CAPÍTULO 10

2.3K 82 9
                                    

Sentada confortavelmente em uma poltrona em casa da mãe, segurando um pratinho com delicados biscoitos que saboreava prazerosamente, levando-os a boca um a um, Vera conversava com Norma, relatando-lhe detalhadamente sua vida de casada.
Estava no fim de uma gravidez saudável e não via a hora de libertar-se do incômodo peso e da ansiedade em ver o rostinho do bebê.
Norma ouvia-a com disposição, apoiando-a, ora acenando afirmativamente com a cabeça, ora prestando esse ou aquele esclarecimento quanto a maternidade.
Sobre a mesa, a bandeja, ricamente adornada onde, além do chá, havia diversas guloseimas das quiasma Vera gostava.
- D. Laura acha que seria bom contratar já tanto a enfermeira como a babá. Para termos certeza de que elas são mesmo competentes. O que você acha?
- Se ela pensa assim, você deve concordar. Ela quer o seu bem-estar e do neto.
- Aí! Quando você fala neto, me dá um arrepio! Não vejo a hora. Estou cansada e feia! Já contratei massagista e tudo o mais. Não aguento mais me ver deste jeito!
-Calma. Mais uma semana e tudo voltara ao normal.
- Parece tão distante! Estou enorme.
- É assim mesmo.
Juliana entrou, de volta do colégio. Cumprimentou a irmã e ia subir como sempre. Norma interveio:
- Viu como Vera está bem? Falta só uma semana!
Juliana concordou:
- Isso é bom. - Quer um chá ou um pedaço de bolo?
- Não, obrigada.
Ela dirigiu-se ao quarto. Vendo-a subir as escadas, Norma suspirou:
- É uma tristeza! Essa menina é tão diferente! A quem puxou?
Vera deu de ombros.
- Ela é assim mesmo. Não se acostumou?
- Gostaria tanto que fosse como você!
- Paciência. Um dia quem sabe, talvez ela mude.
Continuaram conversando por mais alguns minutos. Juliana voltou à sala e, dirigindo-se que Vera, disse:
- Você deve ir para casa imediatamente. O Dr. Vasconcelos está precisando de ajuda.
- O quê? - indagou Vera, assustada.
- Ele está mal. Vá depressa.
- Como sabe?
- Vá! Não perca tempo.
Assustada, Vera levantou-se. Norma reagiu:
- Juliana. Não faça isso! Assustar sua irmã desse jeito! Ela não pode ficar nervosa.
- Não desejo assustar, mas ela precisa ir depressa. É só o que posso dizer.
Juliana subiu para o quarto novamente, e as duas ficaram sem saber o que fazer.
- Terão telefonado? Ela não disse.
- Juliana é esquisita.
- Juliana! - chamou Norma. - Volte aqui.
- Deixe, mamãe. É melhor eu ir.
- Eu vou com você. Não posso deixá-la sozinha. Vai ver que não aconteceu nada.
- Juliana não é de mentir. Estou com medo. Vamos logo.
Norma pegou a bolsa e acompanhou a filha. Ao chegarem na situosa residência, tudo estava tranqüilo.
- Vai ver que foi algum mal-entendido - concluiu Norma.
- O Dr. Vasconcelos está em casa? - indagou Vera, à criada.
- Está, sim. Está trabalhando no escritório.
- Vou até lá.
Norma a acompanhou. Bateram na porta várias vezes sem obter resposta. Vera entreabriu a porta e deu um grito de susto: o sogro estava estirado no tapete.
Correias, gritos, ambulância e transportaram-no inconsciente para o hospital. Vera, assustada, sentido dores, precisou ser medicada.
Dagoberto, chamado às pressas, socorreu o amigo e depois, vendo-o atendido, foi ver Vera. Abraçou-a carinhoso tentando acalmá-la.
- Como está ele? - indagou ela.
- Reagindo.
- Acha que pode morrer?
- Isso não vai acontecer.
- Ainda bem - interveio Norma.
- Ele é forte.
- O estado dele é grave? - perguntou Vera.
- Não posso negar - respondeu Dagoberto. - Mas o pior já passou.
Ele teve sorte. Se demorasse mais um pouco para ser socorrido, poderia ter morrido. Ainda bem que vocês foram procurá-lo.
Vera balançou a cabeça pensativa.
- O que foi? - indagou Norma.
- Uma coisa me intriga, - disse Vera. - Se nem a criada sabia que o Dr. Vasconcelos estava passando mal, como Juliana poderia saber?
- Juliana? - estranhou Dagoberto. - O que tem ela a ver com isso?
