Capítulo 3

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Laura parou de tocar e encarou ao longe aquele rosto bonito. Ela já não estava mais com raiva. Embora não pudesse ver com muita clareza aqueles olhos distantes, lembrou-se da dor que viu neles e sentiu pena dele, sentiu compaixão. 

Carlos esperava que ela viesse como uma fera para cima dele pela maneira como ela o havia xingado mais cedo. Mas surpreendeu-se.

- É muito bonito esse som, não é mesmo?

- Você toca há muito tempo?

- Desde os 12 anos. Não é muito tempo, mas estudo muito para tentar desenvolver o mais rápido possível. 

- Não é um instrumento muito comum. A maioria das pessoas preferiria tocar violão ou guitarra. 

- E qual seria a graça disso? Quer dizer, se a maioria já faz musica com violão e guitarra, eu seria apenas mais uma. 

- E quantos anos você tem? 

- 16. E você não parece muito mais velho que eu. 

- Tenho 17. 

Carlos se perguntou qual seria o problema em ser mais uma. O que era conhecido, era confortável e seguro. Jamais imaginara o quão corajosa Laura era. Incomum era o seu sobrenome. Mas descobriu isso com o tempo.

Depois daquele dia aprenderam a compartilhar segredos sendo ambos pegos completamente de surpresa com a facilidade que tinham em ser transparente um com o outro. Ela imaginou-se diversas vezes encontrando um velho amigo. E ele sentia-se a vontade ao lado dela como se estivesse conversando com sua mãe. Ela ouviu com atenção como o pai dele havia se livrado da casa em que moravam para apagar a história que sua mãe deixara. Soube e entendeu como ele repudiava a nova relação do pai e só enfim compreendeu a dor daqueles olhos. 

Laura compartilhou com ele como sentia-se sufocada pelo pai, falou sobre o que sabia a respeito da mãe e Carlos viu em suas palavras como ela desejava ser parecida com aquela mulher que nem havia conhecido. 

A jovem não passava mais tanto tempo na loja de ferragens do pai e aproveitava sua ausência para visitar Carlos, caminhar com ele pelas ruas do bairro ou apenas tomavam uma boa xícara de café sentados na grama baixa de seu quintal ao pé da mangueira frondosa. Ele conheceu seus diversos animais de estimação. Ela tinha porcos da índia em seu quarto, cinco cachorros em seu quintal, um gato e um cercado com 6 galinhas e 1 galo. Definitivamente aquela jovem não era normal. 

Carlos morreu de medo ao segurar pela primeira vez uma galinha. Tentou agarrar pelas asas o mais parecido como Laura fizera, mas a galinha debateu-se em sua mão e ele achou estar machucando-a e não conseguiu mantê-la por muito tempo. Mas jamais esperaria que aquela bala de penas fosse bicar-lhe as canelas. Assim, fez a única coisa que podia, correu. Correu como um louco por todo o cercado até que finalmente percebeu que bastava passar pela portinha e estaria a salvo. Laura não lembrava da ultima vez em que havia rido tanto. Definitivamente ele era um homem da cidade. 

Para ela tudo parecia infinitamente comum. Seu pai sempre foi um homem muito rural e  como sua casa era muito afastada do centro da cidade, para ela, ter galinhas no quintal não tinha problema algum. Ele nunca havia visto uma galinha antes!

Sofia foi a primeira a mencioná-los como um casal. 

- Ah meu Deus! Você finalmente está namorando!

- O que? Não! Não! Definitivamente não! 

- Vocês já transaram?

Todo o refrigerante que estava em sua boca foi jogado para frente em jato e Laura se entalou e não conseguia parar de tossir. 

- Ah meu Deus! Vocês transaram! 

- Não! 

Gritou o mais alto que pode, mas a tosse fez com que sua voz não passasse de um sussurro.

- Você está querendo me matar! Não. Nós não somos namorados. Bom Deus, você é louca. 

- Mas você gosta dele. 

- Já me arrependi de ter lhe pedido esse favor. 

- Ta bom... Não fique tão nervosinha, senhora solteira. Eu realmente quero ajudar. Meu pai vai vomitar um arco-íris quando souber que você finalmente achou o amor da sua vida. 

- Ah cala a boca!

Laura riu espontaneamente desta vez enquanto jogava o travesseiro na direção da prima atingindo-a perfeitamente. 

A primeira vez foi muito difícil para Laura controlar o nervosismo ao levar Carlos para a casa de sua prima. Seu pai jamais permitiria que Laura tivesse um relacionamento e ela queria muito passar aquela tarde como rapaz. Não tinha nenhum motivo especial. Para ela passar a tarde com ele naquela casa vazia assistindo filmes e comendo besteira parecia o encontro perfeito. Descuidadamente ela contava a ele coisas sem importância como o fato de que dormia com seu telefone embaixo de seu travesseiro para senti-lo vibrar e acordar no horário certo de ir a escola. 

Carlos não poderia estar mais encantado. No dia anterior passava pela loja de ferragens do pai dela e vira a própria empilhando toras de madeira com um trator. Com certeza estava apaixonado. Ela era inusitada, espontânea e livre. Tudo o que ele jamais seria. Ansiava desesperadamente ser contaminado pela determinação de Laura. Seu amor por ela surgiu pela completa admiração. Laura conseguia ser natural e feminina ao mesmo tempo. Fazia coisas masculinas com tanta habilidade e leveza que parecia normal a uma mulher dirigir um trator ou tocar saxofone. Ela sempre o surpreendia.

Nas manhãs seguintes Carlos se determinava a ficar acordado até pelo menos uma hora da madrugada, pois sabia que este horário com certeza Laura já estaria dormindo, então ele mandava mensagens de texto com poesias ou pensamentos intelectuais para que ele fosse a primeira pessoa em quem ela pensasse ao acordar. A primeira coisa que ela fazia era pegar o telefone para desligar o despertador, era quando ela lia suas mensagens. 

Para Laura foi a coisa mais normal do mundo se acostumar a receber as mensagens de Carlos pela manha. Ela acabou por compilar suas favoritas:


"Mas ser planta, ser rosa, nau vistosa

De que importa, se aguarda sem defesa

Penha a nau, ferro a planta, tarde a rosa?"  


"Eu queria ter na vida simplesmente um lugar de mato verde pra plantar e pra colher. Ter uma casinha branca de varanda com um quintal e uma janela para ver o sol nascer" Não sei porquê me lembrei de você....


Carlos faziam com que ela se sentisse amada e tudo o que ele queria era ser amado também. Mas ele tinha tanto medo de não ser correspondido que enterrou os sentimentos dentro de si e destinou-se a manter aquela amizade confortável e ser grato por ter dela pelo menos o tempo que passavam juntos. Ele convenceu-se de que aquilo era o suficiente e que não valeria a pena arriscar mais se poderia acabar afastando-a completamente de sua vida. 





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