CAPÍTULO 27

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Sentado em seu consultório no hospital, Dagoberto examinava algumas fichas quando a secretária entrou:

— Seu genro está ai e quer lhe falar.

— Mande-o entrar.

Marcelinho entrou e pelo seu semblante, Dagoberto percebeu logo que algo acontecera. Quando a secretária saiu, ele foi logo dizendo:

— A Vera está em sua casa?

— Não. Faz tempo que ela não aparece por lá. Aconteceu alguma coisa?

— Aconteceu. Essa sua filha é uma desmiolada.

— Não fale assim dela. Não tem esse direito.

— Ela fugiu de casa durante a noite levando Martin. Não deixou um bilhete sequer. Hoje pela manhã, a ama viu que o menino não estava. Foi procurá-lo no quarto de Vera e ela havia desaparecido. Levou uma mala e roupas.

— Não pode ser! Ela não seria louca a esse ponto!

— Pois foi. Vou encontrá-la esteja onde estiver. Um escândalo desses nunca aconteceu em nossa família. O senhor deve saber onde ela está. É melhor dizer logo antes que as coisas fiquem pior. Não pode acobertar suas loucuras.

Dagoberto, nervoso, torcia as mãos irritado. Marcelinho estava sendo inconveniente, faltando com respeito, e ele levantou-se indignado.

— Como ousa me falar assim? Eu nunca apoiariam uma atitude dessas. Bem que ela me procurou pedido para voltar a viver em nossa casa. Mas eu recusei. Por causa disso, ela quase não nos visita mais. Não sei onde ela está. Você é o marido, o que andou fazendo para que ela fizesse o que fez? Minha filha nunca foi uma leviana. Não pode dizer isso dela.

Marcelinho deixou-se cair em uma poltrona  dizendo:

— Posso sim, depois do que fez. Fugiu de casa durante a madrugada. Sozinha não poderia ter feito isso. Alguém deve tê-la ajudado. Se não foi o senhor, quem foi?

— Não tenho a menor idéia. Vocês facilitaram, descuidaram. Ela deve ter amigos.

— Tem. Sabe o que ela andava fazendo? Trabalhando com um advogadozinho, como se fosse uma qualquer. Ficou danada porque a impedi de ir até lá. Por isso fugiu. Nunca pensei que ela pudesse fazer isso durante a noite.

— Precisa encontrá-la e fazê-la voltar para casa.

— É o que pretendo fazer. Eu não deveria aceitá-la de volta. Mas por causa do meu filho e do nosso nome, farei esse sacrifício. Se ela se recusar, pode ter a certeza de que ficará com Martin. Meu filho ficará comigo.

Dagoberto suspirou aborrecido. Marcelinho parecia-lhe mais apreensivo com o que os outros iam dizer do que com o caso em si. Apesar de muito preocupado, ele se sentia satisfeito por não haver cooperado com essa decisão dela. Quando ele se retirou pedindo-lhe que o avisasse imediatamente se ela desse notícias, Dagoberto deixou-se cair em uma cadeira arrasado.

Uma onda de tristeza o acometeu. De que lhe valeria tanta dedicação com a família, Suas lutas para dar-lhes um nome ilustre, honesto, para educá-los convenientemente? Um a um o haviam decepcionado. Um vazio interior, uma forte sensação de solidão o acometeu. Sentia-se cansado. Viver era um fardo doloroso e inútil.

Olhou desanimado para o fichário sobre a mesa. Ele era um derrotado. Apesar de se esforçar, sempre saía perdendo. Quando conseguia curar algum paciente, outros apareciam em piores condições. Isso não tinha fim e nessa guerra era muito comum ele perder, a morte leva a melhor.

Tanto esforço, tanta dedicação, tanto estudo, para nada. Sua vida se transformara em uma rotina enfadonha, sem atrativos onde um dia era igual ao outro. Ele sabia exatamente o que estaria fazendo em cada hora, em cada lugar, em cada dia da semana.

Pelas Portas do Coração - COMPLETO - ZIBIA GASPARETTOOnde histórias criam vida. Descubra agora