- Eu tomava chá em casa, Juliana chegou e logo foi para o quarto. Dali a pouco, voltou séria e me disse para vir ver o Dr. Vasconcelos que ele estava mal e precisava de mim. Pensei que alguém houvesse telefonado, mas, não.  Viemos para cá e aqui ninguém sabia de nada. Subimos e o encontramos lá, caído. Algo estranho se passou. Se ninguém sabia, como Juliana poderia saber?
Norma, preocupada, olhou para Dagoberto que de pronto não encontrou nenhuma resposta. Lembrou-se do que ocorrera com aquela paciente no hospital. O que estaria acontecendo? Falaria com ela. Não permitiria que ela se envolvesse com esse tipo de coisa.
- Foi coincidência, nada mais - disse ele por fim, tentando não dar importância ao fato.
- Não acho, papai. Juliana não é como todo mundo. Tem alguma coisa, que eu não sei o que é. Depois, ela não faria uma brincadeira dessas comigo, no estado em que estou.
- Ela vai ter que me explicar essa história direitinho - disse ele, mais para sossegar a filha do que por acreditar que ela pudesse fazê-lo.
Morelli tomou ciência do que havia acontecido naquele mesmo dia. Indo visitar o Dr. Vasconcelos, tendo encontrado Vera, ficou muito impressionado e não se conteve.
- Também penso que Juliana seja diferente - disse diante da estranheza de Vera. - Não é a primeira vez que fatos como essa ocorrem com ela.
- Melhor mudarmos de assunto- interveio Norma, contrariada.
- Por quê? - indagou ele. - Do que tem medo?
- De nada. Não gosto de ver minha filha envolvida em superstições. É perigoso.
- Eu não diria isso. - replicou ele. - Tem acontecido coisas fora do comum, mas não se pode ignorar os fatos. Não seria melhor tentar compreender como acontece?
- Ninguém nunca me contou nada. O que tem acontecido?
- Nada de mais. Sua irmã fala coisas e, por coincidência, dão certo.
- Como hoje? Quer dizer que já aconteceu antes?
- Eu mesmo presenciei alguns fatos e, se não fosse pela teimosia de Dagoberto que se recusa a estudá-los, poderíamos descobrir o que se passa.
- Eu concordo com ele - disse Norma. - Não quero minha filha envolvida com crendices ou fantasias. Me surpreende  verificar o que o senhor, um médico, se deixe levar por coisas desse jaez.
- Desculpe, Norma, se a desgostei. Não falemos mais nisso.
No entanto, mesmo depois dele haver ido embora, Vera não conseguia esquecer o que acontecera.
Morelli trocou impressões com Armando que, perplexo, não encontrou argumentos.
- Foi a resposta de Dora - disse ele, ao filho. - Você sugeriu que ela provasse sua presença a família, e ela o fez.
- Não estará exagerando?
- Não. É fora de dúvida que ela salvou a vida do Dr. Vasconcelos. Um pouco mais sem socorrido e ele teria sucumbido. Ficou muito clara a interferência de Dora. Ninguém sabia. Como Juliana poderia saber?
- Estou intrigado, pai. Se tudo isso for verdade, estamos às portas de uma descoberta sensacional! Sinto-me temeroso de admitir que isso seja real. Esteja acontecendo! Já pensou como tudo seria diferente para nós? Outras dimensões de vida, outros mundos, a morte tão temida, tão dramática, apenas uma mudança de estado?
- Tenho me perguntado isso inúmeras vezes. Nesse caso, temos sido cegos!
- Por quê para nós? Por que uma coisa coisa tão grande e importante seria revelada a nós? Não lhe parece suspeito isso?
- Não. Se for verdade, outros já descobriram antes, já sabem. Nós apenas ignoravamos, como outros tantos ainda ignoram. Compreende por que desejo estudar? Percebe o meu interesse?
- Sim. Apesar de tudo, do receio, penso que devemos continuar. Agora, eu também me sinto interessado.
- Ótimo. Poderá me ajudar.
- Ainda não sei como. Juliana parece ignorar o processo. Temo perturbá-la. Pode impressionar-se.
- Hum! Não creio.
- Vou ver lá mais uma vez. Observar discretamente.
- Isso, filho. Esse é o melhor caminho. Estar perto dela quando aconteça. Estar atento. Será até bom para ela , ter ao lado alguém que apóie sem interferir.
- não teme que isso venha a fazer-lhe mal? Afinal andar investigando os mortos, pode ser morbidez. Ela é jovem, deve interessar-se pelas coisas próprias de sua idade.
- À primeira vista, poderíamos pensar assim. Contudo, com Juliana dá-se o contrário. É calma, inteligente, e me parece até bastante equilibrada. Não é  assim?
Armando concordou, sacudindo a cabeça afirmativamente.
- É por isso que não desejo perturbá-la. Ela parece tão bem...
