CAPÍTULO 14

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Sentados na pequena sala, Clóvis segurando entre as suas a mão gelada de Estela, eles esperavam. Não falavam, mas em seus rostos pálidos e preocupados havia o receio. Ele empenhará o relógio de ouro que ganhara do pai no último aniversário, e ela vendera um anel e uma pulseira de ouro, também presente dos pais. Finalmente haviam conseguido a importância que precisavam e estavam ali para fazer o aborto.
Ela estava trêmula de vergonha e de medo, e Clóvis não sabia o que dizer para confortá-la, uma vez que ele sentia mesma coisa.
- Uma amiga minha já veio aqui e fez a mesma coisa há um mês, disse Estela. - Correu tudo bem.
- Com você, também vai dar tudo certo.  Deus sabe como eu lamento não poder assumir a situação.
- Eu sei.
- Assim que eu puder, nos casaremos e, então, teremos todos os filhos que você quiser.
- Claro. Eu também não gostaria que meu pai soubesse de nada.
Ele não iria compreender. Seria um problema terrível!
- Como vê, não temos outra saída.
- É. Apesar disso, estou com medo.
- Calma. Vai sair tudo bem.
A porta abriu-se e uma mulher de meia-idade apareceu
- Está na hora - disse. - Antes precisa fazer o pagamento.
Clóvis apressou-se a tirar a carteira e colocar o dinheiro sobre a pequena mesa. Ela sentou-se e contou tudo. Depois disse:
- Vou fazer o serviço, mas ao sair, quero que esqueçam este endereço.
- Certamente - disse Clóvis. Ele também queria terminar logo com aquela angustiante situação, esquecer tudo e nunca mais voltar ali.
- Muito bem. Vamos entrar, menina.
Estela levantou-se e Clóvis beijou-a levemente na face, apertando sua mão com força para dar-lhe coragem.
Quando a porta se fechou de novo, Clóvis sentiu-se mais angustiado. E se acontecesse alguma coisa com Estela? E se tudo se complica se?
Não assumindo o risco de contar a verdade, não estaria provocando um perigo maior?
Tentou acalmar-se, pensando que soubera de vários casos e tudo dera certo. Não estaria sendo exagerado?
Levantou-se inquieto. Não conseguia ficar sentado pensando que Estela poderia estar sofrendo lá dentro ou correndo risco de vida. Lembrou-se de Dora e sentiu vontade de rezar. Mas teve vergonha. Rezar, quando estava fazendo algo errado, não ia adiantar. Deus não o ouviria. Passou a mão pelos cabelos, tentando conter a ansiedade.
Mil pensamentos desagradáveis vinham-lhe à mente, e parecia que o tempo não passava. Finalmente, a porta abriu-se novamente e a mulher apareceu.
- E então? - indagou ele ansioso.
- Tudo bem - disse ela com naturalidade.
- Ela está bem? Não há perigo de nada?
- Claro que não. Ela agora já pode ir para casa e deitar-se. Amanhã será bom ela repousar. Já disse a ela o que deve tomar amanhã.
- Posso vê-la?
- Não é preciso ir, ela já está saído.
De fato, Estela apareceu na soleira. Estava pálida, mas parecia bem.
Clóvis respirou aliviado. Não via a hora de sair dali e esquecer toda aquela história horrível.
- Você está bem? - perguntou a Estela. Ela assentiu e ele continuou: - Então vamos indo. Boa-noite.
- Boa noite.
Amparada no braço de Clóvis, Estela saiu, caminhando devagar. Uma vez no carro, ele perguntou:
- Então, doeu muito?
Ela começou a chorar. Ele abraçou-a penalizado. Quando ela se acalmou, ele repetiu a pergunta.
- Doeu um pouco - respondeu ela.
- Não fique triste. Agora estamos livres do problema. Vamos esperar o tempo que for e nos casaremos. Ninguém nunca saberá o que nos aconteceu.
- Eu estava angustiada com a situação, pensei que fosse me sentir aliviada, mas agora o que eu estou sentindo é tristeza. Sinto muita tristeza. É como se uma parte de mim tivesse morrido.
Clóvis olhou-a sem saber o que dizer. A experiência que ela passara, era forte e por certo mexerá com seus sentimentos de mulher. Abraçou-a, apertando-a de encontro ao peito.
