Depois daquele longo dia, eu cheguei em casa e liguei o computador como de costume, assim que o desconhecido (que antigamente era o meu pai) viu que eu estava lá em casa, ele foi fazer o que ele sabia de melhor me encher a paciência. Eu juro pra vocês que eu realmente acho que algo na cabeça dele dizia "Ela tá em casa, tranquila, por que não ir gritar com ela do nada?"
Eu fingi que não tinha nada quando ele entrou no quarto, continuei agindo como se ele nem tivesse ali. Ele entrou, ficou me olhando esperando que eu falasse alguma coisa e eu continuei quieta mexendo no computador. Ele chegou perto do computador e arrancou o fio da tomada, aquilo foi o meu limite.
"- Qual o teu problema? - Gritei enquanto levantava para encarar ele olho no olho – Você não tá vendo que eu estava ocupada no computador?"
"- Poxa que pena, mas é que você quer muito ser independente e eu estou de ajudando tirando de você o computador que EU comprei." Ele fez questão de frizar esse 'eu'
"- Você é louco, mas sabe eu não preciso das coisas que você me dá, eu sei me virar sozinha. Quer meu celular também?" ironizei
"- Quero sim, por favor."
O que além de me tirar o computador, ele vai tirar meu celular também? O que é a próxima coisa que ele vai me tirar? A vida?
Eu sai do quarto batendo a porta, fui direto falar com a minha mãe o que estava acontecendo. Meu pai estava ficando maluco, ao ponto de tirar tudo o que eu tinha, daqui a pouco eu teria que andar na rua sem roupa porque ele iria tirar elas também. Minha mãe disse que iria conversar com ele e que iria tudo se concertar. Voltei para o meu quarto, que agora só tinha uma cama e o armário. "Ufa, pelo menos as roupas ele deixou" pensei.
Desci para ver com a rosa qual produto de limpeza era bom pra encerar o chão já que o chão do meu quarto precisava de um brilho e escutei alguns gritos. Fui seguindo os barulhos até perceber que o barulho vinha da sala de estar. Fui devagarzinho até lá, cheguei da porta e fiquei observando. Era meus pais, meu pai tava segurando os braços da minha mãe com força e gritando, eu conseguia ver as lágrimas saindo dos olhos dela e ele chacoalhando, gritando. Ela implorava pra que ele falasse mais baixo pra que eu não escutasse. Eu não sabia o que fazer, eu amava a minha mãe mais que tudo e não aguentava ver aquilo. Eu subi pro meu quarto, chorando porque eu não aguentava ver o rosto da minha mãe sem aquele lindo sorriso o qual eu puxei. Eu não tinha nascido pra ver minha mãe sofrer daquela maneira. Eu não sabia se agradecia a Deus pela Gi estar na escola ou se chorava por estar tudo indo uma merda. Fiquei dentro do meu quarto até que os barulhos se cessassem.
Em menos de dez minutos depois, minha mãe foi ao meu quarto de casaco e com o rosto ainda inchado. Eu queria que ela me contasse, eu não queria falar que eu vi. Perguntei se ela tava bem e ela me respondeu que estava, ai eu perguntei porque ela estava de casaco já que estavamos no verão, mais uma vez eu não soube a verdade pela boca dela porque ela disse que estava no vento e acabou sentindo frio. Tudo bem, deixei o papo rolar. Ela me disse que tinha conversado com meu pai mas que ele não iria devolver minhas coisas, e foi ai que eu percebi que todos aqueles gritos eram por minha causa. Eu abracei a minha mãe e disse:
"- Tudo bem mãe, me desculpa de verdade, eu te amo."
Ela perguntou porque eu estava pedindo perdão e eu menti, menti porque eu não queria que ela soubesse que eu tinha visto tudo aquilo e muito menos que eu sabia que aquilo era por minha causa.
Passou mais ou menos duas semanas, quando eu sai para uma entrevista de emprego, minha mãe já sabia de tudo, dos curriculos e que eu iria morar com a Diana. Assim que voltei da entrevista, eu ouvi mais uma vez aquele homem gritar, mas dessa vez eu não fiquei quieta. Fui até aonde os gritos vinham, cheguei na cozinha e vi o desconhecido levantando a mão pra dar um soco na minha mãe. Eu gritei "TIRA AS MÃOS DELA", corri pra frente dela e falei:
"- BATE EM MIM – e ele continuou com a mão parada – VAI BATE AQUI EM MIM."
Minha mãe disse baixinho pra mim: "- Camila, deixa filha. Eu me viro com ele."
Eu ainda nervosa e na frente dela gritei mais uma vez: "- BATE EM MIM. – porém ele nada fez – SABE POR QUE VOCÊ NÃO BATE EM MIM? PORQUE VOCÊ SABE QUE EU VOU DAR QUEIXA NA POLICIA. VOCÊ SABE QUE O QUE VOCÊ TA FAZENDO DÁ CADEIA, E SÓ FAZ ISSO PORQUE A MINHA MÃE NÃO FAZ NADA. MAS EU FAÇO, BATE EM MIM!"
Ele abaixou a mão e saiu, minha mãe me olhou de uma maneira que nunca tinha me olhado antes, era uma mistura de agradecimento com raiva. Eu sabia que ela estava aliviada por eu ter tirado ela daquela mas ao mesmo tempo ela estava me odiando por eu ter entrado na frente dela ao ponto de apanhar. Com tudo o que ela estava sentindo, ela olhou no fundo dos meus olhos em silêncio e saiu da cozinha, eu sabia que aquilo foi um obrigada, discreto, envergonhado e meio raivoso, mas foi um agradecimento. Eu fiquei quieta sobre o que aconteceu, não falei sobre aquela briga mais com a minha mãe e nunca falei sobre isso com a minha irmã.
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A vida de Camila
General FictionCamila é uma mulher que passou por poucas e boas durante toda a sua vida, com pais preconceituosos e conservadores, ela necessita passar pelas fases da sua adolescência com ainda mais coragem e força.