- O curioso é que Dora não a perturba. Ao contrário. Quando ela conversa ou quando Juliana fala como se fosse ela, eu percebo que torna-se mais alegre, mais segura, eu diria até mais sábia e lúcida. Isso tem me intrigado muito.
- Ela tem alguns repentes um  pouco diferentes do seu jeito habitual. Já notei quando conversamos. E, nesses momentos, fala coisas que me fazem pensar. São muito profundas para sua idade.
- Já sei disso. Tenho lido que o sonâmbulo, às vezes, mostra-se muito mais sábio e lúcido do que no estado de vigília. Alguns estudiosos crêem que nesse transe a pessoa pode entrar em estado alterado de coinciência, nas profundezas do próprio inconsciente, que guarda todo conhecimento universal. Outros dizem que a pessoa entra temporariamente em sua memória de vidas passadas, retomando conhecimento antigos. As teorias são muitas. Há os que falam em aAnjo da Guarda ou espírito guia, que falaria através das pessoas.
- Em todas essas hipóteses, há que aceitar a sobrevivência do espírito, ou pelo menos a existência da alma.
- Quanto a isso não tenho mais dúvidas. Basta olhar um cadáver para perceber isso. 
- Não sei, não. Ainda tenho minhas dúvidas.
- Sua resistência vem da mente intelectualizada da época. Principalmente na faculdade. Querem tanto ser "científicos" que preferem negar obstinadamente a alma, temerosos de cometerem enganos. No entanto, é justamente essa teimosia que os impede de estudar fatos e ocorrências com isenção e imparcialidade. Para perceber é preciso abrir o campo da observação. A preocupação é o preconceito determinam resultados, mesmo sem comprovação. Eles acabam incorrendo justamente no erro que pretende evitar.
- Isso é verdade. Será por essa razão que os inventores, os que descobriram novos conceitos na medicina, as vacinas, as drogas curadoras etc., têm de lutar muito para provar suas descobertas?
- Claro. Não que se deve aceitar todas novidades, mas fatos, idéias, sugestão, devem ser vistas como possibilidades a serem observadas, testadas experimentadas.
- Essa seria a atitude mais científica mais adequada.
- Essa é a atitude que eu estou tomando frente aos fatos extraordinários que tenho observado.
- Tem razão. Vou observar Juliana. Comigo está segura. Tomarei todo cuidado.
No dia seguinte, Vera, recuperada, procurou Juliana. Encontrou-a no quarto e foi logo ao assusto:
- Juliana, quero que me diga direitinho como sabe que o Dr. Vasconcelos estava mal?
- Eu não sabia.
- Isso, não. Se não sabia, como foi me avisar para ir vê-lo? Você disse que ele precisava de ajuda.
- É, eu disse.
- Ah! Você se lembra! Então como soube? Quando chegamos lá, ninguém  ainda sabia que ele estava caído no tapete. Como você sabia?
Juliana deu de ombros.
- Não sei. Foi de repente. Eu senti que ele estava precisando e que era preciso você ir até lá imediatamente. Só isso.
- Só isso? Você diz só isso? Como "sentiu"? Imaginou, assim, sem mais aquela?
- Não imaginei nada. De repente, eu sabia que ele estava precisando e que você devia ir imediatamente para cada. Foi só isso.
- Quer que eu acredite que você adivinhou?
- Foi o que aconteceu.
- Isso é demais! Não dá para acreditar. Está brincando comigo?
- Por que faria isso?
- Não sei. Para ser misteriosa, para irritar-me como sempre faz.
- Nunca pretendi irritá-la. Está enganada. Está dando muita importância a uma coisa de nada.
- Você que eu acredite na sua explicação?
- O que acha que aconteceu?
- Eu? Como vou saber?
- Não pense mais nisso. Não vale a pena. Precisa estar bem depois de amanhã quando seu filho nascer.
- Quem disse que será depois de amanhã? Ainda falta mais de uma semana.
Juliana não respondeu. Ela prosseguiu:
- Está desviando o assunto. Não faz mal. Ainda descobrirei.
- Desta vez o Dr. Vasconcelos foi salvo, mas está na prorrogação. Marcelino que se prepare as mudanças que vão acontecer.
- Do que você está falando? O que quer dizer?
- O que eu disse. Só isso. Seu filho será seu maior amigo. Será seu aliado.
- Filho? Será menino? Meu aliado!
- Sim. Um menino de temperamento difícil, mas muito seu amigo. Ficará ao seu lado.
- Juliana! Por que está me dizendo essa coisas? Como sabe?
- Como? Eu não sei. Só sinto. O que eu sinto, eu falo.
