Capítulo 40

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(Atualmente)

Voltando a sua rotina de "trabalho, casa e trabalho", Christine estava começando a imaginar como seria sua vida caso não usasse máscara, como tudo teria sido diferente se ela não tivesse medo de se mostrar. Em uma loucura, decidiu até mesmo tentar. Sequer pôs o pé pra fora de casa. Não abriu nem a porta, para ser mais exata.

Era loucura pensar que isso poderia vir a acontecer algum dia, deveria continuar se escondendo, deveria continuar vivendo com medo. O mínimo de reação que deveria esperar era uma tentativa de assassinato, ou quem sabe o desmaio de mulheres, talvez gritos desesperados de crianças.

Na quinta feira, como era de costume, ela estava dando aula para as classes adultas, aguardou Kaique durante quatro horas e nada do rapaz. Ficara preocupada. Soube no mesmo dia que o tal tinha saído da escola de música, tinha desistido de tentar.

Christine ficou se perguntando por que ele, que amava a música, faria algo do gênero? Pois bem... Aceitou. Não podia fazer mais nada a não ser ligar ou mandar mensagens. Ele não respondia mensagens e o celular caía na caixa postal o tempo inteiro. Christine sabia que talvez estivesse em maus lençóis, todavia não podia caçá-lo por aí como louca, não como ele havia feito mais de um ano atrás.

Aliás... Aquela era uma noite especial e não queria se preocupar com nada e nem ninguém. Assim que chegou na loja de McGuire, uma hora mais cedo que o combinado, ligou para Lionnel, para saber como ele estava e como estavam seus gatinhos. Ela estava com saudade dos quatro seres que lhe tomaram a atenção durante quase um ano.

— Até mais, amor... Ligo amanhã. Estou ocupadíssima agora! — Christine desligou o celular e olhou o velho vir com uma caixa de madeira, trazia sua nova máscara.

— Aqui está, senhorita Christine! — Sorrindo, mostrava o que tinha feito — Vê se lhe agrada...

— O seu trabalho é excepcionalmente incrível, senhor McGuire. — Afirmou Christine, segurando a caixa com sua nova velha máscara de porcelana. Sua preferida.

— Eu preciso falar com você, senhorita. — O velho tomou o braço de Christine, convidando-a para a parte destinada aos funcionários, o local de trabalho do mesmo. Apontou um banco para que ela se sentasse.

— Diga... — Achando estranho, somente o seguiu e se sentou, aguardando o que viria — O que houve? — Passou a mão pelos cabelos, continuando a olhar McGuire — Algo errado com a máscara?

— Não, não com a máscara. — Ele também se sentou em um banco, porém o puxou para ficar cara a cara com a moça — Com você! — Apontou para ela.

— Eu?! — Surpresa, inclinou-se para frente com os olhos abertos.

— Querida, há vinte anos sua mãe veio aqui me encomendar uma máscara especial para dar de presente a você em seus quinze anos. — Moveu os braços, tirando lentamente os óculos de leitura e coçando os mesmos com o dedão e o indicador — Estava orgulhosa e extremamente feliz por você, com você! Nunca a vi tão cheia de alegria como naquele dia... — Voltou a colocar os óculos, vidrando seu olhar na moça — Como bem sabe, conheço sua mãe desde o dia que ela te trouxe para tirar medidas para a sua primeira máscara...

— É verdade. — Com um pouco de receio, não desgrudou os olhos — Mas, o que isso tem a ver com o agora?

— Pois bem... — Hesitou — Existem fatos sobre aquele dia que não contei para ninguém durante esses vinte anos, mas... — Calou-se, suspirando e buscando as palavras certas — Segredos não são guardados para sempre, minha querida... — Foi a vez do velho de se inclinar e segurar a mão de Christine — E eu, velho como estou, no fim da vida, preciso contar o que aconteceu antes que me esqueça para sempre. — O velho se levantou, indo para uma mesinha próxima, serviu café para a moça e para si — Naquele dia, mais cedo, um homem muito estranho chegou aqui. — Contou enquanto voltava com as xícaras — Era ameaçador e jurou morte a mim e minha família caso não fizesse o que ele mandava. — Estendeu o café para a moça, que não se fez de rogada e aceitou — Ele sabia que sua mãe viria aqui naquele dia. Sabia de muita coisa... Coisas demais.

— Meu Deus... — Christine nem conseguiu tomar o café. Ficou boquiaberta com as notícias, não conseguia imaginar quem pudesse ser.

— Quando sua mãe saiu, deixando para mim o trabalho, ele apareceu com uma caixa de madeira muito bonita, feita de cerejeira e pintada por um artista de alma sensível e toque leve... — O trabalho memorável de outro artista não poderia ser tão facilmente apagada das lembranças daquele velho — Outra caixa bem menor, com um tipo de chip dentro, também. Como um pequeno pedaço de uma grande máquina. — Moveu os braços, querendo explicar melhor — Ficou aqui até que eu colocasse o tal objeto dentro de sua máscara...

— O quê?! — Acabou queimando a própria boca com o líquido quente, preferindo, então, deixar a xícara com café sobre a mesinha.

— Não sabia que era um rastreador que podia por vossa vida em risco, Christine. — Um novo suspiro, agora cansado e exausto da vida — E naquela época não tinha certeza da maldade que havia dentro daquele coração. Não entendia o que transpassava para os outros o seu olhar assombroso... — Pausou a si próprio, olhando para os lados como se estivesse revivendo aquele momento — Sua mãe, coitada, veio a mim pouco antes de morrer, pedindo que em algum momento, quando viesse aqui mais uma vez, contasse algo a você. — Apontou para ela novamente, agora levantando-se — Disse que deveria ter cuidado com as pessoas, pois não são o que parecem ser. Disse algo sobre o monstro ser quem mais parece inocente...

— Minha mãe... — Uma lágrima quis aparecer, mas Christine não se permitia mais chorar pela mãe morta — Veio aqui antes de morrer?

— Sim querida. Eu e sua mãe tivemos uma amizade muito forte durante os anos em que você crescia... — O velho sorriu ao lembrar do espírito livre de Brietta — Ela me contou que algumas pessoas a estavam deixando louca. Não queria parecer louca para você. Escondia muitas coisas nas paredes... — Moveu a destra perto da cabeça, querendo indicar a falta de lucidez de Brietta antes de morrer — Talvez você devesse procurar.

— Como passagens secretas?

— Creio que... talvez. — Respondeu, passando a mão na própria barriga.

— Mas, e... — Não conseguiu falar mais nada, uma vez que o velho parecia muito inquieto.

— Só tome cuidado. — Alertou-a, colocando o chip quebrado na mão de Christine e logo apontou a saída, acompanhando-a para a porta. Já havia dito tudo o que precisava e agora tudo estaria nas mãos dela.

Christine saiu depois de um tempo digerindo tantas informações, estava lenta. Olhou no relógio. Já eram sete e meia. Precisava ir para casa e se arrumar, pois naquele dia iria reaver o seu primeiro amor, aquele da infância e adolescência, aquele que nunca se concretizou como ela queria.

Afinal, aquela deveria ser uma noite especial...

Talvez até demais.

Christine - Ela É A Fera [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora