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Ela não conseguia mais falar. A voz havia sumido aos poucos, a medida que as lembranças se tornavam mais reais. Era como se recebesse aquela cena, aquele dia. Podia sentir o toque dele na sua pele, a água do chuveiro escorrendo por entre as pernas.
Com o tempo as lágrimas começaram a cair; chuva fina sobre a neve rala que era a pele dela. Seus olhos escuros se tornaram lagoas negras e banhavam como ácido as bochechas avermelhadas. Sentia vergonha, sentia medo, sentia tristeza, mas acima de tudo, sentia nojo. De si e daquele vestiário. Daquelas lembranças e do fato de ter ido àquela festa idiota. Se sentia uma merda por ter confiado naquele imbecil, e se sentia traída pela melhor amiga, que insistira naquela idéia.

- Spencer eu... - ele queria falar alguma coisa, mas tinha medo de magoá-la. Acabou por escolher o silêncio do abraço, beijou sua testa e prometeu que tudo ficaria bem.

- Promete? - ela sussurrou baixinho, entre soluços.

- Prometo - ele respondeu, mesmo sabendo que nada ficaria bem...

Ele também estava chorando havia algum tempo - desde que ela havia começado a contar, na verdade -, e até agora não parara.
Depois de um tempo, os dois se levantaram, desceram as escadas e fecharam o alçapão a cima de si. Seis minutos depois, se viram sentados sobre o sofá, ainda com o rastro brilhoso das lágrimas pintado sobre suas peles; um caminho que vinha das maçãs do rosto e terminava no pescoço, quando entrava na gola da camisa e tomava rumos que ninguém até hoje descobriu.

- Não vamos mais falar sobre isso, ok? - ela olhou para ele com um dos sorrisos mais falsos que havia dado em toda a sua vida - Vamos... Apenas esquecer tudo isso - segurou a mão dele e encostou a cabeça em seu ombro.

Ele queria dizer que faria qualquer coisa para que eles se sentisse melhor - QUALQUER COISA! Ele queria dizer que embarcaria no primeiro avião para o Brasil e tiraria satisfações com aquele merda - mesmo sabendo que, na hora, teria um ataque de asma e provavelmente seria espancado por uma equipe inteira de jogadores de Lacrosse frequentadores assíduos de academia. Ele queria prometer à todo segundo que as coisas ficariam bem - mesmo se tivesse que mentir uma vez atrás da outra, apenas para fazê-la melhor. Ele queria muita coisa, para falar a verdade, mas o que saiu foi apenas um curto e rouco (que veio quase que imperceptível):

- Tá.

Amor em TorontoOnde histórias criam vida. Descubra agora