Impressionada, mas lutando com a incredulidade, Vera afastou-se intrigada. Sua irmã era diferente das outras pessoas. Sempre o fora. Mas, prever o futuro, não seria alucinação? Ou ela teria esse dom? Existia mesmo essa possibilidade?
Ouvira falar de videntes, cartomantes, ledoras de sorte na mão, nunca acreditara que fosse verdade. Juliana teria esse dom?
Apesar do que acontecera com sogro, Vera relutava em aceitar essa hipótese. Não teria sido coincidência? Logo comprovaria que ela estava enganada. Os fatos se encarregariam disso.
No entanto, as palavras de Juliana não saíram de sua mente. A que mundanas ela se referira? O que estaria para acontecer?
Dois dias depois, o filho de Vera nasceu. Um belo menino que emocionou e encheu de euforia as duas famílias.
Em meio às emoções com a chegada do filho, Vera não conseguiria deixar de pensar no que Juliana dissera. Coincidência ou não, o fato é que acontecera: um menino, dois dias depois.
Impressionada, ela falou com o marido.
- Bobagem, Vera, que idéia! Você, pessoa tão esclarecida, dizer já coisa dessas!
- É coincidência demais! Foi ela quem me avisou sobre o seu pai! Depois acertou a data e o sexo do nosso bebê! Fico pensando, e o resto... será que vai acontecer?
- Você se imprecionou com as bobagens de Juliana. Claro que foram coincidências! Ninguém o que vão acontecer. Como seria possível?
- Ela disse para você se preparar, que o Dr. Vasconcelos está na prorrogação. Quer dizer que já era para ele ter morrido?
- Vire essa boca para lá! Deus nos livre! Papai, tão moço ainda, tão forte!
- Ele quase morreu!
- Mas já está fora de perigo. Seu pai afirmou isso. Vou falar com ele. Juliana com essa leviandade acabou assustando você! Eu é que não entro nessa.
- Ela disse para você se preparar, que as coisas vão mudar muito em nossas vidas!
- Não pensei que você fosse tão simplória! Vou falar com o Dr. Dagoberto. Ele precisa dar um jeito nessa menina. Inventar uma história dessas! Onde já se viu?
- Não. Não quero que perturbe papai com isso. Deixe. Você tem razão.  Sou ingênua mesmo. Vamos esquecer esse assunto.
- Acho melhor falar com ele.
- Não. Se achar necessário, eu mesma falo.
Vera fez o possível para esquecer. Logo conseguiu porque Martin ocupava-a o tempo todo. Apesar da enfermeira que cuidava dele, ela, deslumbrada pelo milagre da maternidade, cercava-o de atenções. O menino chorava muito, e ela preocupava-se por não saber por quê.
Ele dormia durante o dia e à noite chorava. Vera, contra a vontade da enfermeira, tomava-o nos braços, acariciando-o até vê-lo calado.
- A senhora está estragando o menino. Não deve fazer isso!
- Como? Se ele chora é porque quer alguma coisa. É bom para os pulmões.
- Que horror! Que crueldade!
Vera despediu a enfermeira e passou a cuidar ela mesma do filho. Laura e Marcelinho não concordavam com isso. O menino precisava de cuidados especiais. Apesar de ocupada em cuidar do marido que tivera alta do hospital, Laura tratou logo de arranjar uma ama para o neto. Escolheu uma, após meticulosas informações da agência de empregos.
Vera desejava cuidar ela mesma do filho, porém, Marcelino impôs sua vontade.
- Minha mãe tem experiência - disse. - Sabe o que é bom para o bebê. Você precisa cuidar-se. Veja como está! Depois, D. Dinorá tem tudo que é preciso para cuidar do nosso filho. Ela é proficissional. Entende o que é preciso fazer.
Apesar de contrariada, Vera obedeceu. Ela precisava cuidar-se mesmo. Estava com a cintura grossa, a barriga flácida, mesmo usando cinta elástica que o médico indicara. Devia ir ao cabeleireiro, melhorar a aparência, nisso o marido estava com razão.
Dinorá cuidava do bebê com facilidade e perícia. Ele estava sempre impecável, cheiroso, arrumado, alimentado.
Laura aconselhara Vera a não amamentar o filho para não deformar o busto. Ela desejava amamentar, porque tinha muito leite. Contudo, era tão doloroso, que ela resolveu atender a sogra. Tinha pavor da mais pequena dor e não suportava a idéia de prejudicar sua beleza física.
Norma não concordavam muito, mas não se atrevia a contradizer Laura. Não desejava passar por antiquada, provinciana. Laura era tão requintada, tão segura de si, tinha tanta classe! Norma gostaria de ser como ela.
Dagoberto não gostou. Tentou intervir:
- O leite materno e essencial para o bebê! Garante imunidade nos primeiros meses que são os mais delicados! Vou falar com ela.
