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Minha noção de tempo é perfeita, e eu acabo em um engarrafamento. Os carros que me rodeiam são guiados por vacas gordas e touros berrantes. Dirigimos juntos, dez quilômetros por hora. Eu posso ir mais rápido que isso. Freamos. Eles ruminam e mugem aos telefones até que o rebanho muda de marcha e vai para frente novamente.

Vinte e quatro quilômetros por hora. Eu não posso ir tão rápido.

Em algum momento entre Martins Corner e a Rota 28, eu começo a chorar. Eu ligo o rádio, canto com todos meus pulmões e o desligo novamente. Eu bato os punhos no volante até poder ver contusões, e a cada quilômetro, eu choro mais ainda. Chuva molha meu rosto.

... corpo encontrado em um quarto de motel, só ...

O que ela estava fazendo lá? O que ela estava pensando?

Doeu?

Não há por que perguntar por quê, mesmo que todos queiram. Eu sei por quê. A questão mais complicada é —por quê não?.— Eu não posso acreditar que ela fugiu das respostas antes de mim.

Preciso correr, voar, bater minhas asas com tanta força até que eu não possa ouvir mais nada, a não ser as batidas de meu coração. Chuva, chuva, chuva, afogando-me.

Foi mais fácil?

Eu não pego os atalhos, não me esqueço de passar em frente à delicatessen da esquina, eu não perco, nem mesmo um propósito. Chego à escola no piloto automático; atrasada por seus padrões, adiantada por mim. Os últimos ônibus acabam de estacionar na porta da frente.

Eu saio e tranco o carro.

O implacável vento de novembro empurra-me em direção ao prédio. Flocos de neve espiralados caem do bolo de cobertura de nuvens lá em cima. A primeira neve. Mágico. Todo mundo para e olha para cima. A exaustão congela os ônibus, prendendo todo o barulho em uma nuvem seca. As portas da escola congelam, também.

Nós inclinamos nossas cabeças novamente e abrimos as bocas.

A neve dirige-se a nossas bocas zumbis se rastejando com graxa e xingamentos e pedaços de tabaco e cáries e suco de namorado/ namorada, uma mancha de mentiras. Por um momento não somos testes que deram errado e camisinhas furadas e traições em redações; nós somos lápis-cera e caixas de almoço e balançamos nossos tênis furados bem alto nas nuvens. Por um momento tudo fica bem.

E então, ele derrete.

Os motoristas de ônibus aumentam o giro dos motores e a nuvem de gelo se desfaz. Todo mundo se mistura adiante. Eles não sabem o que acabou de acontecer. Eles não lembrarão.

ela me telefonou.

Volto para o meu carro, entro, ligo o aquecimento, e limpo meu rosto na camiseta. 7h30. Emma acabou a aula de Francês e está desembalando seu violino. Ela passará muito tempo passando resina em seu arco, e não afinará as cordas direito. O Concerto de Inverno será daqui a poucas semanas, e ela não sabe as músicas ainda. Eu deveria a ajudar.

Cassie está no necrotério, eu acho. Na noite passada, ela dormiu em uma gaveta prateada, os olhos se acostumando à escuridão.

Jennifer disse que estão fazendo uma autópsia. Quem vai tirar as roupas dela? Dar-lhe-ão banho, estranhos tocando em sua pele? Ela pode vê-los? Ela chorará?

O toque toca atrasado, e as últimas pessoas no estacionamento correm para a porta. Só mais alguns minutos. Eu não posso ir até que os corredores estejam vazios e os professores estejam entorpecidos com o tédio de modo que não notarão quando eu deslizar pelos corredores.

Eu me viro e limpo um lugar no banco traseiro, empurrando todos os testes, moletons, e os livros atrasados da biblioteca para um lado, então Emma terá onde sentar quando eu for buscá-la. Jennifer insiste em colocá-la atrás. É mais seguro, diz ela.

Não há mais seguro. Não há nem mesmo segurança, nunca houve.

Cassiepensava que paraíso era um conto de fadas para pessoas estúpidas. Como vocêencontra um lugar no qual não acredita? Você não encontra. Então, para onde éque ela vai agora? E se ela voltar, olhos em raiva pura? 7h35. Hora de ir paraa escola e parar de pensar.

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Obs: Onde tiver essa marcação ["----"] em negrito significa que a personagem esta apenas pensando e não falando.

A garota de vidroOnde histórias criam vida. Descubra agora