X_Vale à pena?

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Saí desesperada da sala de espera em direção ao lado de fora do hospital: um jardim cortado por um caminho que dava até a curta escada da porta principal. Andei até a grama, onde me sentei e chorei.

— O que eu fiz?— Chorei— Essa merda de vingança! Tudo por essa merda! Estou matando a minha irmã enquanto tento desmascarar um assassino. Destruí a felicidade da Miranda por nada, destruí a felicidade do Miguel por nada, destruí a MINHA felicidade por nada.— Aquelas duas últimas frases caíram como uma pedra em minha consciência— Vale à pena tudo isso por uma maldita vingança? Meu pai já deve estar se revirando no túmulo de vergonha do que eu tô fazendo.

Foi então que uma mão chegou por trás e tocou carinhosamente meu ombro.

— Se acalma. — Me virei e vi os olhos de Miguel, aqueles olhos verdes que me encaravam com doçura, aquele sorriso sincero — A Miranda é forte, vai sair bem.— Ele abriu os braços— Vem cá, me dá um abraço. Sei que está precisando disso.

Era verdade, eu precisava de um abraço. Me virei e o abracei, e o apertei com tanta força que achei que o estava sufocando. Mas era necessário. Eu precisava soltar minhas mágoas.

— Ai Miguel, está abraçando um lixo.— Chorei.

— Não estou, você é muito melhor do que pensa ser. Você é nobre, seu sorriso é genuíno, e seus olhos me passam verdade e confiança. Isso é pouco?

— Isso é uma máscara!

— Tenho certeza que não é. Não fique se culpando assim, não teve culpa nenhuma pelo acidente da Miranda. Ninguém teve. Foi... Foi apenas uma fatalidade. Ela pegou o cavalo que não devia.

— Eu desgracei a vida da Miranda! Acabei com a felicidade dela, tudo pela merda do meu orgulho!

— Isso não tem nada de orgulho, Maria. Se eu terminei com ela, não foi por sua causa, mas por mim.

— Não me sinto melhor por isso. Você não me conhece, não sabe a minha história, meus medos, minhas mágoas...

— Quero conhecer. Quero conhecer e te ajudar a superar tudo isso. Vai ver que vamos conseguir juntos.— Ele apertou minha mão e sorriu.

— Não mereço a sua ajuda. Repito que você não conhece minhas mágoas e meus desejos. Se conhecesse...

Soltei sua mão, me levantei e fui até a capelinha do hospital. Só me restava pedir que nada de mal acontecesse com minha irmã. Era a única maneira de garantir o mínimo de perdão para minha alma. Se é que ainda havia chance de salvação.

...

Pela próxima semana repeti o ritual: todos os dias ia à capela e pedia pela melhora de Miranda, que continuava da mesma forma. Não piorava. Mas também não havia nenhuma melhora, o que preocupava os médicos.

Quanto a Miguel e eu, mais nenhuma palavra sobre os assuntos NÓS e O BEIJO havia sido trocada, e isso se devia, principalmente, ao fato de que eu o estava ignorando. Passava o dia inteiro na capela e Miguel não tinha coragem de ir até lá falar sobre o assunto.  Era melhor mantermos distância, até porque eu sequer conseguia pensar em vingança com tudo o que estava acontecendo.

...

E assim os dias se passaram. Dias de espera, dias de angústia.

...

— Deus...— Comecei assim que me ajoelhei no segundo banco da capela— Eu sei que não vou mais à igreja já faz muito tempo. Queria dizer que não faço isso porque não quero, mas porque sei que não mereço. Meu coração já virou um poço de vingança e ódio, e sei que não foi isso que o Senhor ensinou. Mas a Miranda... Ela não tem culpa de nada. Não tem culpa do meu ódio, do meu rancor, da minha vingança, e não tem motivo pra pagar com a vida por isso. Por isso eu Te peço, do fundo do meu coração, que ela melhore. Não deixa a Miranda morrer. Ela pode ser insuportável, mas mesmo assim ainda é a minha irmã e tem uma vida inteira pela frente. Ajuda ela. Por favor, eu te peço: salve ela, e eu prometo magoar Miguel o mínimo possível, e trocar meu desejo de vingança por desejo de justiça. Eu juro.

Enquanto chorava, notei que uma mão tocou delicadamente meu ombro.

— O que foi?— Me virei e percebi que Karla estava ao meu lado.

— Calma... Você tava rezando aí e eu não quis te assustar nem incomodar.

— Não, já acabei.— Fiz um sinal da cruz, e me surpreendi por ainda lembrar como era.

— É até estranho te ver aqui. Já faz uns cinco anos que não vai à igreja, não é?

— Olha, fazendo as contas, acho que faz até dez. Não vou desde quando saí do colégio interno. Lá também só ia por obrigação.

— É verdade... As freiras nos faziam confessar todos os meses.

— E você ia conversar com o padre, porque nunca deve ter feito uma coisa errada.— Apertei levemente o nariz de Karla, que sorriu.

— Vou ter que concordar.— Rimos— Você também ia para nada. Provavelmente o padre te mandava parar com a vingança.

— Pois é, mas não deu certo. E agora estou aqui nessa situação. Minha irmã tá morrendo porque eu tirei o namorado dela pra usar na minha vingança. Pode falar. Eu sou uma merda de ser humano, não sou?

— Não é tão ruim assim, mas se reconhece os seus erros, já é um bom começo.

— Pois é. Mas o que queria saber é o que veio aqui me dizer? Porque pra ter vindo aqui... É sobre a Miranda? O que aconteceu? Ela piorou? Não me fala que ela piorou!

— Se acalma por favor!

— Eu tô com um mau pressentimento! O que aconteceu com a Miranda? Me fala! Anda Karla, desembucha!

— Vem aqui comigo até onde o pessoal está. Lá o médico vai te explicar o que aconteceu. E se acalma por favor. Eu só vim aqui te dar atenção, porque você passa o dia nessa capela.

...

No jardim da frente, Miguel estava sentado em um dos bancos quando Felipe sentou ao seu lado.

— O que houve?_ Miguel perguntou.

— O médico pediu para que todos nos juntássemos ao pessoal.

— Notícias da Miranda?

— Provavelmente sim. Vamos lá, estão te esperando.

— Vamos sim.

Miguel se levantou e os dois correram até a sala de espera. Chegaram ao mesmo tempo que Karla e eu, que vínhamos do outro lado.

— O que houve com a Miranda?— Perguntei desesperada ao entrar.

— Se acalmem por favor.— Um médico bonito se aproximou de nós. Tinha cabelo preto, liso e curto, barba curtinha, era alto, de pele clara e parecia musculoso por trás do jaleco— Sou Juliano. Vim para passar a vocês as informações sobre a Miranda, já que hoje é o dia de folga do Luiz.

— Como ela está?— Manoel se aproximou.

— Ela está lentamente acordando do coma, e esperamos que esteja acordada em breve.— Sorriu.

— Graças a Deus!— Sorri.

— Mas tem um probleminha que ainda precisamos...— A frase de Juliano foi interrompida por um grito estridente que veio do CTI e que pôde ser ouvido em todo o hospital.

Apesar Da VingançaOnde histórias criam vida. Descubra agora