Juliana. Recebido com deferência, entrou e esperou. Em poucos minutos ela estava na sala. Abraçaram-se com carinho e ele perguntou:
- Então, como está?
- Bem. Aconteceu alguma coisa? Você aqui tão cedo!
- Não propriamente. É que eu tive uma idéia que pode resolver essa situação definitivamente. Se aceitar, estaremos livres para sempre.
- Sente-se e conte-me do que se trata.
Sentados lado a lado no sofá, ele disse o que pretendia. A princípio ela assutou-se:
- Casar? Nós dois? Não será ir longe demais?
- Seria apenas no papel. Para quê você se emancipe. Continuaríamos como bons amigos. Assim ficará livre para fazer o que quiser. É a única maneira de libertar-se. Já pensou o que será sua vida tendo que fugir e esconder-se até atingir os vinte e um anos? Escondida, não poderá continuar os estudos nem dedicar-se à sua mediunidade. É a solução ideal. Seu pai não poderá fazer nada. Terá que aceitar e certamente um dia acabará Compreendendo o quanto estava enganado.
Juliana olhou-o comovida:
- E você? Não pensou nisso? É jovem, ficará preso a mim e não poderá se casar. E se aparecer alguém que você venha a amar?
- É um risco que você também vai correr. Se vier a acontecer, encontraremos uma solução.
- Fará isso por mim?
- Não só por você. É por Dora, pelas nossas idéias, por tudo aquilo que já aprendi e gostaria muito de dividir com as outras pessoas. E, também, porque não gosto de perder. Terei o prazer de derrotar o doutor Dagoberto. Diga que sim e partiremos imediatamente. Estou com tudo pronto. Não temos muito tempo. Eles podem estar chegando por aqui. Precisa resolver já.
Juliana pensou durante alguns instantes depois decidiu:
- Tem razão. Preciso ficar livre. Se esse é o caminho, assim faremos. Vou arrumar as minhas coisas.
Quinze minutos depois, tendo agradecido a hospitalidade dos amigos, estavam no carro rumo à aventura.
- Para onde vamos? - indagou Juliana sorrindo.
- Tenho tudo planejado. Para uma cidade não muito distante. Tomamos um quarto no hotel, como se já estivéssemos morando juntos e vamos ao cartório para os papéis.  Tem seus documentos com você?
- Sim.
- Daremos andamento aos papéis. Infelizmente teremos que esperar alguns dias. Mas isso não importa. Se formos descobertos nesse meio tempo, ele não terá coragem de impedir a consumação do casamento. Imagino até que ele será o primeiro a exigir isso, se acreditar que nós estivéssemos morando juntos todo esse tempo.
Juliana meneou a cabeça enquanto dizia:
- Pobre papai. Sua intransigência nos obriga a mentir.
- Tudo vai terminar bem, verá. Tenho visto muitos casos de fuga de jovens casais e sempre o casamento resolve todos os problemas. No fim, as famílias tornam-se amigas e tudo fica na santa paz.
Juliana sobressaltou-se:
- E sua família? O que vão dizer?
Paulo deu de ombros:
- Nada. Sou absolutamente independente. Conhecendo a, certamente ficaram muito felizes. Você representa tudo que eles gostariam de receber na família. Seu pai é um médico muito conceituado.
- Quero ver quanto vai durar essa ilusão. Quando descobrirem que sou diferente, podem mudar.
- Isso pouco me importa. Nós sabemos o que estamos fazendo e por quê. Ninguém precisa conhecer a verdade. Trabalharemos juntos na parte espiritual. Essa será a nossa alegria.
- Se nós casarmos, teremos que viver na mesma casa.
- Claro.
- Procurarei um emprego. Não sei se terei condições de continuar estudando. Certamente, meu pai não vai mais dar-me dinheiro, nem prover minhas necessidades.
- Pensaremos nisso depois. Você não precisa parar de estudar. Ao contrário. Deve continuar. Tenho dinheiro suficiente para sustentá-la e pagar seus estudos. Afinal, você será minha esposa.
- Não é justo. Tenho condições de trabalhar. Não posso aceitar que faça isso.