Norma prestou.
- Nada disso. Muita gente cria os filhos com mamadeira e muito bem. Laura sabe o que faz. Adora o neto. Não desejaria prejudicá-lo.
- Não sei, não. Como médico, não concordo. Pelo menos nos três primeiros meses, ela deveria amamentar. Tem leite!
- Ela precisa cuidar-se. É jovem, tem marido moço, bonito e rico.
Dagoberto sacudiu a cabeça negativamente.
- É se ele não aceitar a mamadeira? E se adoecer?
- Que exagero! Ele a está tomando há três dias e parece muito bem.
Realmente Martin parecia muito bem, porém, continuava chorando muito durante a noite.
Ouvindo-o chorar, Vera, sem poder dormir, desejava tomá-lo nos braços porém, Dinorá não consentia. Irritada, ela não obedeceu, e a ama foi reclamar com Laura, o que lhe valeu uma reprimida da sogra.
- Você está estragando o menino.
- Não quero que ele sofra.
- Se você o carregar cada vez que chorar, com certeza nunca conseguirá discipliná-lo. O certo é deixá-lo chorar até que perceba que ninguém o atenderá.
- Isso é cruel e eu não vou deixar! Se ele chora, é  por que está querendo alguma coisa.
- O melhor é ir para cama. Dinorá cuidará dele.
-A senhora desculpe, mas eu não irei. Vou pegá-lo agora.
O menino, indiferente ao que se passava à sua volta, chorava a plenos pulmões. Sem mais delongas, Vera tomou o bebê nos braços. Ele berrava a ponto de perder o ar.
Assustada, Vera embalou-o murmurando palavras de carinho. Aos poucos ele foi se acalmando, soluçando estremecendo de vez em quando.
- Não vou deixar você sofrer! -  dizia ela suavemente, alisando a cabecinha do filho.
O menino adormeceu, e Vera colocou-o no berço com cuidado. Ele estava dormindo, no entanto, era só Vera tentar sair do lado do berço, ele recomeçava a chorar.
- Está satisfeita, D. Vera? Este menino já sabe como controlá-la - disse Dinorá.
Só depois de quatro horas. Vera conseguiu ir para sua cama. Isso lhe valeu uma conversa séria com o marido. Na manhã seguinte, ela levantara-se tarde e Marcelinho, irritado, não se conformava.
- Desse jeito, não pode continuar - disse. - Você desacatou minha mãe! A coitada faz tudo para ajudá-la a criar nosso filho, e você a desautoriza com a criada! Pode ser uma coisa assim?
- Não quis ofendê-la. Eu não suporto ver o bebê abandonado, sozinho, chorando.
- Ela não está abandonado, nem sozinho - disse ele entre dentes, procurando conter a raiva. - Não seja exagerada! Você não sabe tratar o menino. Está atrapalhando.
- Eu? Atrapalhando? É meu filho! Não vou deixá-lo chorando daquele jeito, sem tentar acalmá-lo. Vocês não têm coração!
- Você está proibida de ir vê-lo durante a noite.
- O quê?
- É isso. Você me obriga a tomar uma atitude que eu não queria.
- Você não pode fazer isso!
- Faço. Você passou a noite toda acordada. Olhe sua cara! Parece um fantasma. Já viu suas olheiras? Você está horrível!
Vera correu ao banheiro e olhou-se no espelho. Estava trêmula e pálida. De repente, Marcelinho parecera-lhe outra pessoa. Duro, insensível. A sogra, com toda a classe, queixara-se ao filho, e ela descobrira o quanto ele era dependente da mãe.
Procurou acalmar-se. Estava descontrolada. Lavou o rosto com água fria, respirou fundo, tentando recuperar a calma.
- Estou cansada - pensou. - Imaginou coisas. - Marcelinho era o mesmo de sempre, fino, elegante, educado; D. Laura só desejava o seu bem.
Logo veria o quanto estava exagerando. Tudo voltaria ao seu lugar, como sempre.
Apesar do esforço que fazia para acatar a ordem do marido, era difícil para Vera ouvir o choro do filho e não correr acalentá-lo.
Conversou com a mãe sobre o assunto.
-Sei que é para o meu bem e do Martin, mas não consigo vê-lo chorar! É cruel demais. Marcelinho proibiu-me de levantar durante a noite para vê-lo. Mas aí, eu fico escutando o choro dele no quarto ao lado e sofro muito.
- E o Marcelo?
- Ele ressona como se não houvesse nada. Não sei como ele pode! Estou começando a pensar que ele é cruel!
- Não diga isso do seu marido. Os homens são insensíveis a certas coisas. A mãe sempre é mais fraca. Ele está com Dinorá, ela sabe como proceder. Você precisa descansar. O bebê está trocando o dia pela noite. Depois, D. Laura é pessoa responsável, experiente. Deseja ajudar.
