Capítulo 18

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Carlos sempre fora assim, um defensor incontrolável. Laura previa algo semelhante à segunda guerra mundial aproximando-se de sua casa. Era tanto o que pensar. Primeiro: alguém a estava perseguindo. Segundo: essa mesma pessoa ou várias pessoas haviam matado o seu bebê e o bebê de sua mãe e precisava descobrir quem e por quê. Terceiro: Carlos não era culpado definitivamente, mas Laura não sabia se ainda poderia de alguma forma ficar com ele e agora estava comprometida com um homem que achou e talvez ainda achasse amar. Quarto: Thomas e Carlos se matariam mais cedo ou mais tarde.

Laura continuou a carregar e acumular todo aquele misto de sofrimento e confusão. Não pensou que mentir para si mesma e convencer-se de que não sentia nada só iria agravar os seus problemas emocionais.

Era apenas início do dia e Laura não podia ficar ali sem fazer nada, como Thomas havia informado no café da manhã, havia um casamento a ser preparado. Arrumou-se o mais adequadamente que pode. Ela observou através do espelho na frente de seu guarda-roupa, estava elegante e ao mesmo tempo casual. Um vestido levemente estampado de florido, próprio para ser usado durante o dia. Calçou-se de um tênis branco neutro para sentir-se confortável ao bater perna através das lojas de presentes de casamento.

Pensou nos "empresários" que deveriam comparecer ao seu casamento e sentiu-se desanimada. Estava se casando, mas parecia que apenas organizava uma festa de negócios. No fundo sentia-se barata e pouco valorizada. Ao fim do pensamento mentiu para si mesma que apenas estava cansada. Desceu as escadas da maneira mais ensaiada que poderia. Thomas já a estava esperando enquanto falava ao telefone na sala. Pelo que Laura ouviu ele estava confirmando seu almoço de negócios.

Ao desligar o telefone Thomas virou-se e estendeu seu braço a ela. A raiva ainda era visível em seu olhar, porém Laura concluiu que ele se continha e sentiu-se aliviada pela possibilidade de não lutar aquela guerra. Ricardo passou pela sala apenas a tempo de despedir-se dos dois. Thomas dirigiu até o hotel onde parte de sua família já estava hospedada. A sogra de Laura surgiu pelo portão principal e assim o silêncio foi substituído pelo cronograma do dia que sua sogra recitava agora no banco de trás.

Thomas estacionou na primeira loja e assim começaram a missão "lista de presentes". Ao entrar na loja Laura percebeu que não se divertiria nem um pouco ali. Era uma loja de decoração que não tinha absolutamente nada que fosse realmente adequado para sua cozinha ou sua casa de recém-casada.

***

Carlos dirigia seu carro imprudentemente pela avenida do turismo aproximando-se do aeroporto da cidade. Sua mente estava sobrecarregada pela raiva, no fundo sabia que Thomas tinha razão. A verdade é que Carlos estava muito próximo de perder Laura definitivamente. Já havia perdido tanto, pensou. O marcador de velocidade chegou a 80 Km/h. Sentia-se tão impotente, concluiu. 100 Km/h. Thomas nem mesmo poderia entender a profundidade da dor que Laura carregava dentro da alma, argumentou. 120 Km/h.

Entrou rasgando na curva do cruzamento que levava à estrada do aeroporto. Pisou no freio instintivamente e por aqueles segundos nada passou pela sua mente. A maioria das pessoas, talvez pela cultura literária, acredita que em momentos de vida ou morte as pessoas de alguma forma conseguem reviver vários ou talvez todos os momentos de sua vida como em um flashback. Mas a verdade é que ele não pensou em nada.

O carro continuou deslizando pela pista molhada pela relva contínua caindo das árvores. Carlos viu o carro que vinha em sua direção tentar frear também. Ao menos conseguiu ouvir os pneus cantando. O susto, porém deu lugar ao instinto e Carlos tirou o pé do freio pisando com toda força que pode no acelerador enquanto passava a marcha. Por pouco não conseguiu passar antes que o carro o atingisse. O carro que vinha em sua direção atingiu bem a traseira do imponente Honda Cívic e Carlos viu-se girando na pista enquanto o carro que lhe atingira continuou ainda por uns metros a frente.

