Capítulo 9 - Lubinka Kolenkova (Parte 1/2)

32 10 3
                                    

I

Tamborilando na mesa da sala de leitura, Thomas lembrava as últimas palavras escritas por Joseph e pensava: "Eu subestimei esse jovem iugoslavo".

Naquele momento recordara-se de um antigo provérbio, transmitido geração após geração, que diz que o ser humano tem dois ouvidos e apenas uma boca para que aprenda a ouvir mais e a falar menos. Deduzira que a mudez de Joseph o levara a desenvolver ainda mais sua audição. Impressionara-se com o grau de percepção do jovem a cada uma de suas palavras.

Thomas estava tão concentrado em seus pensamentos que sequer notou a chegada da quarta pessoa a prestar depoimento.

Com mais de um metro e oitenta de altura, Lubinka parara de pé diante dele. No instante em que adentrara a sala de leitura, retirara o gorro de lã lilás que vestia na cabeça, deixando à mostra seus longos e lisos fios de cabelo loiro. Uma moldura perfeita para aquele rosto facilmente confundido com uma matrioshka, as famosas bonecas vendidas tradicionalmente na Rússia.

O ex-policial recuou involuntariamente quando se deparou com a presença da russa à sua frente.

― Assustei-o? Não sou tão feia assim, sou? ― Ela deu um leve sorriso.

Ele se recompunha do susto que levara. Estivera com a mente imersa na investigação do caso. Além disso, causara-lhe um misto de admiração e surpresa a visão que tivera de Lubinka com os cabelos soltos. Tornavam
ainda mais belo o rosto da jovem.

― Absolutamente. Aliás, deve saber que não é. Não percebeu que aquele rapaz baixo não desgruda os olhos de você? ― disse enquanto indicava uma cadeira a ela.

― O Penev? Aquele búlgaro é uma mala sem alça. ― ela resmungou.

― Seu nome é Lubinka Kolenkova, não é?

― Sim.

― Quando ficou sabendo a respeito desta edição do Equation Awards aqui em Bulgaville?

― Há pouco mais de uma semana.

― Ansiava por este momento?

― Sim. Como muitos dos estudantes aqui presentes.

― É russa, não é? Estuda em Moscou?

― Sim, minha mãe disse que eu enveredei pelo caminho da matemática por influência dela.

― Interessante. Ela é professora?

― Não. Minha mãe é cientista. Ela sempre teve afinidade com matemática. Por isso diz que sofri influência dela. Influência genética ― a russa explicou. Parecia mais à vontade.

― Compreendo. O que pensa a respeito do professor Frank? Gostava dele?

― Sinceramente não o conhecia. Mas, se levarmos em consideração os rumores que costumava ouvir a respeito dele, posso garantir que o meio acadêmico perdeu uma mente brilhante.

― Brilhante. Mas também dizem que tinha fama de autoritário. Concorda com isso?

― Sim, pareceu-me meio tirano no modo como estabeleceu as regras para os participantes. As meninas detestaram-no.

Thomas perguntou, de súbito:

― E estas regras? Poderia descrevê-las para mim?

― Sem problemas. Ele disse que não seria permitido contato dos participantes com qualquer ambiente externo, o que, em minha opinião, é uma regra óbvia.

Thomas fez que sim com a cabeça.

― Sentiu-se insatisfeita com alguma outra regra?

A russa esboçou um sorriso de ironia e respondeu:

― Sim. Aliás, aposto que uma coisa foi unanimidade, ao menos entre as mulheres. As condições das instalações. Não chego a classificá-las como um albergue, como aquela italiana repete sem parar, mas arrisco a dizer que o arquiteto ignorou o sexo feminino quando projetou Bulgaville.

Thomas notou que Lubinka aparentava estar mais receptiva que o habitual. Ele a estimulou:

― Por que acha isso? Trata-se de um belo prédio, com perfeita simetria.

