Na manhã seguinte ao meu pequeno desastre no parque, bem cedinho, ouvi o barulho da porta da sala sendo destrancada. Só uma pessoa no mundo tinha essa liberdade de entrar no meu apartamento a qualquer hora e sem ser anunciada pela portaria: minha mãe. Dona Laura me encontrou deitada no sofá de barriga para cima e com o pé machucado no alto de uma pilha de almofadas. Grandes e pequenas. Lisas e estampadas. Listradas e floridas. Uma floral, das pequenas, escondia o meu rosto da claridade que adentrava pela sacada, alcançando toda a extremidade do meu corpo.
— Elisa Maria de Sousa Meyer — quando a mãe diz o nosso nome completo é porque vem um esporro daqueles, não importa quantos anos você tenha. — Por que você não me avisou que tinha sofrido um acidente? — Ela perguntou com a voz ríspida. — Como você acha que eu fiquei quando me contaram? Quase tive um enfarte!
Continuei com o rosto embaixo da almofada. Identifiquei o som do molho de chaves deixado em cima da mesa de tampo de vidro. Escutei os seus passos cada vez mais pesados em minha direção. O arranhar agudo da cortina sendo aberta por completa. Seguido do deslizar abrupto e esganiçado da porta da sacada. E por último, mamãe arrancou sem dó numa mãozada à almofada do meu rosto. O clarão que recaiu sobre a minha face fez a vista embaçar por alguns segundos. Tempo suficiente para as maçãs, do meu rosto, ficarem quentes e rosadas. Ela sabia que isso, para mim, era uma verdadeira tortura. Mães sempre sabem nossos pontos fracos, sempre.
Quando o efeito do excesso de claridade passou, ergui os olhos para ela, que estava em pé ao meu lado. Minha mãe me encarava com a testa franzida e os braços cruzados. Deviam ter contado uma história daquelas estapafúrdias para ela, pois notei que estava apenas com um lado dos brincos e sem batom. Minha mãe não ia à padaria sem estar arrumada. Ela sempre foi bem vaidosa e deve ter saído às pressas de casa. Coisa rara vê-la de chinelos, shorts e camiseta, uniforme dos dias de faxina. O que evidenciava ainda mais a sua preocupação.
— Acidente? Oi? Que acidente? — Questionei, ainda com a voz rouca e sonolenta. — Esse povo está doído. Aliás, quem te falou isso?
Puxei a almofada da sua mão e cobri meus olhos novamente. Apontei, com o dedo indicador, para que fechasse a cortina. Ela atendeu o meu pedido.
— A filha da vizinha passou na confeitaria ontem e perguntou de você... — ela começou a contar como soube da história.
— Okay! Eu já entendi tudo — eu a interrompi. — O bom e velho disse me disse. Fulano que falou para ciclano que contou para beltrano. Faz favor, né, mãe.
Ajeitei-me no sofá. Ela se acomodou junto a mim e passou a mão no meu cabelo tentando arrumar no lugar uns fios rebeldes que estavam grudados na minha testa.
— Mas, filha, ela falou que você estava muito machucada — disse mamãe. — e eu te liguei umas trinta vezes como você não atendeu nenhuma vez...
— Ah! Eu só machuquei o pé enquanto corria ontem, só uns dias de repouso, relaxa — a acalmei fazendo um carinho no seu ombro. — Por isso que não avisei a senhora, não é nada demais. Olha, estou inteirinha.
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A Menina do Casulo
RomanceSINOPSE: Elisa Meyer é uma mulher solitária que guarda no corpo e na alma marcas de um passado cheio de traumas e mágoas. Ela nasceu com uma deformidade no rosto em decorrência de uma falha congênita, isso fez com que ela sofresse muitas agre...