- Não pretendo torná-la minha dependente. Vai sair da dependência paterna e precisa conquistar seu próprio espaço. É bastante capaz para isso. Todavia, eu me proponho a ajudá-la a preparar-se adequadamente. Minha ajuda será temporária, até que você possa cuidar de si mesma.
- Obrigada, Paulo, por me compreender. É importante para mim, organizar minha própria vida.
- Concordo. Para mim foi muito importante conquistar minha independência. Farei tudo para que você consiga isso.
- Você me compreende. Isso me dá uma gostosa sensação de paz.
Ele sorriu satisfeito.
- Sinto a mesma coisa em relação a você. Estamos fugindo juntos e não estou nem um pouco preocupado. Ao contrário. Sinto-me relaxado, calmo, como se tudo fosse natural.
Juliana riu divertida. Apesar do rumo incerto que tomara sua vida, das mudanças que estavam acontecendo, confiava no futuro. Sentia que tudo seria para melhor.
Dagoberto levantou-se às cinco. Às cinco e meia, o detetive chegaria para irem em busca de Juliana. Norma levantou-se inquieta:
- Vou junto com você - disse nervosa.
- Nada disso. Não precisa se cansar dessa forma. Eu vou com ele e assim que resolver o assunto, telefono e conto tudo.
- Prefiro ir junto. Vou ficar aqui sem saber o que está acontecendo. Isso é pior. Quero ver Juliana.
- Espero que esse detetive esteja certo. Você fica. É uma viagem muito cansativa. Você enjoa na serra. Para que se atormentar? Eu trago Juliana e tudo estará resolvido.
Norma começou a chorar. Dagoberto abraçou-a, dando-lhe tapinhas afetuosas nas costas:
- O que é isso? Vamos, acalme-se. Está tudo bem agora que já sabemos onde ela se encontra. Vou chamar a Vera para fazer-lhe companhia.
- Ela também não está muito bem. Parece que tem tido muitos problemas com o marido. - Norma suspirou fundo: - às vezes temo que eles acabem se separando. Quem diria! Um casal perfeito com tudo para dar certo! Ultimamente não sei o que está acontecendo com nossa família. De repente tudo ficou complicado, e os problemas se multiplicaram. Acho que é por que não temos ido à igreja, rezado.
- Você está nervosa e vendo tudo de forma negativa. Vou pedir Vera que venha. Por que não vai à igreja rezar? Talvez a confortasse em quanto espera.
- Não vou sair de casa. Estou ansiosa por notícias. Assim que chegar lá, telefone. Vou preparar um café.
- Não precisa.
- Isso, não. Não vai sair para uma viagem dessas, dirigir na estrada, sem comer. Vou preparar seu café.
Dagoberto olhou o relógio rapidamente:
- Só se for bem rápido. Saímos às cinco e meia e não quero atrasar. Apesar da hora, vou ligar para a Vera.
- É muito cedo, ela vai assustar-se.
- Ela vai ficar zangada se eu não lhe contar o que está acontecendo.
- É verdade.
Dagoberto falou com Vera que resolveu ir imediatamente até lá fazer companhia para mãe. Sugeriu:
- Você vai dirigir naquela serra? Por que não leva o Clóvis para isso? Ele dirige muito bem. Além do que, você está muito tenso. Teria tempo de acalmar-se.
- Dirige bem, mas corre demais - respondeu Dagoberto. - Prefiro dirigir eu mesmo.
Enquanto ele tomava seu café, Norma insistiu:
- Vera está certa. Leve o Clóvis para dirigir. Com você, ele não vai abusar. Essa viagem é muito cansativa. Além disso, você está preocupado, enquanto que ele não tem preocupação alguma.
- Infelizmente, é verdade. Às vezes me pergunto o que será dele no futuro.
- Eu ficaria mais tranqüila sabendo que ele está com você, para apoiá-lo.
- O Clóvis? Nunca me apoiou em nada.
- Vou chamá-lo para ir com você.
Relutando um pouco, Dagoberto acabou concordando, e Norma acordou Clóvis que rapidamente se preparou para ir com o pai. Pela primeira vez, ia com ele de boa vontade a algum lugar. Também estava ansioso para saber como as coisas iam acontecer.
