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CHARLIE — 1943 — SEA

Quando eu escutava sobre a guerra parecia distante demais, só que agora dentro daquele navio por quatro dias, pude notar o quão real é, homens escreviam pra suas famílias e nos momentos mais solitários encontrava um ou outro chorando, era um clima tenso 24 horas e a cada dia fazia mais sentido o fato de terem trazido tanta bebida.

Enquanto eu fazia algumas anotações uma sirene interrompeu tudo, pessoas corriam para todos os lados e o navio se movimentava mais do que nunca, eu me segurei na cama tentando levantar enquanto os homens corriam e um colete foi jogado pra mim na cama, assim que ergui o olhar pude ver Kellan, o cara que peguei chorando ontem enquanto via a foto da mãe, agora eu só podia ver força no seu rosto e isso me assustava.

— Estamos sendo atacados, fique alerta.

Eu já estava muito alerta, entre a grande movimentação eu só conseguia segurar com força pra não cair, escutei uma gritaria sobre atracar em Dunkirk, uma cidade pequena que nunca ouvi falar, mas toda a minha atenção foi para o chão enquanto via a água tomando conta do navio e molhando minhas botas. 

Comecei a subir as escadas correndo escutando os tiros enquanto me encolhia atrás de alguma parte daquele enorme navio que estava afundando.

Meus olhos se ergueram e eu vi Alex gritando com todos e atirando sem medo ou pelo menos era o que parecia, que não havia um pingo de medo dentro dele.

Eu podia ver a terra firme e o outro navio se afastando cada vez mais, porém o nosso estava afundando, meu braço foi agarrado pelo oficial que estava tão nervoso quanto eu.

— Vai ter que nadar, acha que consegue, senhorita Blanc?

Eu assenti freneticamente, ainda vendo o outro navio recuar, a gritaria era constante, alguns já haviam se afogado e eu tive que pular naquela água fria indo até um dos botes, assim que entrei com a ajuda de duas enfermeiras pude ver Alex vindo e eu o ajudei.

— Vocês estão bem? — Ele perguntou

Novamente eu assentia dessa vez trêmula pelo frio, escutei alguns gritos e vi Kellan tentando nadar até nós, mas estava ferido, seu sangue se confundia com o azul do mar e eu olhei pra Alex desesperada.

— Você tem que fazer alguma coisa, temos que voltar... Temos que... Que...

— Não podemos fazer nada.

— Claro que podemos! Ele está bem ali! Eu vou...

Antes que eu entrasse na água, meu braço foi segurado com força por ele, enquanto me debatia pra me soltar ele me segurou firme fazendo com que eu encarasse seus olhos.

— Ele perdeu uma perna, entenda isso — Escutei a sua voz mais séria que nunca — um soldado que não pode lutar não pode sobreviver de qualquer forma, Charlie.

Foi a primeira vez que ele disse meu nome e também foi a primeira vez que vi alguém morrer de perto, nosso bote se afastava e Kellan já não gritava mais, então apenas empurrei Alex com raiva e desviei o olhar sentindo que não o perdoaria por isso.

Assim que atracamos, as enfermeiras cuidaram do meu ferimento na sobrancelha e me cobriram com o que ainda tinham, fomos recebidos pela pequena cidade de Dunkirk, todos eram tratados como heróis, mas eu só conseguia me esconder debaixo daquela coberta olhando pra fogueira.

— Eu sei que está brava.

Encarei Alex que sentava-se ao meu lado e tinha uma caneca de metal que provavelmente tinha a bebida mais forte do bar.

— Acho que vou ser o vilão do seu artigo. — Comentou

— Você poderia ter tentado.

— Lembra o que eu disse? Estou tentando sobreviver... Não vou me arriscar por um cara que vai morrer de qualquer forma.

— Você não sabe.

— Também não quis descobrir.

Tirei a caneca de suas mãos tomando a bebida forte de uma vez e soltando um suspiro em seguida, foi a primeira vez que notei que Alex não era exatamente um herói de guerra, mas também não é um vilão, só um soldado.

MERCYOnde histórias criam vida. Descubra agora