- Eu sei, mamãe. Mas há momentos em que eu fico com raiva dela. Sabe que naquela casa ninguém faz nada sem que ela opine?
- É natural. Ela é a dona da casa. Depois, trata-se de uma mulher de classe que sabe como fazer as coisas. Você deveria dar graças a Deus por ela preocupar-se com o bem estar de toda a família.
- Eu sei tudo isso, mas eu não aguento o ouvir o seu choro. Qualquer hora vou pegar o meu filho e fazer como eu quero.
- Deus nos livre! Não faça isso! Para que criar um caso com sua sogra, com seu marido, por uma coisa simples? Faça um esforço. Logo seu filho crescerá, e você verá que deu tudo certo.
- Tem horas que eu não consigo controlar-me.
- Nesse caso, o melhor será ocupar-se. É preciso retomar suas amizades, ir ao clube, fazer compras, ter a vida social de sempre. Você que é feliz, por que tem uma sogra e um marido que cuidam de tudo tão bem e pode se dar ao luxo de despreocupar-se e voltar às coisas boas da vida. Eu, se estivesse em seu lugar, não pensaria duas vezes. Vá distrair-se e logo tudo voltará ao normal.
- Você acha mesmo?
- Claro. Do que tem medo? Martin está em boas mãos.
- Vou tentar, mamãe.  É melhor mesmo.
A partir daquele dia, Vera voltou à vida social intensa que sempre desfrutara. A noite, esforçava-se por não se incomodar com choro de menino e cansada das atividades do dia, acabava por adormecer.
Marcelinho gostava de estar presente em todos os acontecimentos da moda e não poupava tempo ou dinheiro para que Vera o acompanhasse linda e muito bem vestida, despertando comentários elogiosos por onde passasse.
Adorava as notícias da colina social e embora adotasse um ar indiferente quando Laura falava sobre isso, o brilho de seus olhos denunciavam sua satisfação.
Levantava-se habitualmente às dez, mas era só pela tarde que comparecia ao escritório de advocacia do pai, para passar uma vista de olhos pelas magníficas sala que ele decorava especialmente e onde permanecia durante uma ou duas horas, lendo os  jornais, preparando seus programas de entretenimento, telefonando para os amigos.
Não se interessava muito pelo trabalho. O Dr. Vasconcelos cuidava de tudo com maestria. E o dinheiro entrava sempre mais, aumentando a renda da família.
Ele sentia-se orgulhoso do sucesso, bajulado, elogiado, invejado e admirado, sendo destaque nos meios da mais fina sociedade. As mulheres o disputavam, e ele, envaidecido, divertia-se em flertar com elas, principalmente em meio aos amigos.
Gostava da fama de ser irresistível.  Isso o divertia e o fazia estar mais com os amigos. Enquanto Vera estretinha-se com as mulheres, falando do filho e da vida familiar, ele, junto aos outros homens, divertia-se com anedotas picantes, problemas alheios, visto de forma desabrida, casos e segredos escabrosos, onde entravam as últimas conquistas e as prováveis do momento.
Marcelinho adorava esses momentos e a eles entregava-se completamente. Quase sempre era Vera quem o procurava para voltar para casa.
Estavam em uma festa onde Vera como sempre conversava com duas amigas, quando foi chamada ao telefone. Admirada, foi atender.
Era Dagoberto:
- Vera?
- Sim, papai. O que aconteceu?
- Fiquem calma. Foi o Dr. Vasconcelos. Está mal, aqui no hospital. Venham imediatamente.
- Meu Deus! O que foi? Outro enfarte?
- Infelizmente, sim.
- E como está ele?
- Mal. Aconselho-os a vir imediatamente. Seu estado não é nada bom.
Vera sentiu um baque no coração. Lembrou-se das palavras de Juliana seis meses antes.
- Ele vai morrer, papai! - disse ela com voz sumida. - Eu sei que ele vai morrer!
Dagoberto não respondeu logo. Depois, disse:
- Não adianta se descontrolar. Venha logo. Será melhor.
Vera chamou o marido e imediatamente se dirigiram ao hospital. Durante o trajeto, Marcelinho tentava animar-se.
- Ele já deve estar melhor. Sempre foi muito forte. Não há de ser nada.
Vera não disse nada. Um pressentimento forte a acometeu, e ela pensou: - O Dr. Vasconcelos está morto!
Ficou calada. Olhando o rosto do marido, tentava afastar a preocupação, sentia pena dele.
Dagoberto os esperava e tentou confortá-lo. O Dr. Vasconcelos estava morto. Vera não ocultava a preocupação. Juliana estava certa.
