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Era um homem de sessenta e muitos anos, barba mal feita e cabelos por pentear. Morava à beira do riacho desde que o Campus havia sido construído, e vivia do salário miserável de lixeiro.

Neste dia, havia acordado como sempre. Vestiu as calças e ligou a cafeteirinha italiana no fogão. Pensava em qualquer coisa, fumava um cigarro que encontrou dobrado no bolso do casaco. Tragava a vida e a tratava como sempre; mal sabia que era esse seu último dia.

Quando chegou a noite, deitou na cama com os olhos marejados: a filha acabara de ligar. Perdeu o bebê que há dias atrás carregava na barriga. O pequeno feto - Marceline, se chamaria - nasceu sem vida, ensopado em sangue e tristezas. Nem ao menos viu a mãe soluçar de dor ao lado de seu corpinho frio.
Se tapou e descansou a cabeça grisalha no travesseiro. Quem disse que conseguiria dormir? A ansiedade lhe tirou o sono, resolveu sair para caminhar.

***

Estava do outro lado do Campus, longe de sua casinha maltrapilha e do imundo lago que a cercava. Caminhou devagar, levado por pensamentos e memórias distantes. Imaginava o que seria dali pra frente. Queria ver a criança crescer, se desenvolver, lhe dar amor... Mas agora tudo estava acabado.

O velho Barrens chegou a ala do Prédio B e se sentou em um banco ali ao lado. O vento correu, o fez tremer. Vestia apenas uma blusa fina, e deixou o frio tomar seu corpo como havia deixado a tristeza. Sentiu as facadas da perda. Que seria agora?!

- POR QUÊ?! - Gritou, com as mãos na cabeça e os pés fincados ao chão. Levantou a terra com os sapatos desgastados e a jogou ao ar.

Ao fundo, o prédio ardendo em chamas. Sentiu o frio passar e o calor surgir, passeando por si. Levantou e se aproximou do fogo. Se o visse de um todo, observando ao longe, era uma grande rosa vermelha tremulante na noite salgada.
Sr. Barrens estava horrorizado com a energia e espantado com a beleza que aquilo possuía. Tinha o poder de hipnotizá-lo, arrastá-lo para si. O homem velho aos poucos foi se aproximando, em seus olhos brotavam flores escuras e reflexos de luz. Os cabelos flamejantes, a pele se escurecia. Não houveram gritos.
Pouco a pouco, ele foi enterrado e engolido. Abraçado pelas chamas ardentes.
Assim partiu, em uma noite cinzenta e entre cinzas poeirentas, Mathew Barrens.

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