- Estela! Eu amo você! Nós ainda seremos felizes. Teremos filhos e por certo uma família. Nunca nos separamos.
- Ainda bem que eu tenho você, que não me deixou só nessa hora.
- Agora, precisamos esquecer. Nada mais podemos fazer senão isso.
- Tem razão. Vou me controlar e melhorar a aparência. Minha mãe não pode desconfiar. Por qualquer coisa ela chama o médico. Já pensou se ela fizer isso?
- Sua aparência está boa. Só refazer a maquiagem e pronto. Ela não vai notar nada.
Ao chegar em frente a casa de Estela, Clóvis pediu:
- Me liga mais tarde para dizer como está. Está noite não vou sair. Ficarei esperando.
- Está bem.
Clóvis beijou-a com carinho dizendo:
- Para mim, é como se já fôssemos casados. Eu a amo muito.
- Eu também.
- Não esqueça de me ligar.
- Pode esperar.
Ela remoçou a maquiagem e perguntou:
- Que tal estou?
- Muito bem. Nem parece que passou por tudo aquilo.
Vendo-a entrar em casa, Clóvis acenou e saiu. Afinal, eles estavam livres e apesar de haver sido uma penosa experiência, ele sentia-se aliviado.
Seus pais nunca saberiam o que acontecera, e ele não precisava tomar nenhuma decisão penosa.
Foi para seu quarto pensando:
- Amanhã será outro dia e tudo estará esquecido.
Desceu para o jantar e notou que havia um ambiente alegre e descontraído em casa. O que acontecera? Sua mãe estava bem-disposta e o pai menos sisudo do que o costume. Havia vinho no jantar, o que só acontecia aos domingos ou quando havia algo a comemorar.
Tomando o copo de vinho entre os dedos, Clóvis não conteve a curiosidade:
- O que estamos comemorando?
- Nada - disse Norma. - Estamos alegres, só isso.
- Haverá algum motivo especial?
- Vera e Marcelinho fizeram as pazes - disse Dagoberto satisfeito.
- Ele conseguiu? Pensei que ela fosse mais dura - tornou Clóvis.
- Você sempre pensa errado. Sua irmã é uma mulher sensata. Depois, ele se arrependeu, pediu perdão, e ela resolveu dar mais uma chance.
Clóvis sacudiu a cabeça negativamente.
- Sei que não vai adiantar. Ele facilita muito.
- Não faça mau juízo do seu cunhado. Ele errou, desculpou-se e disse que nunca mais fará outra. Por que não dar-lhe outra oportunidade?
- Não faço mau juízo de ninguém, mãe. Só que conheço a Vera. Sei que ela é inteligente e de opinião.  Se ele fizer outra, acabou o casamento. E o que me preocupa é pensar que ele vai aprontar. Ele não consegue se controlar. Quando vê uma mulher atraente, não se contém. É só isso. Aliás é a natureza dele. Sempre foi assim. Não vai mudar agora.
- Você gosta de criticar os outros. É melhor não se meter nesse assunto.
Juliana, que comia em silêncio, disse.
- Clóvis tem razão. Eles são muito diferentes e quanto mais se conhecerem intimamente, mais depressa vão se separar. Eles não vão viver juntos. É fatal. Vera vai precisar do apoio de todos.
Clóvis olhou assustando para Juliana. Conhecia aquele modo de falar e percebeu que Norma olhara preocupada para o marido que franzira o cenho, observando Juliana.
- Ela sempre teve todo o nosso apoio - disse ele sério. - Não sei por que você está dizendo isso. Como pode saber?
Aliás você nunca foi de se meter nesses assuntos.
Juliana continuou comendo em silêncio, e Clóvis tratou logo de mudar de assunto com receio de que Dora falasse alguma coisa mais ou até aludisse ao que ocorrera com ele. Claro que era ela. Juliana nunca diria nada daquilo. Sentiu-se inquieto, por causa do seu próprio problema.
- Não se preocupe - disse Juliana, olhando para Clóvis. - Eu só falo quando posso ajudar. Quando tudo está consumado, nada há para fazer.
Clóvis empalideceu. Ela sabia. A alusão fora clara e sem meias palavras.
- Vamos falar só de coisas alegres - sugeriu Norma, pretendendo ignorar a mudança de Juliana.
