Capítulo 26

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Acordei com um pé na minha cara. Meu primeiro pensamento foi que não teria como ser o meu próprio, visto que eu possuo duas lanchas e também porque ser flexível não é uma de minhas características. Deveria ser os do Théo. Pés infantis são tão gracinha, pequeninos.

Tentei me levantar, porém senti uma forte pontada na cabeça e a deitei novamente no travesseiro. Ok, minha guerreira, vamos tentar de novo, você consegue. A segunda tentativa foi um sucesso, e até houve um gritinho em algum lugar do quarto. Olhei pra baixo e descobri que havia pisado na cara de Zack.

- O que está fazendo no chão? - perguntei.

- Olha, é uma boa pergunta. Bom dia.

- Bom dia. Eu acho que bebi demais ontem.

Cutuquei Ekena e Théo para acordarem também. Ela em menos de um minuto começou a pular na cama e ele só se enrolou no cobertor e voltou a dormir.

- Hoje tem docinho! Hoje tem docinho! - Ekena gritava, em êxtase.

Ela se referia aos possíveis docinhos que haveriam na festa da April. Pensa numa criança que gosta de um doce de festa.

- Sim, hoje é o aniversário da tia April. Não esqueça de dar parabéns a ela. E você vai estar toda bonita no seu vestido...

- Quero usar agora.

- Não, filha, é só a noite.

- Agora.

- Ekena, eu disse que não.

Ela se sentou na cama e começou a chorar e gritar. Zack, que ainda estava no chão, se levantou na hora e ficou encarando-a.

- Deixa ela usar, amor - ele me disse.

- Zack, eu só trouxe um vestido de festa para ela. Se sujar, não terá outro!

- Ah mas a minha bebezinha vai tomar todo o cuidado, não vai filha?

Ele a pegou no colo e ela assentiu com a cabeça devagar, olhando fixamente pra mim com aquele olhar de "eu gosto do meu pai, de você não".

- Se ela sujar, você vai limpar com a língua, Zack.

Descemos para o café da manhã e eu logo avistei a mesa farta de comida. Théo e Ekena naturalmente optaram por panquecas com calda de chocolate, e eu comecei a orar para que o chocolate caísse só na boca dela. Dona Tereza começou a cantar uma música infantil para animar Ekena e ela começou a bater palmas no ritmo, até que esbarrou no prato de panquecas, que virou todo em seu vestido. Primeiramente agradeci pelo prato ser de plástico, e então olhei a situação da roupa. Ela me olhou com uma cara de "Foi mal, mamãe", eu olhei pro vestido como "Foi mal, vestido" e o vestido olhou pra Zack dizendo "Foi mal, provedor do dinheiro".

- Desculpa, mamãe.

Eu a deixei de calcinha no meio de todo mundo e saí correndo para lavar. Fiz de tudo, porém parecia que as manchas só aumentavam. Na etiqueta dizia que o vestido deveria ser lavado a mão, por conta do tecido. Que porra. E pra piorar, na porta só dava pra ver a cabeça de um marido arrependido.

- E aí? - Ele deu um sorriso falso. - Conseguiu?

- Eu estou com cara de que consegui?

- Não. Tá com cara de quem vai me matar... Coloca na máquina.

- Não posso, tá escrito que é para ser lavado a mão.

- Ah isso aí é frescura, Ariel. Eles colocam isso para você mandar pra lavanderia, e gastar dinheiro. É puro capitalismo.

Ele jogou o vestido junto com um monte de produtos e ligou a máquina. Ficamos os dois encarando ela rodar, aflitos. Perdi até a fome. Quando acabou, tirei ele da máquina e o tecido estava cheio de bolinha.

- Parabéns, ficou uma bosta.

- Podemos comprar outro.

E lá vamos nós quatro no shopping procurar um vestido para Ekena. O grande problema de ir no shopping com Théo é que ele nunca quer ir embora de mãos vazias, ele sempre precisa de um brinquedo novo.

E Théo pôs em prática a famosa lei que ele mesmo criou: exceto em aniversários, todas as vezes que der presente para Ekena, tem que dar para ele também. Um vestido pra Ekena rendeu um bom Lego de castelo para ele.

O que eu mais odeio em dar Legos para ele é que ele não brinca, só observa. Eu e Zack passamos a tarde inteira montando aquela desgraça para no fim Théo olhar, colocar a mão na cintura e assentir com a cabeça, orgulhoso de seu novo brinquedo, porque é isso que ele sempre faz. Ele vê, se orgulha de ter não sei quantos Legos, vê mais um pouco, faz inveja em alguém e esquece do troço pro resto da vida. Fica montado em uma das prateleiras do quarto dele.

- Eu nunca mais vou comprar um brinquedo sequer pra ele.

- Você sabe que vai, Zack.

- Não vou. Agora se fizer birra vai levar um tapa na bunda.

- Você não consegue bater nem em uma mosca.

- Mas ninguém consegue, moscas são muito rápidas!

Ficamos vendo um pouco de TV na sala só para distrair, já que perdemos o controle de nossos filhos e não temos a menor ideia de onde estão.

- Ariel, querida, vamos sair em meia hora, se arrume!

- Sair pra onde?

- Oras, para o salão! Marquei cabelo e maquiagem para você. Já leve a roupa que irá vestir, por favor.

Meu Deus, vou ter que deixar Zack arrumando as crianças sozinho. Meu Deus isso não vai dar certo. Agradeço a intenção da minha sogra, pois eu me maquiando fico igual o palhaço Pennywise, porém não tem como.

- Zack, avisa pra sua mãe que não vai dar não.

- Por que?

- Oras, tenho que arrumar as crianças. Não posso te deixar sozinho com aqueles dois. Não duvido que eles te amarrem e enfiem uma mordaça na sua boca.

- Amor, vai dar tudo certo. E aliás, eu que pedi para minha mãe marcar horário. Quero que você seja a mais linda da festa... Depois da minha irmã, porque senão ela te bate.

*** Zack ***

Assim que Ariel saiu com minha mãe, eu fui procurar minhas miniaturas.

- THÉÉÉÉO, EKEEEEEENA. Onde esses infernos se enfiaram?

Procurei a casa inteira e fui encontrá-los destruindo o castelo que eu e Ariel demoramos tanto para construir. Os movimentos eram minuciosamente planejados, retiravam um tijolinho por vez com uma cara um tanto quanto demoníaca.

- O que estão fazendo?

- Destruindo o meu castelo pra você montar de novo, pai - Théo disse.

- Ah, tudo bem.

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⏰ Última atualização: Feb 10, 2019 ⏰

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A Mulher dos Olhos BicoloresOnde histórias criam vida. Descubra agora