Juliana acordou bem-disposta e vendo o sol que entrava pelas frestas da cortina, levantou-se e abriu a janela, afastou a cortina, respirando gostosamente a brisa agradável e perfumada do peque no jardim em frente.
Fazia dois meses que Pauli a conduzira para lá. A pequena mas confortável casa estava em um vale, em meio às montanhas, um pouco afastada de Campos do Jordão. Juliana se apaixonara pelo local à primeira vista. A paisagem era belíssima, e a casa parecia tirada de um conto de fadas. A propriedade era rodeada de lindo jardim, e a moradia dos caseiros parecia tirada de um cartão postal.
Paulo apresentou os caseiros, recomendando que eles cuidassem bem de Juliana. Eles, que não haviam tido filhos, logo se apegaram a ela, tratando-a com delicadeza e afeto.
Deixando-os lá, ele voltara a São Paulo, para estar a par de como a situação evoluiria. Durante os primeiros dias, não se comunicou com Clóvis, mas quando ele voltou ao bar costumeiro, puderam encontrar-se e Paulo, a pretexto de mostrar-lhe um novo carro, o convidou para dar uma volta e assim pudessem conversar.
Clóvis quis saber todos os detalhes, e Paulo descreveu o local dizendo-lhe que Juliana estava muito bem.
- Em casa as coisas vão mal. Estou com pena dos velhos. Meu pai nem consegue trabalhar direito. Às vezes penso que estou sendo muito cruel com eles - disse Clóvis num desabafo.
- É verdade. Infelizmente, foi para evitar um mal maior.
- E agora? Até quando ela ficará lá?
- Não sei. Por mim, pode ficar o quando quiser. Vamos ver o que Dora decide.
- Meu pai não não se conforma. Contratou um detetive particular. A polícia não deu muita importância ao caso, e ele está pagando uma pessoa para investigar. Todo cuidado é pouco. Já pensou se ele descobre a verdade? Eu é que vou pagar caro.
- Não podemos facilitar. Mas conto com a ajuda de Deus. Precisamos confiar que tudo vai dar certo.
- É. Dora nunca falhou, pelo menos até agora.
- Como faremos para nós comunicar?
- Você pode me telefonar.
- Não. O telefone pode estar sendo intercepitado. É perigoso. O melhor mesmo é deixar ao acaso.
- Se ela precisar de alguma coisa, me avise. Infelizmente não tenho dinheiro.
- Não se preocupe com isso. Eu tenho dinheiro para tudo. Nós poderíamos usar uma senha para dizer que está tudo bem.
- E outra quando houver algum perigo.
- É. A frase "Fui muito bem na prova" é sinal que tudo vai bem. " Fui mal na prova" significa que há algum perigo. Combinado?
- Combinado. Quinta-feira é o aniversário dela. Se for até lá, diga-lhe que mandei um abraço.
- Pode deixar. Irei e farei o que você faria se pudesse.
Os dois se despediram-se, e Paulo, realmente no dia do aniversário de Juliana, foi até lá, levando alguns presentes, tendo encomendado um jantar especial aos caseiros. Os quatro comemorarmos a data, cercando Juliana de atenções e carinho.
A certa altura, Paulo disse:
- É a primeira vez que você passa essa data longe dos seus. Gostaria que as coisas fossem diferentes.
- Eu também. Mas eles são como são. Eu gosto deles mesmo assim. Um dia ainda descobrirão o quanto estavam enganados. Nesse dia, teremos condições de voltar a conviver.
- Você é muito compreensiva. Clóvis estava com pena deles. Estão sofrendo muito com a situação, preocupados, sem saber como e onde você está.
Juliana suspirou e respondeu:
- Nós tentamos evitar o que aconteceu. Inclusive, Dora fez várias tentativas para demonstrar a verdade. Minha mãe talvez se convencesse, mas papai é radical. Por mais que tentássemos provar os fenômenos da mediunidade, ele se recusa a admitir. Não consegue ainda perceber algo que para nós é tão simples e evidente. Não admite a existência da comunicação com os espíritos. Se ele estudasse o assunto, poderia melhorar muito seu nível de atendimento profissional.
- É verdade. E seria bom para você. Teria apoio para desenvolver seu trabalho. Dora já lhe falou a respeito?