O detetive chegou pontualmente e sob o olhar preocupado e ansioso de Norma, com Clóvis dirigindo o carro, eles finalmente partiram.
Pela primeira vez, Clóvis dirigia sem pressa, e Dagoberto estranhou:
- Por que está indo tão devagar?
Ele fez-se de desentendido.
- Sei que você não gosta de correr.
- Não está exagerando?
- É a serra. É muito perigosa. Preciso ir devagar mesmo.
Dagoberto olhou-o e não disse nada. Preferia que fosse assim. Chegaram em Campos de Jordão depois das nove, e o detetive indicou o caminho da casa de Paulo. Durante o trajeto, informado a respeito, Clóvis dissera admirado.
- Paulo? Eu o conheço. Freqüenta o mesmo bar que costumamos ir. Não acredito que Juliana esteja com ele. Ela sequer o conhecia!
- Pois eu garanto que os vi juntos na casa dele.
- Você nunca os viu juntos? - indagou Dagoberto desconfiado.
- Não Juliana nunca saía à noite. E, pelo que sei do Paulo, ele trabalha o dia inteiro. É advogado, mas tem uma empresa. Duvido que tenha se envolvido com Juliana.
- Veremos ao chegar lá - disse Dagoberto decidido.
Ao chegarem em frente à casa de Paulo, pararam e desceram. Dagoberto ia tocar a companhia, mas o detetive o deteve.
- Deixe comigo. Sei como fazer.
Ele mesmo tocou a companhia, e depois de alguns instantes, o caseiro abriu o portão.
- O que desejam?
- Sou o detetive Celso Mota, da polícia especial de São Paulo. Viemos buscar Juliana.
- Juliana? - disse José tentando ganhar tempo.
- Sim. Vá buscá-la.
- Não posso.
- Por quê?
- Porque não está aqui.
Dagoberto impacientou-se:
- Sou o pai dela. Vá chamá-la imediatamente.
José fez um gesto desalentado:
- Já disse que não posso. Ela não está aqui.
O detetive empurrou o caseiro e entrou dizendo:
- Vou verificar pessoalmente.
- Não pode invadir a propriedade - disse José.
- Posso, sim. Já esperava por isso. Tenho um mandato de busca - respondeu o detetive exibindo uma autorização.
Na porta da casa, Antônia os aguardava ansiosa.
- O que eles querem? - indagou.
- Vá buscar Juliana - disse Dagoberto irritado.
- Não está aqui - respondeu Antônia
- Saía da frente. Vamos entrar - tornou o detetive puxando-a pelo braço.
- Deixe-o verificar por si mesmo - disse José.
Os três entraram e percorreram toda a casa sem encontrarem nada. O detetive chamou-os na sala e disse com voz autoritária:
- Para onde levaram?
Eles não disseram nada, é ele prosseguiu:
- Eu a vi ontem pela manhã. Não adianta mentir. É melhor contar logo a verdade. Vocês estão em uma situação perigosa. Podem ser presos, responsabilizados pelo sequestro de uma menor. Sabem o que significa?
- Sei, sim senhor. Mas garanto que Juliana não foi sequestrada. Ela veio de livre vontade - esclareceu José.
- Para saber se isso é verdade, precisamos encontrá-la. Só ela pode nos dizer o que aconteceu realmente. Enquanto ela não aparecer, vocês serão responsabilizados por ajudarem a mantê-la aqui prisioneira.
- Ela nunca foi prisioneira! - protestou Antônia. - Juliana veio porque quis e tinha bons motivos.
- Isso não importa agora. Precisamos achá-la.
Insistiram, ameaçaram, mas não conseguiram nada deles.
- Vamos colocar a polícia toda atrás d9 seu patrão e dela. Vão se arrepender de os  encobrir! Minha filha está doente e precisa de tratamento especializado. Vou processá-los por todos os danos que ela tiver.
Paulo os haviam instruído quanto ao que deveriam dizer, por isso, Antônia disse com delicadeza.
- Nao faça isso, doutor. Sua filha não merece. Ela nunca esteve doente. Pelo menos, o amor nunca foi considerado uma doença.
- O amor? - disse Dagoberto boquiaberto.