- Isso - considerou Dagoberto, olhando fixamente para a filha que continuava comendo calmamente. - Vamos falar de coisas alegres. Estamos comemorando um dia feliz. Hoje tudo está bem e eu quero aproveitar esse momento de paz.
- Tem razão, papai - concordou Clóvis que já recuperara a presença de espírito.
Terminando o jantar, cada um foi para o quarto e, na sala, tomando o café, Dagoberto comentou com Norma:
- Juliana às vezes fica diferente.
- Foi o que eu disse. Ela muda. Fala palavras estranhas sobre coisas que vão acontecer. O que será isso?
- Penso que nada grave. O Bueno me disse que acontece muito na adolescência. A personalidade está se formando e, por isso, a fantasia fica muito viva. Eles ficam experimentando papéis, para assumir. Não tem muita importância. É preciso ignorar, não pôr em evidência para não fixar. Nessa idade, há o perigo dela assumir duas personalidades, o que não será nada bom. Ele garante que tudo isso passará com o tempo. Ele fez vários testes com ela e disse que ela é muito inteligente e viva. Nada há que nos possa preocupar.
Norma ficou calada por alguns minutos, depois disse:
- Só uma coisa me intriga.
- O quê?
- É que ela, quando fica assim, assume essa personalidade, ou essa fantasia, sempre diz coisas que acabam acontecendo. Como pode ser isso?
Dagoberto sacudiu a cabeça negativamente:
- São coincidências. Ninguém pode saber o futuro. Não acredito nisso. Ela disse algumas coisas que acontecem, e daí? Isso não quer dizer que ela sabia o futuro e que tudo quanto ela diz vai acontecer.
- Ela preveniu a Vera que o marido ia dar problema.
- Espero que você agora não fique impressionada pelas besteiras que ela disse hoje ao jantar.
- De fato. Quando ela assume aquele ar e fala sério, fico arrepiada. Não sei o que é.
- Fica preocupada, o que é diferente. Não se deixe impressionar com isso. É coisa sem importância.
- Você tem razão. Estou me preocupando à toa.
-Por certo. O importante é que Vera ouviu a voz da razão e resolveu perdoar o marido. Ela foi dura e eu acho até bom. Assim ele fica com medo e entra nos eixos. E tudo será como antes.
- Ainda bem. Uma filha separada! O que iriam dizer nossos amigos?
- Ninguém tem nada com nossa vida.
- Mas eu não gosto que critiquem nossos filhos. Vera é uma moça honesta. Logo estariam inventando histórias com relação a ela.
- O povo gosta de falar mal. Em todo caso, agora não temos mais nenhum motivo de preocupação. Podemos estar em paz.
Clóvis, em seu quarto, estendido no leito, não conseguia conciliar o sono. No escuro, olhos abertos, sentia-se inquieto.
- Estou nervoso - pensou. - Foi a tensão de hoje. Por que tinha que ser assim? Que mundo era esse que os forçara a uma atitude tão drástica?
Ele amava Estela. Gostaria de ter se casado com ela. Mas não tinha nenhuma autonomia para assumir essa atitude. Sentia vergonha dos pais, sempre tão equilibrados. Sem falar nos país de Estela. O que lhes diria?
Remexeu-se no leito inquieto.
Fora melhor assim. Ele não devia sentir-se culpado. Não fora ele quem inventara essa sociedade cheia de preconceitos e regras. O que eles haviam feito fora apenas resguardar-se da maldade dos outros. Eles eram jovens e se amavam. Um dia se casariam e teriam todos os filhos que quisessem, tudo dentro das regras e das convivências. Por mais que se sentisse triste, reconhecia que fora melhor assim. Pelo menos estavam livres dos comentários maldosos, e as aparências estavam resguardadas. Não era isso que sua mãe vivia repetindo? Não era com o que os outros poderiam dizer que ela sempre se preocupava? Ninguém sabia. Ninguém poderia dizer nada. Essa era a regra da sociedade, portanto, eles haviam cumprido o estabelecido. Só se casariam dentro das convenções e dos costumes, com as bênçãos das duas famílias.
Mas por mais que tentasse desculpar-se, Clóvis sentia profunda tristeza no coração e só muito tarde foi que finalmente conseguiu adormecer.

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Pelas Portas do Coração - COMPLETO - ZIBIA GASPARETTOOnde histórias criam vida. Descubra agora