Durante toda a noite, no velório, olhando a fisionomia pálida e jovem do marido, se perguntava:
- O que lhes reservaria o futuro? Como ele enfrentaria a vida dali para frente?
Vendo-o abraçado à mãe, sentia o coração apertado. Confortava-a a presença do pai apoiando-a e da mãe, solicita, amparando-a nessa hora difícil.
Parecia-lhe um pesadelo. O que seria deles dali para frente? Marcelinho era agora o chefe da família.  Estaria preparado?
Olhando o corpo imóvel do sogro, Vera pela primeira vez pensou na morte. Era seu primeiro contato direto com ela. O Dr. Vasconcelos, tão bom, tão energético e cheio de vida, reduzira-se naquele corpo mumificado triste. Teve medo. Ela também um dia se transformaria em um corpo sem vida e sentimento calor.
Agarrou-se à mãe apavorada:
- Vamos sair um pouco, tomar ar.
Você está muito pálida- disse Norma, arrastando-a para o jardim.
Vera deixou-se conduzir docilmente. O ar de fora fez-lhe bem. Norma fê-la sentar-se em um banco e sentou-se a seu lado.
- Não fique assim. Pense em seu filho. Ele precisa de você. Não vá adoecer  por causa disso. É triste, mas é a vida. A morte, ninguém pode evitar.
- Eu sei, mãe. Mas custo a crer. Ele era tão cheio de vida! Tenho medo. Juliana previu tudo isso e muito mais...
- Juliana?
- Sim. No dia em que ela me avisou para ir ver o Dr. Vasconcelos, Lembra-se? Nós estávamos conversando na sala em casa.
- Lembro, sim.
- Então. Não me conformei. Conversei com ela. Queria saber como ela descobriu que ele estava lá, precisando se ajuda. Ninguém sabia disso. E ela me disse que eu ia ter um menino dali a dois dias e que ele ia ser  meu amigo e ficaria do meu lado quando tudo acontecesse. Que o Dr. Vasconcelos estava na prorrogação e que Marcelinho deveria preparar-se para as mudanças que iam acontecer. Ela acertou tudo até agora! Mãe, Juliana previu o futuro!
- Não diga isso. Que loucura! Juliana não sabe nada disso. Como pôde imprecionar-se desse jeito?
- A princípio não acreditei. Mas depois, tudo foi acontecendo exatamente como ela disse.
- Foi coincidência. Logo você, sempre ponderada e com bom senso dizendo uma coisa dessas! Vera, minha filha, você não está no seu juízo normal. Está chocada com a morte do Dr. Vasconcelos. Amanhã pensará melhor e verá que tudo não passa de uma ilusão.
- Eu não me impressiono fácil. Sinto que ela falou a verdade. E, se algumas coisas já aconteceram, as outras também acontecerão. Sinto medo!
- Esqueça essas bobagens. Logo você, impressionar-se com as esquisitices de Juliana. Melhor não fizer isso ao seu pai. O Dr. Bueno nos garantiu que Juliana é normal e não há motivo para  preocupação. Por isso, não gostaria que o Berto tomasse conhecimento disso. Prometa que não lhe dirá nada.
- Se você quer assim, prometo. Mas esconder o que aconteceu não impede que ela tenha esse dom. Há pessoas que têm o dom de saber o futuro.
Norma abanou a cabeça.
- Você está perturbada. É melhor ir para casa, tomar um calmante. O dia foi duro. Amanhã, será outro dia.
- Não. Ficarei aqui fora. Lá dentro está muito abafado. Depois, não posso olhar o rosto do Dr. Vasconcelos. Sinto-me mal. Mas, embora, eu não vou. Não ficaria bem. O que Marcelinho iria pensar? E D. Laura? Não.  Vou aguentar. Falta pouco tempo. O que preciso é falar com Juliana. Eu a vi a pouco espiando o velório. Vamos procurá-la.
- Para quê? Não adianta nada agora. Alguém pode escutar. O que pensa conseguir com isso? Quer provocar um escândalo?
- Não. Mas se ela sabe de alguma coisa, quero saber. Sinto-me angustiada.
- É natural. Você está cansada. Agora não adiantaria nada. Ela vai ter que me explicar direitinho como consegue saber essas coisas, e o que ainda falta acontecer.
Norma procurou acalmar a filha, falando sobre outros assuntos, porém, assim que voltaram para casa depois do enterro, foi ao quarto de Juliana.
- Quero saber que história é essa que você anda contando a Vera. Ela está muito nervosa e aflita com a morte do sogro. Não era hora de inventar nada. Brincadeira tem limites.
- Eu não estava brincando, mãe.
- Como não? Terá sido pior? Terá deliberadamente tentado preocupar sua irmã?