- Claro. Por que acha que sua filha de casa? Ela amava o doutor Paulo. Temia que o senhor não a deixasse casar antes de formar-se, por isso, eles resolveram fugir para se casar.
Clóvis que sentara-se e ouvia tudo calmamente, deu um pulo e não se conteve:
- Casar?!!
- Como assim? - inquiriu o detetive, começando a achar que havia feito muito barulho por uma coisa tão simples que acontecia com frequência.
- É mentira - reagiu Dagoberto. - Juliana nunca namorou ninguém.  Não acredito nessa história.
- Acreditaria se os vissem juntos! - disse Antônia. Eles se amam e vão casar-se.
Dagoberto, nervoso, precupou-se. Teriam eles dormido juntos? Aproximou-se de Antônia e mudou completamente a atitude. Ele precisava saber.
- Diga-me, por favor. Durante esse tempo todo que ela esteve aqui, eles... eles... bem... ficavam muito juntos? - conseguiu por fim dizer.
Antônia suspirou:
- Ah! Precisava ver! Não se largavam. Só aos beijos e abraços. Uma beleza.
Dagoberto deixou-se cair em uma  poltrona, segurando a cabeça entre as mãos. Admirado, Clóvis não sabia o que dizer. Paulo teria abusado da sua boa fé? Teria se aproveitado de Juliana? Se isso fosse verdade, ele era o único culpado. Por que se metera naquela história?
O detetive sentara-se por sua vez e olhava-os em silêncio. Esses casos de família, sabia como iam acabar. José aproximou-se de Dagoberto, tentando encorajá-lo.
- Doutor, não fique assim. O doutor Paulo é um moço de bem. Eles vão se casar. Tudo vai acabar bem, o senhor verá.
- Seu patrão abusou da nossa confiança. Se fosse um homem de bem, jamais teria arrastado a ingenuidade de Juliana a uma situação dessas. Ela é uma menina inocente. Ele a enganou.
- Não, senhor. Ela está apaixonada. Eles estão muito felizes - disse Antônia.
- Por que não estão aqui? Certamente alguém os avisou da nossa chegada. Mas quem? - disse Dagoberto dirigindo-se ao detetive.
- Ninguém sabia que viríamos. O sigilo é a alma do negócio. Eu não disse nada a não ser para meu superior - esclareceu ele.
Dagoberto olhou para Clóvis.
- Eu não sabia de nada - disse ele antes que o pai o acusasse. - Só fiquei sabendo dessa história hoje.
- Eles sabiam da nossa chegada. Por isso fugiram - disse Dagoberto.
- Agora que esclareceram o assunto, já podem contar. Onde eles estão? - disse o detetive com voz maneirosa dirigindo-se aos caseiros.
- Eles não sabiam que vinham. Como poderiam? Saíram cedo e não nos disseram para onde - disse José.
- Esperamos pela volta- disse o detetive.
- Não vão voltar logo. Ficarão fora durante alguns dias.
Dagoberto enrubesceu de vergonha: sua filha viajando junto com um homem sem serem casados! Ela deveria estar louca!
- Precisamos encontrá-los - decidiu ele. - Esta situação não pode continuar. Esse doutorzinho vai ter que responder por seus atos. Vou dar queixa dele à polícia.
- Se eu fosse o senhor não faria isso - disse Antônia. - Vai expor sua filha a um vexame inútil. Creia, o Dr. Paulo a ama e vai casar-se com ela.
- Depois de tudo isso, aí dele se não fizer!
Clóvis olhava-os assustado. Seu pai estava furioso.
- Eles não disseram para onde foram? - perguntou o detetive.
- Não - respondeu José.
- Levaram bagagem?
- Uma mala cada um, com roupa para vários dias.
O detetive aproximou-se de Dagoberto, dizendo baixinho:
- O que pretende fazer?
- Procurá-los, claro.
- Podemos continuar a busca, eles saíram da cidade hoje. Não podem estar longe. Vamos embora! - decidiu o detetive.
Dagoberto levantou-se e dirigindo-se a Antônia, pediu:
- Por favor, minha senhora. Se sabe mais alguma coisa sobre minha filha, diga. Minha mulher está sofrendo muito! Nós todos estamos desesperados. Pode avaliar o que estamos passando sem saber o que foi feito de Juliana.