― Neste ponto eu também concordo com o senhor. Eu estava me referindo ao fato de alguém ter projetado os quartos sem banheiros. Praticamente obrigou as mulheres a dividirem o banheiro com quatro estranhas. Soou bastante inconveniente. A italiana também se desagradou com isto.

― Compreendo. Deitou-se cedo a noite passada?

― Eu me recolhi para o meu quarto pouco depois do jantar. ― Ela fez uma pausa e puxou o ar pela boca. ― Desculpe. Estou com congestionamento nasal desde a manhã de hoje. Com certeza foi aquela corrente de ar que peguei após o banho quando caminhei do banheiro até o meu quarto.

― Agora entendo porque anda toda encapotada. ― comentou Thomas.

― Sim. Não consigo me acostumar com frio, apesar de ser russa.

― Uma contradição, não? Mas vamos ao que é importante. Depois de retornar ao quarto, a senhorita foi logo dormir?

― Sim. Sentia-me tão cansada do dia exaustivo que só me lembro de ouvir o meu despertador tocar de manhã cedo.

― Não ouviu, em nenhum momento da madrugada, qualquer barulho, qualquer ruído que lhe tenha chamado atenção?

― Não. Como disse, dormi durante toda a noite. Apesar dos pesares, o quarto é bem aconchegante. ― Ela fez uma pausa. ― Espere um minuto. Ah, sim. Em certo momento da madrugada, alguns passos me despertaram. Tenho um sono leve.

― Saberia dizer a que horas isso aconteceu?

Lubinka respirou novamente pela boca e, em seguida, respondeu:

― Bem, se não me engano, devia ser quase uma hora da manhã. Pela leveza dos passos, podem ter sido de uma mulher.

― Ouvido apurado, hein?

― Com exceção do paladar, meus outros sentidos são bem apurados.

Thomas fitou a russa com interesse.

― E então, a senhorita tornou a dormir?

― Perfeitamente. ― ela se interrompeu, ofegante. Puxou do bolso da sua jaqueta um pequeno frasco e pingou umas gotas em cada narina ― Ainda bem que trouxe comigo meu descongestionante nasal.

― Beber bastante água também lhe trará grande alívio para este seu problema. ― ele aconselhou. ― Seu depoimento já está terminando.

A russa demonstrou um leve desânimo em seu semblante, mas o suficiente para que Thomas captasse. Perguntou a ela:

― Algo errado?

Lubinka desviou o olhar por alguns instantes. Mas logo o encarou decidida:

― Causou-me certo desânimo lembrar que terei que tolerar novamente aquele falatório incessante no refeitório. Cada um defendendo sua teoria para o crime. Pensam que são detetives. Mas quero deixar claro que não é soberba de minha parte. Nós, russos, somos mais fechados, mais reservados. É só um problema cultural.

O ex-policial balançou a cabeça.

― Compreendo. Bem, aproveitando o ensejo, uma última pergunta. Qual a sua teoria para o assassinato do
professor Frank?

― Minha suposição é de que ele foi golpeado enquanto estava sentado de costas para o quadro-negro.

― E por que pensa isso?

― O extintor de incêndios estava ao lado da vítima, com vestígios de sangue. Não consigo ver outra explicação plausível.

Thomas se deu por satisfeito. Falou em tom de despedida:

― Bem. Pode retornar e recuperar seu fôlego. Não se esqueça de beber bastante água. ― E olhando para um dos passaportes empilhados na mesa, disse: ― Por favor, peça a Pawel para ele vir a esta sala.

A russa levantou-se da cadeira e despediu-se cordialmente. Prendeu o cabelo, vestiu o gorro lilás e deixou a sala de leitura.

*****************************

Gostou?

Sinta-se à vontade caso queira registrar seu voto neste capítulo e deixar seu comentário. A mesma recomendação é válida caso queira compartilhar a história.

Obrigado,
Vincento Hughes.

A equação imperfeita (COMPLETA) #CPOWOnde histórias criam vida. Descubra agora