- Claro que não. Só quis ajudar.
- Ajudar? Inventando coisas desagradáveis para preocupá-la? Chama isso de ajuda?
Juliana não respondeu. Norma prosseguiu:
- Ela ficou impressionada com o que você lhe disse e está nervosa. Pretende vir procurá-la. E você está proibida de continuar a inventar histórias. Se quer fantasiar coisas, faça-o desde que não prejudique os outros. Sua irmã passou por um problema grave, está descontrolada. Não lhe diga mais nada, entendeu?
- Vocês precisam tomar cuidado com D. Laura. Abrir os olhos. Vera poderá ser muito prejudicada.
- O quê? Você endoida eu.  Agora quer criar um problema entre ela e a sogra? Onde está com o juízo? Se insistir nisso falarei com o seu pai. Com certeza a levará ao Bueno se novo. Parece que você perdeu o juízo.
- Melhor seria que acreditasse no que estou dizendo. Se você não acredita no que afirmo, pelo menos fique alerta. Estava preparada. Se não deseja que Vera saiba, está em seu direito, mas olhe por ela. Não se deixe levar pelas aparências e nem pela classe de D. Laura. Marcelinho e muito dependente dela e agora ficará ainda mais. É ela quem vai dar as cartas na família
Tudo terá de se do jeito que ela quer.
Norma abriu a boca e fechou-a de novo. Juliana falava com voz firme, e seus olhos estavam diferentes. Ela não sabia o que fazer. E se ela estivesse dormindo? E se sua interferência a gravasse seu descontrole?
Juliana sorriu.
- Não se preocupe - disse. - Juliana está muito bem . É muito equilibrada. Por que você é tão resistente? Por que se recusa a perceber a realidade?
Norma aproximou-se de Juliana e pediu:
- Está bem, concordo. Agora deite-se. Não insistirem mais. Descanse.
- Não me sinto cansada. Peço-lhe que me ajude. Medite sobre tudo que aconteceu. Nós precisamos muito de você. Abra os olhos para a vida. Tudo pode ser muito diferente do que você pensa. Não tenha medo. Ela está protegida. Nada lhe acontecerá.
Norma permaneceu parada sem saber o que dizer ou fazer, olhando o rosto de Juliana. Ela fechou os olhos por alguns momentos e quando os abriu de novo, disse, surpreendida:
- Mãe! O que quer aqui parada? Aconteceu alguma coisa? Você me falava sobre Vera. O que era mesmo?
- Pedi-lhe para não lhe contar suas histórias. Pode me explicar por que diz certas coisas?
- Eu mesma não sei. De vez em quando, sinto uma certeza muito grande e sei que vão acontecer coisas.
- Sabe... como?
- Só sei. Quando sinto isso, depois essas coisas realmente acontecem.
- Se sente isso, não deve falar com as pessoas. Você às assusta. Fique calada.
- Não posso. É mais forte do que eu. Quando vi, já falei. Minha boca fala, não sei por quê.
- Logo você, sempre tão controlada, calada. Claro que pode controlar-se. Isso ainda nos poderá trazer muitos problemas.
- Não creio. Ao contrário. Quando eu falo, percebo que há um bem acontecendo. Sinto que estou ajudando as pessoas. Não tenho medo. Sei que estou fazendo o melhor.
- Vera ficou assustada. Isso não foi bom. Você está enganada.
- Não estou. As pessoas se fecham em seu mundo social e se esquecem de que o universo é imenso e que existem outras coisas além do pequeno mundo onde vivemos... É preciso despertar a consciência da eternidade.
Norma arrepiou-se. O que Juliana poderia saber sobre eternidade?
- Preciso ver que livros anda lendo. Está com a cabeça cheia de fantasias.
- Pena que você não possa perceber ainda. Gostaria muito que soubesse...
Os olhos dela brilhavam, e Norma não encontrou palavras para responder. Saiu do quarto da filha impressionada. Tinha que aceitar. Juliana era diferente. Se contasse ao Berto, ele provavelmente a levaria de volta ao Bueno. Ela discordava dessa decisão. Contudo, um psicólogo talvez ajudasse. Ela era mãe, tinha necessidade de defender a família, zelar pela sua integridade. Se mentisse ao marido por causa disso, não seria pecado.
No dia imediato, procuraria consultar um psicólogo que uma amiga lhe indicara. As coisas estavam complicadas, e ela tentaria resolvê-las a seu modo.

NÃO SE ESQUEÇAM DE VOTAR...

Não esqueçam de me seguir no wattpad pois assim vocês vão ficar por dentro de todas as informações.

Pelas Portas do Coração - COMPLETO - ZIBIA GASPARETTOOnde histórias criam vida. Descubra agora