Antônia suspirou:
- Posso compreender, doutor. Sinto muito. Disse tudo que sabia. Se adianta alguma coisa, posso afirmar que ela está muito bem. Nós cuidamos dela como se fosse nossa filha e a amamos muito. Creia, ela não corre nenhum perigo. O doutor Paulo a ama e respeita. Volte para casa, tranquilize sua senhora. Peça-lhe para esperar mais alguns dias. Eles nos disseram que iriam procurá-los logo depois do casamento.
Dagoberto olhou-a, fazendo tremendo esforço para conter as lágrimas. Saiu da casa com ar preocupado e triste. Uma vez no carro, o detetive perguntou:
- E agora, doutor? O que pretende fazer?
- Não posso conformar-me. Simplesmente ir para casa como se nada houvesse acontecido. Trata-se de minha filha! Uma menina ainda. E se isso tudo for mentira? E se ela estiver sendo vítima de impedir sequestro mesmo?
O detetive olhou-o calmo e respondeu:
- Que que seja franco? Não me parece. O caso é simples e até muito comum nos dias de hoje. Já vi vários como o seu. Ela tem razão. É só esperar alguns dias e eles com certeza voltarão, felizes e realizados.
- Não posso crer, Juliana não era dada a namoros. Nunca se interessou por ninguém.
- As quietinhas são as mais perigosas. São dissimuladas. Nunca se sabe o que estão pensando.
Dagoberto calou-se. Ele estava certo. Juliana sempre fora fechada, e ele nunca sabia o que ela pensava oh queira.
- Em todo caso, já que estamos aqui, gostaria de dar uma busca. Pode ser que os encontraremos. Alguém pode tê-lo visto e nos contar a direção que tomaram.
- Teriam voltado a São Paulo? - indagou pensativo.
- Não creio - disse o detetive. - Não ainda. Pelo que ouvimos, não estão casados. Vamos dar uma busca.
Circularam pela cidade, com um retrato de Juliana na mão, indagando nos bares, nas lojas, nos postos de gasolina, mas ninguém os havia visto. Dagoberto não se conformava e não sentia vontade de voltar.
- Vamos comer alguma coisa, estou com fome - disse o detetive.
Dagoberto concordou, embora não estivesse com fome. No restaurante, Clóvis perguntou:
- Não vai telefonar para mamãe? Ela deve estar aflita, nervosa.
- É verdade. Gostaria de ter algo melhor para lhe dizer.
- Esperar não vai adiantar. Sabe como ela fica. A estas horas deve estar muito preocupado.
- Tem razão. Vou ver se consigo falar daqui mesmo.
Dagoberto levantou-se e conseguiu permissão para telefonar a cobrar. Sentia-se arrasando. Mas era seu dever ligar.
- Finalmente, você ligou! Não aguentava mais de aflição! Encontrou Juliana? - disse Norma ansiosa.
- Não. Infelizmente ela não esteva mais aqui.
- Para onde foi?
- Não sabemos. Ainda não conseguimos descobrir.
- Meu Deus! O que terá acontecido?
- Acalme-se. Você sabia que Juliana tinha namorado? Ela lhe disse alguma coisa?
- Namorado?! Não. Ela nunca namorou que eu saiba.
- Pois tinha. É com ele que ela está.
- Santo Deus! Ela fugiu com ele?
- Tudo indica que sim. Os caseiros onde ela esteve até ontem, nos informaram que eles fugiram para se casar.
- Casar?! Céus! Juliana? Não pode ser. Deve haver algum engano.
- Eu também pensei. Mas eles afirmaram que ela está muito bem e que eles fugiram para se casar. Não sei o que pensar!
Norma suspirou aliviada. Pelo menos era alguma coisa.
- Ainda bem. Você sabe quem é esse rapaz, a que família pertence?
- Ainda não pensei nisso. Estou transtornado. Aquela sonsa nos enganou muito bem.
- O que pretende fazer? 
- Não sei. Já perguntamos pela cidade e ninguém os viu. Me parece que ele é conhecido por aqui, mas nestas circunstâncias, nem pensei em investigar. O que eu quero mesmo é encontrar Juliana. Ela vai ter que me explicar direitinho por que fez oque fez. Estou muito magoado. Nós não merecíamos a vergonha que está nos fazendo passar.
