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— Beba isso.

Elijah empurra uma caneca pesada de chocolate quente em minha direção. Eu não lembro quem fez o pedido. Eu não me lembro de andar até aqui.

— Vá em frente.

Eu uso as duas mãos para segurar a caneca, e beber. Queimo meus lábios e minha língua e minha garganta rosa. Serviu-me bem. Minhas mãos tremem quando eu ponho a caneca novamente na mesa, e derrama na mesa. Ele puxa guardanapos de papel do suporte de metal para limpar a bagunça.

Eu conheço esse lugar, já estive aqui antes. É a lanchonete vegetariana a dois quarteirões da igreja, o lugar com música desanimada, bagels de cânhamo, e petições na caixa registradora.

— Como está indo, Emma? — ele pergunta.

Eu levo um minuto para registrar que ele está falando comigo, que eu ainda não o disse quem eu sou por que é mais fácil mentir. Eu deveria dizer — Muito melhor, obrigada, como você vai? - com o sorriso de boa garota, mas eu estou assustadoramente cansada.

Ele empurra o guardanapo ensopado para o fim da mesa. — Ver pessoas mortas pode ser estranho.

Eu ponho meus dedos no vapor que sai da caneca e observo o cozinheiro trabalhando na grelha, na torradeira, e no liquidificador. Cassie está sentada em cada cadeira, rindo, mastigando, apontando para o especial no cardápio.

— Ela não está em seu caixão, — eu deixo escapar.

Ele congela por um segundo, seus olhos fixos nos meus. Seu cabelo está lavado e puxado para trás em um pequeno rabo de cavalo. O alargador de madeira no lóbulo de sua orelha foi trocado por um círculo de osso oco que faz uma janela redonda próximo à sua mandíbula. Ele está vestindo uma camisa de abotoar encardida com uma triste gravata preta. Suas mãos estão limpas. Ele se barbeou, mais ou menos.

— Eu sei, — ele diz. — Era apenas sua casca, não sua alma.

Eu balanço minha cabeça. — Não é isso que eu quero dizer. Ela se sentou no caixão. E então desapareceu. Você não viu?

Ele coloca suas duas mãos nas minhas e se inclina para frente. Estão tão quentes que deveriam estar brilhando. — Faça-me um favor, — ele diz lentamente. — Tome um gole, feche os olhos, e respire.

— Isso é estúpido.

Ele sorri e acena. — Sim, eu sei. Mas o faça de qualquer modo.

Minhas mãos levam a caneca aos meus lábios novamente. Eu estou encoberta em cobertores de veludo branco. As contas clicam em meu ábaco: 354 ml de chocolate quente = 400, mas eu estou congelando. Eu preciso ["engolir a coisa toda abaixo e pedir por mais bebida"] beber um gole e ignorar o gosto.

Eu beberico, abaixo a caneca, sem derramar, e fecho os olhos. Respire, ele disse. Eu respiro panquecas e batatas fritas. Cheiros nervosos. — Continue respirando, — ele ordena, sua voz é o estrondo de um trovão distante.

O cozinheiro coloca algo na grelha e esse algo sibila. Pernas de cadeiras arranham o chão quando o cara sentado à mesa próximo de nós sai. Alguém levanta uma estante de copos que tilintam juntos como chuva. Um casal de mulheres ri, suas vozes tropeçando uma na outra. A porta do banheiro range.

— Pronto? — ele pergunta. — Abra seus olhos. Não pense. Apenas abra os olhos e fique quieta.

A lanchonete volta ao foco: mesas, cadeiras, luzes, cozinha. Cartazes cobrindo as paredes. Através do buraco no lóbulo da orelha de Elijah eu posso ver a lua crescente e estrelas pintadas na parede sob o relógio. A menina sentada ali perto não é Cassie. Nem o garçom reenchendo sua caneca. Eu me viro no meu lugar para olhar ao redor. Ninguém aqui é Cassie. Estou segura.

A garota de vidroOnde histórias criam vida. Descubra agora