Eu vou direto para a geladeira e retiro o recheio que sobrou do Dia de Ação de Graças.
... Quando eu era uma garota de verdade, o Dia de Ação de Graças era na casa de Nanna Marrigan no Maine, ou na da vovó Overbrook, em Boston. Na casa de Nanna, comíamos ostra recheada. Na casa de vovó, castanha e salsicha. Nanna gostava de sua torta de abóbora em uma crosta de canela-noz pecã. As tortas de vovó tinham que ser de carne moída por que era o mesmo que sua mãe fazia. As mesas ficavam cheias, com pessoas altas pegando tigelas de comida e falando muito alto; primos e tios-avós e amigos de bem longe. O cheiro de molho e cebolas fazia meus pais se esquecerem de brigar, e o gosto do mirtilo os lembrava de como rir. Minhas avós iam viver para sempre, e o Ação de Graças sempre seria toalhas de renda, porcelana esbelta, e prata pesada que eu sentei-me em um banco para polir.
Elas morreram.
O Dia de Ação de Graças da semana passada foi adoçado artificialmente, enriquecido com tensos conservantes, e envolto em plástico. As irmãs do papai não vêm mais por que é longe demais. A família de Jennifer vai para casa do irmão dela por que lá tem mais quartos (["Mamãe"] Dra. Marrigan come em sua mesa, ou come uma simbólica colher de purê de batatas e molho na cantina do hospital).
Eramos nós quatro, mais dois estudantes graduandos de meu pai. Um era vegan; ela comeu três porções de batata doce e a maior parte do pão de abóbora que tinha trazido. O cara era de Los Angeles. Ele disse que estava de jejum por que o Dia de Ação de Graças acontecia em respeito ao genocídio dos povos nativos da América. Depois que eles se foram, Emma perguntou a papai por que o cara de jejum veio então. Papai disse que ele estava louco para conseguir uma carta de recomendação. Jennifer disse que esperava que ele se engasgasse.
Eu despejo um pouco do recheio de Jennifer em um prato, derramo algumas colheradas no chão para os gatos, em seguida esguicho ketchup em cima e aqueço no micro-ondas tempo suficiente para que o ketchup respingue todo. Deixo a porta do micro-ondas entreaberta, logo o cheiro toma conta da cozinha.
Olho o relógio. Dez minutos.
Eu salpico um pouco de ketchup nos cantos de minha boca, e raspo toda a sujeira na lata de lixo, ligo a água quente e estalo o interruptor. Enquanto a lata de lixo está lavando, eu tento desviar a minha mente – recitar a Constituição, a lista de presidentes em ordem, relembrar o nome dos sete anões - não consigo parar de pensar que ela ligou para mim.
Eu fecho o micro-ondas. Levo o prato sujo e o garfo para a sala familiar, onde os coloco no fim da mesa.
Sete minutos.
Eu realmente tenho que comer.
Ela me ligou trinta e três vezes.
Um grande bolo de arroz = 35. Ponha uma colher de chá de mostarda picante em cima e você adiciona 5. Duas colheres = 10. Bolos de arroz com molho quente são melhores. Você come e é punida na mesma mordida. Jennifer não compra molho quente mais. Dois bolos de arroz, quatro colheres de chá de mostarda = 90.
Eu queria ser bulímica. Eu tento e tento e tento, mas não consigo. O cheiro de vômito me deixa maluca e minha garganta fecha e eu não consigo.
1.2.3.4.5.6.7.8.9.10.11.12.13.14.15.16.17.18.19.20.21.22.23.24.25.26.27.28.29.30.31.32.33.
Jennifer chega em casa e me pede para pôr meu prato no lava louças e limpar a bagunça que eu fiz no micro-ondas. Peço desculpas e faço o que ela mandou enquanto ela se esforça para abrir uma escorregadia garrafa de Chardonnay gelado. Quando estou na metade da escada, Emma emerge pela porta, o uniforme de futebol sujo, bochechas vermelhas.
VOCÊ ESTÁ LENDO
A garota de vidro
РазноеEssa é uma historia pulicada de verdade por uma editora. Como eu, muitas pessoas nunca conseguiram encontrar o livro para comprar. Então consegui uma copia online e vou postar a historia. Sei que o que estou fazendo é errado, mas é para o deleite de...