- É verdade. Mas se eles se casarem mesmo e se ele for de família boa, tudo ficará resolvido.
- Casar eles vão, isso eu garanto. Depois do que ouvi aqui, não há como escapar. Quanto ao resto, veremos depois.
- Sabe se ela estava bem?
- A caseira nos disse que estava feliz e bem-disposta. Nem se preocupou com nossos sentimentos, a ingrata. Garantiu que eles nos procurariam depois do casamento.
- Que romântico! Nunca pensei que Juliana pudesse fazer isso.
- Nem eu.
- Acho que vocês devem voltar e esperar. Se ela disse que vai nos procurar, com certeza o fará.
- E se tudo isso for mentira? E se ela houver sido sequestrada?
- Será? Quem teria interesse em fazer isso e para quê?
- Não sei. Realmente não sei o que fazer.
- Volte para casa. Vamos esperar alguns dias. Talvez ela apareça.
- Como pode ficar com essa calma? Nossa filha está viajando com um rapaz desconhecido. Os dois juntos e sozinhos. Já pensou nisso?
- Já mas se eles se casarem, tudo ficará resolvido.
- Não me conformo. Vou procurar mais um pouco. Só volto quando esgotar todos os recursos.
- Como queira. Mas seu consultório está fechado, os clientes ligando, e o Clóvis está perdendo as aulas. Seja sensato. Volte para casa. Vamos esperar mais algumas dias. Agora que sabemos que ela está bem, sinto-me melhor. De que adianta você ficar se torturando desse jeito?
Dagoberto ficou em silêncio por alguns instantes, depois resolveu:
- Começo a pensar que tem razão. Aquela ingrata não merece tanta preocupação. Vamos dar mais algumas buscas pela cidade e se não encontrarmos nenhuma pista, voltaremos.
- Antes do escurecer. A estrada é muito perigosa à noite
- Vamos ver. Se descobrir mais alguma coisa, telefono.
Depois do almoço, fizeram mais algumas buscas, mas nada encontraram. Dagoberto resolveu voltar á casa de Paulo. Antônia os recebeu convidando-os a entrar.
- Então, - indagou Dagoberto - alguma noticia dos dois?
- Não, senhor.
- Nós também não conseguimos nenhuma pista. Vamos voltar a São Paulo. Aqui tem meu cartão. Eu lhe peço, encarecidamente, que se tiver alguma noticia, nos telefone. A mão dela esta muito aflita. Caso ela se comunique com vocês, diga-lhe que está tudo bem. Que concordamos com o casamento. Não é preciso que ela fuja de nós. Por favor, diga-lhe que nos procure o quanto antes. E se seu patrão é tão direito quanto vocês afirmam, que faça o mesmo. É o mínimo que pode fazer depois de tudo.
- Sim, senhor. Pode deixar. Darei o recado. Garanto que eles ficarão felicíssimos e irão procurá-los em seguida. Diga à sua senhora que fique tranquila. Juliana está muito bem e o doutor Paulo é um excelente rapaz. Podem ficar sossegados.
Dagoberto não respondeu, preferiu não externar o que estava pensando. Se a irritasse, ela bem que poderia não dar o recado. 
Durante a viagem de volta, estavam calados, pensativos. Clóvis, preocupado, se perguntava se aquilo tudo era verdade. Estariam mesmo apaixonados? Pretendiam mesmo se casar? Estava ardendo de curiosidade. Mas, não seria louco de contar o que sabia e a parte que tomara nos acontecimentos.
Dagoberto sentia-se amargurado e triste. Por que Juliana era tão diferente? de quem havia herdado aquele temperamento arredio e impróprio? E agora, como iria tratar da sua doença? Não podai resolver nada antes de conhecer o moço e verificar que tipo era. Esse casamento seria realizado contra sua vontade. Estava sendo-lhe imposto. Quanto tempo duraria? Angustiado, ele não fazia outra coisa senão pensar, pensar, pensar.

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Pelas Portas do Coração - COMPLETO - ZIBIA GASPARETTOOnde histórias criam vida. Descubra agora