Capítulo 23

5.1K 642 306
                                    

- Mamãe! Mamãe! - Théo me gritava.

- Oi, filho?

Tirei meus olhos da TV para poder olhá-lo brincando de quebra-cabeça no tapete.

- Como a Ekena apareceu?

Eu e Zack nos olhamos e depois olhamos para ele. Depois nos olhamos de novo. Não tem o que inventar. A não ser...

- A cegonha. Conhece? - Zack se apressou em dizer. Théo fez que não com a cabeça. - É um bicho aí. Ela é branca, e tem um bico enorme. É ela quem traz os bebês pra nossa casa.

- Mas então por que você buscou a Ekena no hospital?

- É porque a Carla, nossa cegonha, é muito preguiçosa. Ela quis que a gente buscasse você lá também - eu disse.

- Ah... Mas elas trazem a gente de onde?

Cacete. Que criança é essa, meu Deus. Da onde ele tira essas perguntas?

- Isso a gente não é permitido de te contar. Só depois dos 10 anos - Zack respondeu. - Quando você virar mocinho.

- Ah... Sabe... Ontem a Ekena falou comigo.

Ekena tem 7 meses. Bem que minha mãe disse que o filho mais velho dá umas piradas.

Olhei para Zack, para poder fazer aquela cara de "Rá, nosso filho tá doidão", mas percebi que ele só prestava atenção em uma coisa: a parte desnuda da minha perna. Hmmmmm, a mamãe aqui ainda tá com tudo!

- Que legal, filho. E ela falou o que com você? - perguntei.

- Ah... Ah... Só... Ah... É que ela odeia a gente. Então... Joga ela.

- Jogar ela onde?

- No caminhão do moço do bom dia.

Os "moços do bom dia" são os homens dos caminhões de lixo. Toda manhã Théo sai correndo para ver o caminhão e fica dando bom dia para eles.

Espera. Ele chamou minha filha de lixo?

Eu não sabia se dava uma bronca nele ou se prestava atenção nas investidas de Zack para irmos para a cama logo... As investidas me deixariam mais feliz.

- Théo, vamos pra cama!

- Ainda tá sol.

- É que hoje Deus tá estudando lá em cima, então a luminária dele vai ficar acesa a noite toda.

***

Acordei com um choro de bebê. Olhei meu celular e eram 2:17. Hmmm, delícia. Zack também acordou e nós ficamos nos encarando.

- E aí? Quem vai? - perguntei. - Você né? Ah, querido, que gentileza.

Ele me encarou, mas logo se deu por vencido. Certeza que viu as bolsas embaixo dos meu olhos. Olho de mãe é assim, galera, cansado, triste, quase desistindo... Mas como é bom mostrar que eu - ainda - não desisti de mim mesma, eu passo aquela base, aquele corretivo pra sair na rua.

Como Ekena é bem cronometrada, eu sei que quando ela acorda das 2 às 3, é porque a fralda precisa ser trocada. Das 3 às 4, ela está com fome. Das 4 às 5 é graça, porque essa filha da puta não mama, tá com a fralda mais limpa que minha carteira e fica o tempo todo com aquela cara de "É isso aí, sua trouxa, me balança mais, tenta me fazer parar de chorar, vai, sua ridícula".

A Mulher dos Olhos BicoloresOnde histórias criam vida. Descubra agora