Capítulo 7

39 4 2
                                    

Ricardo havia sido batido por um jovem embriagado. Com o impacto acabou por bater fortemente a cabeça contra o vidro da janela de seu carro, por isso ficou desacordado enquanto era trazido para o hospital. Laura ouviu atentamente a médica de seu pai explicar que o desmaio era normal e havia sido causado pelo choque, mas que de acordo com os exames de seu pai  não havia nenhuma fratura e que ele poderia ir para casa no dia seguinte. A sua permanência no hospital aquela noite era o procedimento padrão para casos de colisão, um traumatismo craniano não poderia ser descartado tão facilmente. 

O alívio de saber que seu pai estava bem permitiu que Laura recobrasse sua postura. Carlos ficou cerca de uma hora no quarto de Ricardo e ela preferiu ir comer alguma coisa. Já havia passado da hora do almoço e seu estomago protestava audivelmente. Mas mesmo que não tivesse uma motivação, não iria querer ficar perto de Carlos novamente. 

Seu corpo estava incontrolavelmente reagindo ao abraço e o amparo dele naquela manhã e suas barreiras começavam a balançar. Laura odiava sentir-se assim ou admitir que ainda era fraca diante aquele homem, mas era uma mulher agora. Amadurecera e reconhecia suas fraquezas para não subestimá-las e por fim vencê-las. 

"Londres! Londres... Londres, concentre-se na sua vida em Londres". 

Laura ficou repetindo seu mantra em sua mente. Desejou que seu noivo estivesse ali para poder esfregar na cara de todos que tinha tudo o que uma mulher poderia desejar. Era impossível não ser feliz diante a vida que tinha! Por que sentia falta dele? Quem é Carlos se comparado a Thomas? Não é ninguém! 

Quando Laura não conseguiu mais enrolar no seu almoço resolveu voltar ao quarto de seu pai e se Carlos ainda estivesse lá iria dizer que sairia e voltaria mais tarde. Porém, quando ela estava chegando ao quarto, ainda no corredor viu Carlos saindo do quarto. 

Ela iria passar direto e entrar no quarto de seu pai, mas Carlos segurou-lhe o braço obrigando-a a olhá-lo. 

- Ele sempre parece bem, mas não está. Hospitais o lembram de sua mãe. Avisei Júlio e Sofia a respeito de tudo que aconteceu. Eles devem chegar por aqui a qualquer momento. Mas é de você que ele precisa. Não o deixe. Tente largar o seu precioso casamento, só até amanhã! 

- Quem você pensa que é para falar comigo assim? Você acha o que? Acha que eu o deixaria? Ele é meu pai, não seu! 

- Você o deixou por 16 anos! 

- Até parece que ele passou por isso várias vezes durante esse tempo! 

Carlos não respondeu, apenas olhou bem no fundo dos olhos dela e esperou que ela percebesse seu equívoco. Doeu-lhe a alma vê-la cair em si. Carlos quis abracá-la, quis confortá-la e dizer que ainda dava tempo de estar presente na vida de seu amado pai, mas não seria verdade. Ela estava indo embora e no fundo era só para tentar mantê-la perto de si que falou-lhe tudo o aquilo. Carlos sentia-se um monstro, mas seu orgulho o impedia de desculpar-se, manteve a pose altiva. 

- O que aconteceu com ele? Por que ele nunca me ligou? Eu estava longe, mas eu viria ficar com ele. Você sabe que eu viria, ele sabe. 

- Você sempre deixou claro demais o quanto a sua vida é perfeita. Ninguém gostaria de tirá-la do seu mundinho cor de rosa e dos braços de seu príncipe encantado. 

Não houveram mais palavras, apenas Carlos dando-lhe as costas. A guerra estava mais do que travada e esta batalha Laura havia perdido. Ela entrou ressentida no quarto de seu pai e foi direto ao assunto.

- O que aconteceu papai?

- Bateram em mim! Ainda não entendeu? Ele estava bêbado. 

- O que aconteceu nesses 16 anos? Porque todos sabem que não é a primeira vez que você está aqui e eu sabe Deus porquê só descobri isso agora! 

- Filha, eu... eu não queria incomodá-la... 

- Não queria me incomodar? Sabe como me sinto agora? Me sinto uma péssima filha! Você sempre teve uma saúde de ferro... O que está acontecendo? Eu não posso te perder, você não pode me deixar! 

- Eu... eu, não sei... Não quero ir pra Londres, mas me sinto só e perdi sua mãe, perdi você... e...

- Você não me perdeu. Eu cresci, só isso. Tenho uma vida distante daqui porque não me vejo mais nesse lugar, mas... Eu amo você. Você me ensinou a dirigir, me ensinou a jogar bilhar, a pescar, a resistir a toda e qualquer dificuldade, como eu poderia viver sem você?

- Você já está vivendo... 

- Isso não é justo! Eu vou me casar! Vou criar uma família, quero dar-lhe netos! 

Neste momento as lágrimas escorreram incontrolavelmente pelo rosto de Laura, o assunto ainda doía-lhe infinitamente. O buraco em seu peito chegava latejar. Abraçou-se a seu pai que lhe abriu os braços... 

- Me prometa... 

- Eu prometo... Estarei aqui enquanto você precisar, eu prometo. 

Júlio e Sofia chegaram quando ainda estavam abraçados, mas as lágrimas de Laura já haviam cessado e ambos já estavam bem mais calmos nos braços um do outro. Passaram o fim de tarde conversando e rindo das hilárias histórias de amor de Júlio. Laura insistiu que Sofia e Júlio fossem para casa, ela passaria a noite com seu pai. 

Ricardo sabia que sua filha deveria estar exausta, afinal passara o dia todo naquele hospital. Não estava nem perto de sentir sono, mas fechou os olhos e fingiu dormir para que ela se sentisse a vontade para também fazê-lo. Mas a verdade é que o plano saiu melhor do que o planejado. 

Ricardo reconheceu o barulho da porta sendo aberta ainda que tentassem abri-la devagar, obrigou-se a manter os olhos fechados e reconheceu a voz de Carlos num sussurro. 

- Como ele está?

- Está bem. Não apresentou nenhum sintoma alarmante. Apenas uma dor de cabeça permanente o que segundo a médica é mais do que normal depois da pancada na cabeça. 

- Fico feliz. Passei somente para ver como ele estava. Como ele já dormiu é melhor eu ir. Me informarei na recepção a respeito do horário da alta dele amanhã. Venho buscá-los. 

- Escuta... Eu não concordo com essa proximidade de vocês, mas juntamente com o que você me disse mais cedo, serviu para que eu percebesse que estou falhando com ele. Isso vai mudar. Obrigada pelo choque de realidade. 

- Ele é um pai pra mim. O pai que eu nunca tive. Não vejo como as coisas podem mudar, mas não custa nada tentar não é?... Pelo menos esteja presente enquanto está aqui. 

- Eu estarei... 

- A propósito, parabéns pelo noivado... 

Laura riu.

- Não quer felicitar-me... 

- Não. Definitivamente não o quero. 

Carlos riu também e relaxou diante do sorriso dela. Aproximou-se e colocou-lhe uma mecha de cabelo rebelde atrás de sua orelha. 

- Ainda tens o mais bonito dos sorrisos. Eu morreria mil vezes para vê-lo com mais frequência.

"Baixou a guarda... Baixou a  guarda... Burra, Burra, burra!" Repetiu diversas vezes para si enquanto virava e afastava-se dele caminhando até a cama de seu pai. 

- Obrigada por tudo Carlos. 

Carlos irritou-se profundamente com a resistência dela e deixou-se atacá-la em troca. 

- Não o fiz por você e sim por Ricardo. Amanhã venho buscá-lo. 

Dito isso virou-se e saiu sem olhar para trás. Laura permaneceu ao lado da cama de seu pai e agradeceu por ele estar dormindo profundamente. 


O Tempo que estive aquiOnde histórias criam vida. Descubra agora