A Mulher dos Olhos Bicolores

Capítulo 19

Eu estava com o teste de gravidez na mão, indicando que um novo serzinho iria sair de mim. Uhull! Mas logo veio a preocupação... Théo está com dois anos recém-completados. Será que ele vai entender que ganhará um irmãozinho ou irmãzinha? Ele tem um quarto de brinquedos, e esse passará a ser o quarto do bebê. Puta merda. A criança vai surtar.

Desta vez, o segundo a saber será Zack - porque a primeira fui eu, chora. Na gravidez de Théo, quem soube depois de mim foi Chad, e só depois Zack soube; e eu percebi que ele ficou chateado por isso. Então, assim que ele chegar do trabalho, eu contarei.

Théo estava assistindo a um desenho nada educativo, onde vários animais morriam. Vários mesmo. Nota mental: nunca deixe seu marido escolher os filmes que seu filho de dois anos vai assistir. A hora em que um cachorro foi atropelado, eu desliguei a TV.

- Alassa, mamãe. - Ele apontou pra TV.

- Alasca, filho - o corrigi. - E não, não era ela. A Alasca está dormindo no quintal.

Ele saiu correndo para o quintal e eu fui atrás. Quando cheguei lá, encontrei Théo em cima dela, enquanto a coitada dormia. Caralho, essa cachorra tá dormindo desde manhã! Cheguei perto deles e acabei percebendo que ela não se mexia. Théo estava se jogando em cima, pisando nas patas dela, e ela não fazia nada! Se fosse outro dia ela já teria abocanhado a cabeça dele. Espera. Por que ela não está fazendo nada? Tentei prestar atenção na respiração dela, mas quem disse que havia respiração? Jesus, essa cachorra não pode morrer agora. Agora não. Daqui a alguns meses, ou anos, talvez, mas agora não.

Mandei Théo voltar para dentro de casa. Quando ele entrou, eu comecei a balançá-la.

- Alasca, por favor. Não, Alasca. Você não pode ter morrido. - Comecei a chorar. - Cara, não! Acorda aí, me assusta, diz que é pegadinha do malandro! POXA, Alasca! Você não pode morrer não! O Théo ama você. Eu amo você. Eu falo mais "eu te amo" para você do que pro Zack! Ele também te ama, apesar de ser alérgico a cachorros. Viu? Ele não te mandou embora. E você do nada resolve que não quer ficar mais com a gente? Você não está doente, vai no veterinário tomar banho quase toda semana! Ele diria se algo tivesse errado, não é?

- Ariel? - A cabeça de Bob apareceu por entre os arbustos que separam minha casa da dele. - Você está bem?

- Ah, oi Bob. Tô. Tô bem sim. - Sequei algumas lágrimas. - É. É só um imprevisto aqui. Eu e a Alasca estamos brincando de vivo ou morto, sabe? - Dei um sorriso amarelo.

- Meu cachorro nem senta quando eu mando, e a sua finge de morta!

- É, ela finge. Ela finge de morta.

- Bom, desculpe atrapalha-la, é só que eu vi você aí conversando e chorando e... Poderia me emprestar três ovos? Minha mãe quer fazer um bolo, mas está faltando o tal do ovo.

- Ah, claro Bob, só um minuto. Fica quietinha aí, Alasca. Não se mexe, hein? Boa menina. - Fui lá na cozinha, peguei uma vasilha e coloquei quatro ovos. - Aqui. Tem um a mais caso algum quebre, ou sei lá.

- Olha, a Alasca ainda está ali. Ela é bem obediente! - Nesse momento, eu não aguentei e desabei. - Ela não está fingindo... não é? - Neguei com a cabeça, chorando ainda mais. - Ó céus! Mande o Théo para cá, pra você sei lá, ligar pra alguém vir buscar ela ou...

- Obrigada, mas vou esperar Zack chegar.

- Bom, mesmo assim, está convidada para o chá da tarde. Daqui a uma meia hora, mais ou menos.

- Ok, Bob, muito obrigada pelo convite.

Ok, ok... Vamos reorganizar os pensamentos, né? Primeiro: tô grávida, legal. Segundo: minha cachorra morreu, não-legal. Terceiro: terei que contar esses dois fatos a meu marido e, pior!, a meu filho de dois anos... Super não-legal. Quanto tempo um corpo demora pra começar a se decompor? Tomara que demore bastante, porque ainda são quatro horas e Zack só volta às sete. Ah, não, hoje tem reunião, ele volta às oito.

É, Deus, adorei seu senso de humor, viu? Dá a mim uma criança, mas tira de mim a minha cachorra. Obrigada mesmo!

Deixei Théo na casa de Bob, mas não fiquei. A mãe dele, uma senhora super legal e simpática, deixou que Théo dormisse lá hoje, pois a filha de Bob estava lá e os dois poderiam brincar. Fiquei muito triste e nem fui mais no quintal. Quando Zack chegou, eu estava deitada no sofá, na pura bad.

- Amor? - Ergui um braço para mostrar onde estava. - Ah, aí está você. Boa noite. - Ele me deu um selinho. - O que foi?

- Senta, precisamos conversar. - Ele se sentou e ficou me encarando. - Eu tenho duas notícias: uma boa e uma ruim. Qual quer primeiro?

- A boa? - ele disse, meio em dúvida.

- Você vai ser papai de novo.

- Sério? Nossa! Uau! Meu Deus, amor! Que felicidade! - Ele me abraçou, mas logo percebeu que eu não estava feliz. - O que foi? O que é a notícia ruim?

- Alasca morreu.

- Puta que pariu. Tem certeza? Ela pode estar só dormindo, sei lá.

- Tenho.

E recomecei a chorar. Zack ficou abraçado comigo por um tempo, dizendo para eu pensar no futuro agora, que a nossa família estava crescendo, e que animais morrem mesmo, é a vida. Não, Zack, não é a vida.

- Vamos enterra-la agora? Porque logo o Théo vai voltar.

- Ok. Vai lá abrindo um buraco no quintal, que eu vou no banheiro.

Eu me arrumei como se fosse pra uma festa. Passei maquiagem, coloquei um vestido preto chique e saltos altos também. Desci e fui até o quintal.

- Ué, por que tá toda lindona?

- A ALASCA MERECE. ME DEIXA.

- Tá bom, desculpa. Ahhhhham, quer dizer alguma coisa à Alasca?

- Seja feliz lá no céu dos cachorros, Alasca. E meu avô tem um cachorro que tá lá no céu, é o Enéias. Ele é um dálmata. Bonitinho. Vê se encontra ele lá e fala que eu tô com saudade.

Depois do infeliz enterro de Alasca, nós dois voltamos para dentro. Fomos pra cama sem jantar.

- Eu sei que você está triste, e eu também estou, mas pense pelo lado bom: teremos mais um filho. A gente queria tanto isso, não é?

- É. Como vamos contar ao Théo?

- Não conta, ué. Se ele te chamar de gorda, você manda ele tomar no cu. Aí quando o bebê chegar, a gente fala que é um cachorro.

- Nossa, Zack, você sempre resolve tudo - eu disse ironicamente.