Capítulo 31

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"Junho, Terça Feira — 1987

Ela tem cinco anos agora. É tão linda, tão perfeita e inteligente. Me lembra muito o pai dela. Aliás... Quase a metade dela me lembra ele, literalmente.

A partir de seus dois anos de idade, a doença começou a progredir. Antes estava só em seu braço e pescoço, agora está em sua perna e tronco, também indo para o rosto, por isso, comprei uma máscara de couro para ela ir se acostumando. Eu a amo e não permitiria que ela se sentisse um monstro, pois não é!

Ah, filha... Se você pudesse entender que nada é o que parece. Se eu pudesse falar para você sem que te machuque eu o faria, certamente o faria.

Christine, meu precioso bebê. Minha pequena bonequinha de porcelana, lembre que eu amo você, não importa o que aconteça daqui pra frente..."


Era a primeira coisa que Christine havia lido e que havia sido escrito por sua mãe depois de tanto tempo. Escorreram lágrimas por seu rosto, lembrando que sua mãe sempre a chamava de "Bonequinha de Porcelana" por conta de sua pele clarinha e sem mancha alguma nos lugares em que não haviam deformações.

Tinha aberto o diário em uma página qualquer e tinha se deparado de primeira com aquilo. Era como se sentisse um abraço apertado e aconchegante de sua falecida mãe mais uma vez, como se Brietta ainda estivesse viva, pois conseguia ouvir sua voz melodiosa enquanto lia.

Ela estava no carro, seguindo caminho para casa. Lion, que estava dirigindo para que ela pudesse ler, parecia um tanto preocupado com Christine. Ele não sabia o que ela tinha lido, porém notou a lágrima em seu rosto. A olhou e segurou sua mão com carinho. Agora, buscou abrir na primeira página do diário, começando a ler mais uma vez, percebendo que sua mãe tinha posto naquela página algumas coisas extremamente complicadas.


"Janeiro de 1981, 23

Hoje eu fui na casa de Diogo. O chamei para ir ao baile comigo. Nunca escutei ele mais feliz. Hoje também é a primeira vez que escrevo aqui.

Estou aguardando ansiosa pelo dia do baile, quero vê-lo em um terno e dançar com ele a música lenta. Abraça-lo e, quem sabe... Ele me beije.

Não é coisa de moça jovem como eu desejar um beijo. Não... Deveria estar pensando em vestidos ou coisas assim... Mas não há um dia sequer que eu não imagine ele me beijando, me despindo, me jogando na cama e tocando meu corpo inteiro. Eu deveria ter esses anseios com alguém que nem me ama?

Talvez não. Não sei. Só gostaria que acontecesse..."


A mascarada olhou para Lion. Será que era seu pai o homem a quem Brietta estava se referindo? Era desconfortável imaginar sua mãe tendo esses desejos, principalmente depois de uma vida inteira vendo-a evitar homens por perto.

— Ela era apaixonada por um homem. — Comentou por alto — Não entendi se estava se referindo ao meu pai ou... Qualquer outro. — Pausou sua fala, voltando para a página — Era na década de 80 e essas coisas aconteciam afinal.

— Talvez fosse algum namoradinho de infância. — Lionnel respondeu, olhando para ela rapidamente antes de voltar a encarar o trânsito, que não estava muito forte naquela parte da estrada — Acontecia...

— Não. Ela já tinha 18 anos... — Seu cenho pensativo não mudou muito depois da questão levantada por ela mesma — Minha mãe não fazia o estilo de pessoa que teria mais de um homem em sua vida. Tenho certeza.

— Bom... Talvez seja seu pai, então. — Parando no sinal vermelho, Lion soltou o volante e virou-se levemente para a mulher mascarada, tocando sua mão — Com quantos anos ela teve você?

— Dezenove. Eu acho. — Olhou a folha do diário que tinha lido e passou a mão ali, como se estivesse acariciando os cabelos de sua própria mãe.

— Então já sabemos que sua mãe estava falando do seu pai, não é? — Lion sabia que Christine estava mais confusa do que nunca e talvez isso até piorasse, então estava tentando ser carinhoso.

— Isso foi um ótimo consolo. — Ela sorriu e agradeceu — Obrigada.

— Mais alguma coisa? — O carro voltou a andar, pois o sinal havia ficado verde, sendo assim, Lion voltou a olhar para frente, sempre dando uma olhadela pelos retrovisores. Estava com um anseio de estar sendo seguido pelo homem estranho da mansão.

— Na primeira página que eu li — buscou a página — ela escreveu algo sobre eu ter uma doença... — Hesitou e suspirou profundamente — Só que não menciona nada além disso. — Parecia derrotada, porém continuou — Apesar de comentar também que estava progredindo. Parece que começou em meu pescoço... — Sua voz foi morrendo até se tornar um sussurro — Agora está em todo o meu lado direito.

— Você não parece doente. — O mais velho sorriu-lhe — Só ter um estilo alternativo.

— Parece que é algo de família, que eu quero esconder desde que me entendo por gente, pensava que Deus havia me amaldiçoado. — Pareceu entristecer-se. Talvez se sentisse traida por não saber nada sobre sua própria condição — Ela nunca me disse, Lion...

Ele estacionou o carro na frente da casa dela e a olhou com um misto de sentimentos. Tocou sua mão e, sem mais delongas, beijou-a na testa como um sinal de afinco. A morena finalmente apontou a entrada da garagem após um sorriso e ele guiou o carro. Após desligar o veículo, segurou a mão dela e a olhou mais uma vez. Ele a achava linda de qualquer forma.

— Doença ou não... — hesitou — graças a ela eu conheci você e estou começando a gostar de tudo isso — A olhou e sorriu, sem graça.

Christine encarou Lion e tocou seu rosto com a mão enluvada. Havia um leve cheiro de mofo em suas luvas, talvez por mexer em móveis que não viam um pano com álcool há meses, até mesmo anos. Sorriu levemente. Saíram do carro em seguida e foram para dentro da casa de Christine juntos, de mãos dadas.

Naquela mesma noite, Christine começou a sentir uma dor muito forte em seu braço. Parecia que estavam quebrando-o com uma marreta. Quando foi ver o que tinha acontecido, notou que o que tinha acontecido era que sua pele começou a cair, rasgar-se. Percebeu que dava para ver as veias brancas e vermelhas que ficavam sob sua pele. Ali começava a se formar nova parte de sua marca aberrante. Suspirou, sentindo uma lágrima se formando.

— Por que está fazendo isso comigo? Já não senti dor o bastante? — Falou para si mesma, em frente ao espelho.

Havia acabado de sair de um banho merecido e buscava uma roupa que fosse confortável para trajar naquela noite que havia procedido um dia extremamente estressante. Olhava para si mesma no espelho do banheiro e via sua cara, estava destruída de um lado e desolada do outro.

Lion estava parado na porta, vendo aquilo. Tinha subido para perguntar a ela se queria comer algo, se podia cozinhar algo ou pediriam comida. Não soube reagir ao que viu, sentindo um calafrio em sua espinha, estava com um pouco de medo, mas não conseguiu afastar-se.

Christine o viu pelo reflexo do espelho e virou, puxando a toalha para cima de si e encobrindo-se o tanto que conseguia, cobrindo seu próprio rosto com suas mãos. Havia se esquecido que Lion estava ainda em sua casa e, por viver sozinha, não tinha o costume de trancar a porta do banheiro.

Christine - Ela É A Fera [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora