Norma acordou cedo e levantou-se. Aquilo não podia continuar. Reconhecia que sua vida nos últimos anos havia obedecido uma rotina enfadonha da qual agora ela estava disposta a sair. Havia resolvido aprender a dirigir. Sempre tivera vontade, mas Dagoberto opusera-se formalmente. Afirmava que era muito perigoso, que ela não precisava arriscar-se. Enquanto ele estava ao seu lado, não sentira tanta falta, mas agora, isso tornara-se evidente.
Para sair tomava um táxi, ou o bonde, enquanto o carro estava na garagem sem utilidade. Aquilo era um desperdício. Ela iria dirigi-lo. Telefonou ao Clóvis contando-lhe sua resolução. Ele apoiou com entusiasmo e prontificou-se a arranjar-lhe uma boa escola.
Pensou em visitar Vera, mas mudou de idéia. Ela deveria estar trabalhando. Mal a havia ultimamente. Ela e Jonas estavam se preparando para viajar. Falaram em casar, mas de que forma? Vera era desquitada e um novo casamento não seria reconhecido pelas leis brasileiras. Apesar da tristeza de ficar longe dela e de Martin, conformara-se com a idéia dessa viagem. Se eles resolvessem morar juntos no Brasil, seria um escândalo. Longe ninguém veria a saber.
Apesar de não se sentir muito à vontade com Juliana, resolveu telefonar-lhe. Qualquer coisa era preferível à sua enfadonha rotina. Juliana atendeu-a com alegria:
- Venha almoçar conosco, mamãe.
- Gostaria muito. Sabe como é, agora já não tenho tanto o que fazer como quando vocês estavam todos em casa...
- Venha e depois irá comigo ao Centro de Estudos.
Norma hesitou:
- Tem certeza de que não vou atrapalhar?
- Tenho.
- Está bem. Irei.
Norma foi. A principio para fazer alguma coisa, mas sentiu-se muito bem no ambiente acolhedor e agradável da casa de Juliana. Admirada percebeu o carinho, a alegria, o amor que havia entre o casal, e o afeto e a simplicidade com que a receberam fez-lhe bem. Depois que Paulo saiu para o trabalho, acompanhou Juliana ao Centro de Estudos e surpreendeu-se com a beleza do lugar, o carinho e o respeito com que Juliana era tratada pelas pessoas. Curiosa, sentou-se no salão de palestras. Estava lotado. Sentia-se um pouco apreensiva. Que tipo de coisas Juliana diria?
Notou que a plateia era composta de pessoas de boa aparência e de todas as idades, formando um ambiente agradável. Juliana entrou e começou a falar sobre o tema: dependência e insegurança.
Juliana se expressava com tanta leveza e sinceridade, conhecimento e firmeza que Norma interessou-se profundamente, esquecendo sus reservas com as idéias da filhas. No decorrer do assunto, identificou-se profundamente com o que ela dizia. No final, abraçou-a emocionada.
A partir desse dia, a vida de Norma começou a mudar. Ela tinha sede de saber mais. Passou a frequentar as aulas de Juliana com assiduidade, dividindo seu tempo com a auto-escola. Sentia-se mais disposta e animada, surpreendia-se cantando como quando era adolescente.
Quando Vera partiu, abracou-a comovida e desejou-lhe felicidades.
- Você tem direito a tentar de novo - disse com os olhos brilhantes de emoção. - Desejo que seja muito feliz!
Apesar de surpreendida, Vera sentiu-se bem ouvindo-a. Ia começar vida nova e seu coração estava cheio e de amor. Despedindo-se de Juliana, beijou-a comovida:
-Só você para conseguir fazer a mamãe mudar! Nunca esquecerei o que você e Paulo fizeram por nós. Reze por mim. Escreverei sempre.
Vendo-os partir felizes, Norma não conteve uma lágrima. Vera sempre soubera o que queria. Tivera coragem para romper com uma situação humilhante e reencontrar a felicidade. Admirava-a por isso. Sentia-se feliz por estar com Juliana e Paulo, Clóvis e Estela. Lamentava que Dagoberto houvesse sido tão teimoso. Ele também poderia ter usufruído dessa convivência com a família. Infelizmente fora intransigente. Embora amasse o marido e sentisse sua falta, Norma agora sentia-se livre, aliviada por não ter mais que cumprir aquela rotina que fora de sua responsabilidade durante tantos anos de vida em comum. Estava disposta a aproveitar o tempo procurando viver bem os anos que lhe restassem.
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Pelas Portas do Coração - COMPLETO - ZIBIA GASPARETTO
SpiritualA maioria de nós está repleto de modelos sociais de felicidade. Todos queremos ser certos e adequados. E, assim, nos obrigamos a agir contra os impulsos de nossa verdadeira natureza. Pensando fazer o melhor, acabamos por nos conduzir ao vale do de...