II_Como Perdoar?

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Depois de 20 anos estudando na capital do estado, eu estava voltando para a fazenda, o lugar onde minha vingança seria concluída. Preferi voltar de ônibus para ter mais tempo de pensar no que fazer. Para pensar em uma forma de encontrar uma prova para incriminar Fernando Fernandes, ou talvez algo que o fizesse sofrer muito.

Depois de longas horas ouvindo músicas e anotando meus pensamentos em um caderno preto, onde estavam anotados todos os passos da minha vingança, cheguei à fazenda.

Preferi entrar pela entrada principal, que era mais longe da casa, passando por toda a extensão da fazenda, exceto a plantação, que se perdia de vista ao meu lado direito. Assim, poderia me lembrar do que eu chamo de "o dia", e aquilo me lembraria do que eu deveria fazer dali pela frente.

Pisei na estrada de terra que indicava o começo e fim da fazenda e logo olhei para meu lado direito, onde ficava a  estrada de terra que dava à fazenda dos Fernandes, e então passei por um portão que abria passagem para a fazenda. Eu já não era mais a menininha que havia saído pelo portão chorando e levada pela mãe. Eu já não era mais aquela garotinha de olhar doce por dentro daqueles olhos verdes, não usava mais uma tiara com um lacinho em um cabelo liso com cachos na ponta, curto, sempre solto e que amava andar de vestido e botinhas. Não. Aquela Maria estava morta, e havia morrido junto com seu pai há 20 anos. Agora, era uma mulher: uma mulher que a única coisa que tinha igual àquela garota eram os olhos, ainda verdes, mas agora manchados pela raiva. No pensamento, vingança.

Passei pelo curral e me lembrei ainda mais daquele dia, as imagens tão claras na minha cabeça que ninguém acreditaria terem sido vividas por uma criança tão nova. Aquilo havia me feito crescer e amadurecer rápido demais. Passei ao lado do estábulo e logo subi uma grande escadaria que dava para a casa principal. A mala ficou no 1° degrau, algum dos empregados pegaria para mim quando pudesse, assim como faziam na minha infância.

Cheguei à casa e subi uma pequena escada que levava à sua porta principal. Minha mãe, meus irmãos e os trabalhadores da fazenda com certeza estariam me esperando, afinal, anos já haviam se passado desde a última vez que havia entrado naquela fazenda e anos que não via a Miranda.

— Oi pessoal, eu voltei!— Gritei ao atravessar a soleira da porta de entrada.

O silêncio tomou conta do lugar. Sem muito esforço eu conseguia ouvir o barulho estridente da cachoeira cheia, mesmo a quase meio quilômetro de distância.

— Oi Maria, eu estava com saudades.— Minha mãe chegou me abraçando e me beijando.

— Eu também estava mamãe. — Sorri e retribuí o gesto_ Aconteceu alguma coisa? Onde estão todos?

— Ai minha filha, eu estou tão triste. No domingo houve uma chuva que destruiu uma parte da plantação, e desde então seus irmãos estão trabalhando pra tentar resolver a situação. Agora estão na cidade resolvendo tudo na empresa.

— A Miranda? Desde quando ela gosta de trabalhar?

—Essa fazenda, essa plantação, são a herança que seu pai deixou para ela. Isso é a garantia de um bom futuro pra sua irmã. Sem falar que ela tem contatos de gente importante que pode ajudar com empréstimos e negociações, porque acho que não vamos conseguir dar conta de todos os contratos.

— Ta bom então, vou fingir que acredito pra não semear a discórdia, não é? Se importa se eu for até a plantação dar uma olhada? Tenho uns contatos na capital que podem ajudar dependendo de quão grande for o estrago, e podem me indicar alguma saída para cumprir tudo.

— Vai sim minha filha, às vezes você consegue alguma coisa. Pegue um cavalo lá no estábulo.

— Tudo bem Mamãe, farei isso.

Desci novamente a escadaria e minha mala ainda estava lá, já que os empregados estavam ocupados em salvar o máximo possível da plantação. Andei um pouco e logo desci uma pequena escada que dava para o estábulo. Peguei um cavalo branco de crina em um tom de loiro claro, e foi quando vi que um homem jovem, aparentemente da minha idade, se aproximou.

— Olá?— Ele falou em um tom amigável, secando o suor da testa com um paninho que guardou no bolso— Em que posso ajudar?