- Um pouco. O que sei é que há muitas pessoas maduras para dar um passo à frente, bastando apenas um toque para que se tornem mais conscientes. Eu vim para dar esse toque. Escolhi essa tarefa, porque adoro ver as pessoas conquistarem sua liberdade. Durante séculos, fomos tolhidos por preconceitos, regra é idéias que nos aprisionam no sofrimento, fazendo-nos acreditar que não existe outro caminho para o progresso. Isso é mentira. Nós fomos criados para a luz e dentro de cada um de nós, há a essência divina que tudo sabe e pode. O sofrimento é ilusão, vai acabar. Eu sou livre. Embora dentro dos limites deste corpo e do mundo, ninguém vai impedir-me de fazer o que quero. Dora pensa como eu.
Os olhos de Juliana brilhavam, e em seu rosto havia uma expressão de felicidade que Paulo observava comovido.
- Também penso assim. Tenho procurado me libertar dos preconceitos e notado como isso é difícil, principalmente dentro das normas de educação da nossa sociedade, onde os valores estão totalmente investidos. A prova disso é a confusão e a infelicidade que anda pelo mundo.
- Se essas regras estivessem adequadas, tudo estaria correndo muito bem.
- Mas sua mediunidade é de cura, não de esclarecer as pessoas.
- É uma maneira rápida de desenvolver mais fé. Para curar, Deus não precisaria de mim nem de Dora. Mas quando há uma cura, as pessoas experienciam a presença do espiritual. A partir daí, mudam suas crenças e suas formas de viver.
- A sabedoria dos amigos espirituais.
- Sempre aproveitando para distribuir benefícios.
- Você é tão jovem!
Juliana sorriu:
- Meu corpo é jovem. O seu também. Qual será nossa idade espiritual? Quantos caminhos teremos percorridos até aqui?
- Só Deus sabe. Nem sempre é bom recordar o passado.
- Tem razão. Bom mesmo é ir para frente.
- O que pensa fazer, isto é, vai estudar, ou o quê?
- Ainda não sei. Gosto de estudar, mas não sei como vai ser minha vida daqui para frente.
- Pode ser que seus pais entendam sua missão é você volte para casa.
- É. Conhecendo meu pai, acho difícil. Preciso pensar o que fazer sem eles. Posso trabalhar para me manter. É uma forma de ser independente. Agora, preciso esperar. Dora pediu que não fizesse nada ainda é que me avisaria quando chegasse a hora.
- Aqui você pode ficar quanto tempo desejar.
- Sou muito grata por tudo quanto tem feito.
- Eu também sou grato pela oportunidade de fazer alguma coisa. Dora tem me ajudado muito. Tive muitos problemas com minha família por causa da minha mediunidade. Sou sonâmbulo e me levantava durante a noite, fazia predições. Às vezes, saía do corpo de repente e minha família pensava que eu sofresse de ataques, embora os sintomas fossem muito diferentes. Passei a adolescência indo a médicos, tomando remédios e só me libertei quando uma noite, assustado porque meu pai desejava me internar em um hospital para alguns exames muito complicados, rezei muito e pedi ajuda de Deus. Sai do corpo e fui levado a um local onde conheci Dora. Ela me explicou muitas coisas que aconteciam comigo e garantiu que iria me ajudar. Disse-me para recusar fazer os exames e ficar firme. Foi o que fiz.
- Quantos anos você tinha?
- Dezesseis. Meu pai resolveu esperar algum tempo. E instruído por Dora, procurei fazer minha independência. Comecei por monitora os professores no colégio e, quando ingressei na universidade, dava aulas particulares. Com isso, juntei alguns dinheiro. Meus pais têm posses, mas eu queria ser independente. Aos dezenove anos, saí de casa, fui morar sozinho. A princípio, meus pais se chocaram. Depois, acabaram por aceitar. Meu pai me ofereceu sociedade em uma das suas empresas, e eu aceitei. Hoje temos ótimo relacionamento.
- Ele desistiu dos exames médicos?
- Nunca mais falou nisso. Depois que conheci Dora, aprendi a equilibrar a mediunidade. Agora, tudo é diferente. Tenho freqüentado um grupo de amigos que entende do assunto e juntos estudamos muito. É lá que Dora comparece de vez em quando. Costuma enviar pessoas que precisam de esclarecimento para que nós estudemos juntos.
- Quando puder, gostaria de conhecê-los e estudar também.
- Certamente. Embora eu pense que você já teria condições de nos ensinar.
A partir desse dia, Paulo viajava para lá todos os fins de semana. Chegava cheio de pacotes, era sempre uma festa.
Animada, Juliana tomou um banho, vestiu-se e depois do café saiu para andar um pouco. Ela gostava de caminhar por entre as árvores que guarneciam a estreita estrada que dava acesso ao riacho, onde além do murmúrio das águas deslizando por entre as pedras, havia nas margens a beleza das flores e o canto alegre dos pássaros.
Lá chegando, sentou-se sob a copa de uma frondosa árvore, fitando com e enlevo a beleza da paisagem. Contemplar a natureza dava-lhe paz. Encostando a cabeça no tronco da árvore, adormeceu.
Admirada, Juliana viu seu próprio corpo adormecido e percebeu que havia saído do corpo. Sentia deliciosa sensação de leveza. Olhou ao redor e a paisagem havia se modificado. As cores e tamanhos diferentes e havia mais brilho em todas as coisas. O dia tornara-se muito mais claro e as sensações mais aguçadas.
Alegre, notou que Dora acabava de chegar. Abracaram-se com prazer.
- Que alegria poder abracá-la! - disse Juliana.
- Sinto-me contente por vê-la tão bem. Você está vencendo as dificuldades.
- Até agora não fiz nada. Até quando deverei ficar aqui?
- Você precisava desse tempo para se fortalecer e sentir como viveria longe da família.
- Às vezes sinto saudades. Mas, sei que só acontece o melhor. Foi preciso fazer o que fiz. Paulo tem se revelado um excelente amigo.
- Vim aqui hoje, por que as coisas vão mudar. Eu gostaria que você entendesse que há fatos que não dependem de nós e que não podemos evitar. Por isso, continue confiando e não tenha medo. Estamos sempre aí seu lado.
Elas continuaram conversando mais algum tempo, e Juliana acordou, ainda ouvindo Dora dizer:
- Estamos sempre a seu lado.
Ainda semiconciente, olhou ao redor, procurando por Dora, mas não a viu mais. Tentou recordar-se de tudo quanto haviam conversado, mas só se lembrava da primeira e da última frase. " Vim aqui hoje porque as coisas vão mudar." O que estaria para acontecer? Sentiu um pouco de medo. " Estaremos sempre ao seu lado", ela dissera. Não havia nenhuma razão para temer. Levantou-se e voltou para casa.
Passara das onze quando Clóvis entrou em casa e surpreendido ouviu vozes na sala. Seu pai conversava com alguém , e ele tentou escutar o que diziam.
- De quem é a casa? - dizia Dagoberto.
- De um tal Dr. Paulo de Queiroz Gouveia. O senhor conhece?
Clóvis empalideceu. Teriam descoberto o esconderijo de Juliana?
- Não. Tem certeza do que afirma?
- Tenho. Ele frequenta o mesmo bar que os estudantes da faculdade de seu filho. Aliás, já os vi juntos algumas vezes.
- Então o Clóvis está mesmo metido nisso!
- Isso eu não sei. Tenho seguido seu filho e nunca vi nada. Ele sai com a namorada, com o Cláudio e mais alguns outros, mas nunca vi nada suspeito.
- O que o fez suspeitar desse tal Dr. Paulo?
- Eu não suspeitei dele. Fiz amizades com as colegas de Juliana e uma delas me disse que julgava tê-la visto com um moço, passeando em Campos de Jordão. Com jeito, pedi e ela me apontou o Dr. Paulo, e eu descobri que ele tem por lá uma casa de campo, onde vai todos os fins de semana. Resolvi investigar e o seguinte. Eu estava certo. Sua filha está lá. Eu os vi juntos, passeando pelos campos. Vim para que o senhor tome as providências e os surpreenda.
Clóvis não quis ouvir mais. Procurando não fazer ruído, saiu novamente. Nem tirou o carro da garagem para não chamar a atenção. Procurou o Cláudio e foi logo dizendo aflito:
- Juliana foi descoberta! O detetive está lá em casa e conseguiu saber onde ela está. Pretende ir até lá e surpreendê-la.
- Seu pai vai trazê-la de volta e interná-la?
- Com certeza. O pior é que nem pude tirar meu carro para não despertar a atenção dele. Tenho que ir avisar o Paulo.
Os dois saíram apressados, e Paulo os recebeu surpreendido. Clóvis contou-lhe o que acontecera, e ele perguntou:
- Acha que seu pai irá imediatamente ou deixará para amanhã?
- Não sei. Impaciente como está, acho que irá imediatamente.
- Nesse caso não temos tempo a perder. Vou telefonar para o João e pedir-lhe que levem Juliana para outro local.
- Para onde irá?
- Daremos um jeito. Vou telefonar já.