Ele agarrou-se ao volante e fechou os olhos para não ver o rodopio sabendo que poderia ser atingido novamente por outro carro.

NEGRO...

Estava escuro. Queria ver alguma coisa, mas tudo estava só escuridão. Seus olhos pareciam pesar toneladas. Teu abri-los, mas suas pálpebras nem se mexeram. Ouviu muitas vozes ao seu redor. Lutou novamente para abrir os olhos e dessa vez pôde ver uma linha fina de luz.

Seu corpo estava agarrado ao banco e suas mãos e braços agora caiam pelo lado do seu corpo por cima de suas coxas. Carlos sentiu o corpo dolorido e apesar de ter seus olhos abertos sua visão retornou gradativamente enquanto ele focava e passava a escutar pessoas gritando "Ele acordou, ele acordou". Ouviu alguém chamar-lhe, outro perguntou-lhe quais sintomas tinha, o motorista com quem havia colidido gritava que ele era o culpado pelo acidente.

Seu carro por pouco não capotou, mas foi batendo no acostamento e no poste de energia enquanto girava pela pista. Era possível confirmar tudo pelos amaçados nas laterais do que fora um belo Honda Civic. Carlos estivera girando dentro do carro sem o cinto de segurança, então não era de se estranhar que a pancada na cabeça o tenha mantido desacordado por alguns minutos.

***

Do bando traseiro do taxi que havia pego Carlos relembrou dos momentos em que recobrara a consciência depois do acidente que havia sofrido. Estava tão descontrolado que acabou batendo seu carro e colocando em risco a vida de outra pessoa também. Não cometeria mais erros assim. Imaginou sua querida amiga Lúcia dando-lhe broncas como muitas vezes fizera, mas a verdade é que nunca fizera algo parecido com isso antes. Mas afinal em que estivera pensando? Censurou-se. Carlos permaneceu naquele jogo de argumentação consigo mesmo até que afirmou em meio a sussurros que não morreria antes de resolver toda a situação em que se metera.

Apanhou o seu aparelho celular do bolso de seu terno e selecionou sua secretária na discagem rápida. Foi atendido ao segundo toque. – Vou enviar uma foto com a conta de uma pessoa. Peço que transfira agora duzentos reais. De início essa quantia deve ser suficiente para compensar qualquer transtorno. Salve também o telefone dele. Eu acabei de bater o carro dele e vou bancar todo o concerto. Peço que acompanhe as despesas do concerto. Até a razoabilidade seja bem generosa com esse senhor, realmente fui o responsável pela situação, mas se houver algum abuso pode passar o caso para o setor jurídico.

Carlos certificou-se de ter dado todas as instruções necessárias e desligou o telefone. Pacheco havia telefonado enquanto Carlos ainda recobrava a consciência.

Pacheco relatou ter localizado e marcado um encontro com o antigo namorado da mãe de Laura. O provável pai da criança que ela abortara. Foi assim que Carlos recusou-se a receber qualquer tratamento hospitalar. Chamou o guincho para rebocar seu carro que nem tentara dirigir após o acidente e seguira de taxi até sua casa onde trocou de terno e fez um curativo razoável em sua testa cortada. Quanto aos outros ferimentos visíveis em seu rosto, não havia muito que fazer, teria que andar com eles.

Agora estava a caminho de um restaurante no centro da cidade que havia sido escolhido pelo homem com quem iria se encontrar. Pacheco também confirmara estar a caminho e agora Carlos estava ávido por informação. O que aquele homem poderia revelar? Por que estivera afastado até o momento? Como fora o término da relação dele com a Senhora Silva?

O Tempo que estive aquiOnde histórias criam vida. Descubra agora