— Estou precisando de um cavalo pra chegar mais rápido à plantação. Minha mãe me falou da chuva do domingo e acho que posso ajudar.

— E quem seria a sua mãe?— Ele sorriu, também de maneira amigável, enquanto passava a mão pela barba fina e por fazer, e eu correspondi o sorriso.

— Perdão, não me apresentei. Minha mãe é a Lúcia e eu sou a Maria, e voltei para cá agora depois de alguns anos. Muito prazer. — Estendi a mão, mas ele ficou sem jeito.

— Desculpa patroa, não sabia que era a senhora— Seu rosto corou— Minha mão tá suja, fico mexendo com esses cavalos o dia inteiro e não quero sujar as suas mãos. A dona Miranda pelo menos não gosta, e sempre reclama quando eu ajudo ela a montar.

— Pois saiba que entre a Miranda e eu existe uma grande diferença. Não sou fresca como ela e, se você quiser manter seu emprego, aperte minha mão.— Fiz cara de brava, mas logo sorri.

— Desculpe patroa.— Ele apertou minha mão e sorrimos mutuamente— Não conhecia a senhora.

— Senhora?— Sorri com cara de assustada— Senhora está no céu, apesar de eu já não rezar pra ela faz tempo. Sou só a Maria, e você, como se chama?

— Sou o Rodolfo e estou ao seu dispor para o que precisar.

— Fico feliz por isso Rodolfo. Agora eu só preciso de um cavalo, posso pegar esse garoto aqui?— Dei uma leve batida nas costas do animal.

— Dona Maria, digo, Maria, não me leve a mal, mas é uma égua.— Seu rosto parecia um tomate de tão vermelho.

— Meu Deus!— Olhei com mais atenção e logo percebi meu erro— Realmente é uma garota e eu não tinha reparado.— Sorri— Mas de qualquer forma, posso usá-la?

— Então, eu sinceramente não aconselho. É uma égua selvagem que ainda estamos adestrando, então não sei como se comporta. Nem a Cecília, que é uma das melhores montadoras que eu já vi, consegue domar muito bem essa fera.

— Não sei quem é Cecília, mas tenho certeza de que eu vou conseguir.

— Eu sou a Cecília, e sinceramente admiro a sua coragem em querer montar nela, nem nome nós não colocamos porque dá até medo de não gostar e ficar pior.— Uma mulher loira, de longos cabelos longos, aparentemente um pouco mais nova que a Miranda entrou montada em um grande cavalo marrom, e sorriu com o que falou_ Rodolfo, vim te dar carona porque já tá na hora do nosso almoço.

— Já vou.

— Olha moça, é uma égua selvagem, mas eu confio no seu potencial._ A mulher sorriu para mim e piscou.

— Selvagem?— Olhei para a égua, dei um meio sorriso para ela, que eu podia jurar que havia  sido retribuído— Acho que vamos nos dar bem. Pode encelar?

— Se é o que deseja... Vou buscar as coisas.— Rodolfo saiu para buscar os equipamentos.

— Veio ajudar a recuperar o plantio?

— Não vim por isso, mas vou ajudar aqui sim.  Você trabalha aqui?

— Não, eu só tô ajudando. Espero que consigam recuperar tudo a tempo de cumprir os contratos.

— Eu espero o mesmo.

Logo Rodolfo voltou e colocou todos os equipamentos com dificuldade. Subi com facilidade e logo saí por uma porteira que dava diretamente para a plantação ao lado deles, mas logo nos separamos quando os dois seguiram até o local improvisado onde os empregados estavam comendo. Fiquei por cerca de 5 minutos observando tudo ao meu redor e percebi que, apesar de grandes, os estragos poderiam ser revertidos com bastante trabalho. Parei, desci do cavalo e atravessei um riacho pequeno e bem raso e, sem que me desse conta, acabei escorregando na lama e caindo na água. Comecei a xingar todos os nomes possíveis enquanto minha roupa ficava suja e encharcada.

Quando estava prestes a me levantar, um homem chegou montado em um cavalo. Ele era bonito. Tinha olhos verdes, era alto, forte, loiro, seus olhos estavam fixos nos meus. Um instante de silêncio, que logo foi interrompido com uma pergunta dele.

Apesar Da VingançaOnde histórias criam vida. Descubra agora