Paulo apanhou o telefone e conversou com o caseiro explicando o que estava acontecendo.
- Fique tranqüilo, Dr. Paulo, nós cuidaremos de tudo. Vou levar Juliana agora mesmo para a casa de alguns amigos meus. Quando chegarem, não haverá ninguém aqui.
- Tem certeza de que quer fazer isso? Não posso enganá-lo. Ele é o pai e tem todo o direito de nos processar, se assim entender. Se não quer se envolver, eu compreendo.
- E deixar a pobre menina ser internada em um hospital? Isso, não. Se me acontecer alguma coisa, o doutor vai me defender, não é mesmo?
- Isso é. Mas eu também estou na enrascada.
- Eu levo ela agora para mesmo para a casa do Não do. São gente boa e vão cuidar dela direitinho.
- Faça isso. Diga a eles que os recompensarei por tudo quanto fizeram por ela.
Quando ele desligou, Clóvis estava preocupado.
- Acho que não vai adiantar. Ele vai conseguir descobrir, e vocês vão estar metidos em um processo. Sei que meu pai não vai deixar isso sendo punição. Sem falar do que pode me acontecer quando ele souber que fui eu quem comecei tudo.
- Ele não precisa saber que foi você! Vou assumir isso sozinho.
- Não é justo. Fico-lhe grato por tudo quanto tem feito, mas a culpa é minha. Eu fui procurá-lo e lhe pedi ajuda. Não posso permitir que faça isso.
- Eu quero fazer. Estou nesse assunto tanto quanto Juliana. Faço isso por Dora, pela nossa causa. Confio nela. Tenho certeza de que não nos deixará sem socorro. Onde está sua fé?
- Isso mesmo - concordo Cláudio. - Dora sabe o que faz. Se seu pai descobrir que foi você, vai pagar caro por isso.
- É verdade. Deixe comigo. Ele nada poderá contra mim. Vou tirá-lo fora desse caso. Espero que não estrague tudo.
Clóvis coçou a cabeça pensativo:
- Não sei se ele vai acreditar.
- Se você não contar, e eu negar, ele terá que aceitar.
- Você é um verdadeiro amigo! - disse Clóvis com olhos brilhantes de emoção. - Nunca esquecerei o que tem feito por nós.
- Não se preocupe com isso. Temos coisas mais importantes a fazer. Volte para casa e proceda como se não soubesse de nada. Quando puder, vá a um telefone público para dar notícias. Não ligue de sua casa.
- Pode ligar da minha. Todos lá adoram Juliana e nunca dirão uma palavra.
- Faça isso.
- E você, o que pretende fazer?
- Vou pensar em uma solução.
- Temo que não aja nenhuma e, no final, ele acabe por interná-la.
- Isso não vai acontecer. Vou pensar. Estou certo de que encontrarei um meio de evitar isso.
Clóvis meneou a cabeça desalentado:
- Não vê que é impossível? Todas as leis estão ao lado dele.
- O que são as leis dos homens diante do poder de Deus?
- Paulo está certo - disse Cláudio. - Pode contar comigo. Se precisar de alguma coisa, é só dizer.
Eles se despediram, e Cláudio deixou o amigo em casa. Clóvis observou que o carro do pai ainda se encontrava na garagem. Entrou e tudo estava às escuras. No quarto dos pais, as luzes estavam apagadas. Teria ele deixado a viagem para o dia seguinte? Foi para o quarto. Sentia-se angustiado. Estariam fazendo bem? Não iriam prejudicar Juliana retardando a volta dela para casa?
À medida que o tempo passava, percebia que Dagoberto mais se preocupava com o estado de saúde de Juliana, acreditando que ele houvesse se agravado e só um tratamento especializado a poderia curar. E se ele estivesse com a razão?
Queria dormir, mas não conseguia. Pretendia acordar cedo no dia seguinte para saber o que estava acontecendo. Estava ali para viajar e era o mínimo que podia fazer para ajudar. Chegava a arrepender-se de haver se metido naquela situação. Mas, agora, não tinha outro remédio senão ir até o fim.NÃO SE ESQUEÇAM DE VOTAR...
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Pelas Portas do Coração - COMPLETO - ZIBIA GASPARETTO
EspiritualA maioria de nós está repleto de modelos sociais de felicidade. Todos queremos ser certos e adequados. E, assim, nos obrigamos a agir contra os impulsos de nossa verdadeira natureza. Pensando fazer o melhor, acabamos por nos conduzir ao vale do de...