Capítulo Nove

145 21 1
                                    

Laura passou a tarde inteira andando de um lado para o outro, pensando no que fazer para melhorar o ânimo de Sebastian.
Resolveu sair de seu quarto e foi até a cozinha, encontrando Teresa na preparação do jantar.
- O que aconteceu? Franco disse que a situação entre você e o patrão não ficou boa depois do almoço.
- Minha antiga amiga apareceu e ofendeu Sebastian. – Ela suspirou. – E agora ele está trancafiado em seu quarto e não sei o que fazer. – Laura se debruçou sobre a pequena mesa de madeira que havia na cozinha.
- Estou preparando uma torta alemã para a sobremesa. Por que não leva para ele? É sua preferida.
- Mas e se ele não quiser me receber?
- Garanto que ele não recusará este doce. Volte mais tarde para pegá-la.
....................
Laura estava parada em frente a porta do quarto de Sebastian, com o doce na mão, se preparando para anunciar sua presença.
TOC TOC
- Sebastian, sou eu, Laura. – Não obteve resposta. – Vim lhe trazer... hum... torta alemã que a Teresa fez. – Mais silêncio. A jovem se preparava para ir embora, quando ouviu o barulho da maçaneta sendo destrancada.
Ele não havia dito nada quando a viu, somente fez uma referência para que ela entrasse. E assim o fez.
Laura depositou o prato na mesa e olhou em direção a Sebastian, que lhe dizia com o olhar para sair. Laura foi até a porta fechando-a e trancado. Guardando a chave em seu sutiã.
- O que você está a fazer? – Ele perguntou surpreso.
- Quero conversar e não sairei daqui até que isso aconteça! – Exigiu a moça. Sebastian ficara espantado uma vez mais com sua reação.
- O que você quer falar? – Ele perguntou, um pouco aborrecido.
- Esse seu olhar de mau não me dá medo. – Ele suavizou seu olhar e não enrugou a testa. – Quero lhe pedir desculpas. Te causei muito incomodo. Antes eu não tivesse insistido para ir. – Laura abaixou sua cabeça. E Sebastian foi até ela, levantando sua cabeça.
- Você não tem como evitar a reação das pessoas. Sou um monstro e você nunca mudará o pensamento de ninguém.
- Será? Eu não sou obrigada a lhe ver escondido nas sombras.
- Não é. Por isso, eu digo que deve fingir não se importar com esta parte.
- Sebastian, as pessoas não devem viver trancadas em suas casas com medo do que outros irão dizer ou pensar.
- Laura, eu lhe agradeço por se importar comigo. No entanto, a minha vida já acabou.
- Duvido. A vida não acaba até que demos o último suspiro. – Sebastian suspiro. – Laura pensou. – Por que você não faz aquela cirurgia...a tal plástica que muitos estão tendo o rosto refeito? – Ela indagou, esperançosa. Quase dando pulos de alegria.
- Laura. Eu não quero mudar quem eu sou agora. Eu não posso ser reconhecido.
- Por que? Está se escondendo de quem? – A jovem arqueou as sobrancelhas.
- De Hitler. – Laura ficara estupefata. – Você não vai correr de mim?
- E por que eu faria isso?
- Todos têm medo desse nome. E estou me escondendo do próprio.
- Eu não vou correr, sem saber o motivo pela qual você está escondido.
Pairou o silêncio no quarto que se encontrava escuro, por conta das cortinas fechadas.
- Eu era médico na Alemanha. – Começou a contar e foi andando em direção a um baú, na frente de sua cama, sentando-se lá. E Laura prestava atenção. – Trabalhava no hospital mais importante do país e tinha um consultório. Eu era muito conhecido, por fazer cirurgia bem sucedidas e elaborar pesquisas. Só que a guerra começou e Hitler veio até a mim, pedir que eu me juntasse a sua equipe médica. Eu já sabia o que ele estava fazendo na Rússia e me neguei. Ele não insistiu. No entanto, ele me proibiu de ajudar refugiados e qualquer tipo de pessoa que fosse contra ele.
Passou algum tempo e vi o holocausto de perto. Pessoas morrendo, perdendo famílias inteiras, cidades sendo destruídas. Até que...resolvi ir contra as guerras. – Ele parou e respirou fundo. – Cuidei e abriguei judeus, órfãos e soldados feridos em minha propriedade. Como era bem afastada da cidade, ninguém percebeu o que eu estava fazendo. Continuei trabalhando na cidade e não levantava suspeitas. Só que... não demorou muito e Hitler descobriu. Minha casa fora bombardeada comigo e mais trinta pessoas dentro. – Laura estava tentando segurar o choro.
- A casa pegou fogo e algumas madeiras foram caindo do teto, e uma delas me pegou. A madeira estava em brasas. Sinto a queimadura em minha pele até hoje. Nem sei como consegui escapar. Só me lembro de ter parado em uma floresta e caí desmaiado.
Acordei meses depois em uma cabana perto das montanhas e escondida entre as árvores. Um casal de idosos haviam me encontrado e cuidado de mim durante todo esse tempo. Eles acharam que eu não sobreviveria. Mas sobrevivi. Quando me olhei no espelho, me vi como um monstro horrendo. Cheio de cicatrizes e queimaduras fortes. Eu mesmo não me reconhecia. – Laura podia sentir tristeza na voz dele e ela se encostou na mesa onde havia deixado o doce. – Eu estava prometido a viver preso naquela cabana com esta aparência. Até que eu lembrei do doutor Cuba, que residia aqui no Brasil e tinha trabalhado comigo. Mandei uma carta para ele, explicando tudo que me aconteceu e como resposta ele mandou dinheiro e pediu que eu viesse imediatamente para cá.
Comecei a viver aqui e ele me ensinou a língua de vocês.
- Então, foi você o desconhecido que ficou com a fortuna dele?
- Como ele não tinha herdeiros...deixou tudo para mim. – Laura estava em prantos. E foi até ele. Sentou-se ao seu lado e ele...olhava para frente. De repente, Laura pôs seus braços em volta do corpo dele, em um abraço.
- Eu sinto muito por tudo o que você passou. – Ela dizia em seu ouvido. – Você é herói. Salvou muitas vidas.
- E perdi outras mais naquela noite.
- Não pense no que você perdeu, pense no que você ganhou.
- Uma aparência horrenda.
- Um coração puro e uma cabeça em paz, sabendo que fez tudo que podia. E quando alguém lhe dizer que não és merecedor do amor, ignore. Pois você merece muito mais do que este indivíduo. – Laura tirou seus braços dos dele e depositou um beijo em sua bochecha. Limpou as lágrimas e retirou-se. Deixando Sebastian com sensação de alívio e que a moça poderia estar certa. Ele podia merecer amor. E melhor: podia ser daquela que agora o admirava.
E ele fará de tudo para conquistá-la e ganhar seu coração para sempre.

Marcas da GuerraOnde histórias criam vida. Descubra agora