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1993.

Quando somos crianças o lúdico faz parte das nossas vidas. Vivemos mil e uma aventuras na nossa imaginação. Inventamos mundos mágicos. Mundos coloridos. Mundos divertidos. Lugares onde podemos voar e temos superpoderes. Criamos histórias nas quais nós somos os nossos próprios heróis. E que sempre tem um final feliz. Mas, quando nos deparamos com a realidade percebemos que não estamos preparados para enfrentar os vilões, os monstros e as bruxas como nas nossas fantasias infantis. Porque, eles são muito mais cruéis no mundo real do que nos imaginários.

Cheguei a essa conclusão com apenas cinco anos de idade. Foi numa tarde em que eu brincava numa praça. Foi nesse dia que o meu mundo começou a perder a cor e a leveza da infância para dar lugar às várias camadas do meu casulo de proteção. Foi ali naquela praça que eu senti pela primeira vez medo, dor e tristeza. Foi ali que eu descobri o que era crueldade.

Naquela tarde, minha mãe estava em um raro momento de folga do trabalho. E eu estava eufórica por isso. Para mim, era tão bom poder estar na companhia dela; geralmente a gente se via pela manhã bem cedinho e no final da noite. As nossas tardes juntas eram preciosas, alegres e divertidas. Ela esquecia um pouco das minhas restrições médicas e eu me sentia completamente livre. Então aproveitei o máximo que pude.

Flutuei pelo ar de olhos fechados no balanço. Abri os meus braços e sorri ao descer no escorregador. Subi e desci na gangorra sentindo o vento no meu rosto. Pulei cada casinha da amarelinha desenhada no chão. Fiquei um pouco tonta no gira-gira e mesmo assim repeti. Eu estava toda serelepe com as minhas duas trancinhas presas com lacinhos vermelhos e macacão com desenhos de gatinhos.

Eu corria. Corria de um lado para o outro. Eu sorria. Sorria de tanta alegria. Minha roupa ficou repleta de carrapichos grudados em todos os cantos e eu não parei para tirá-los nem por um segundo sequer. Minhas tranças se soltaram e perdi um lacinho.

Minha mãe ora estava me acompanhando nos brinquedos ora me observava de longe enquanto conversava com conhecidos que passavam pela praça.

— Cuidado! Não corre muito — repetiu minha mãe várias vezes. — Você pode cair, Elisa. Devagar, filha!

Eu, é claro, não obedecia só pensava em brincar. E brincar.

Num banco próximo da onde eu estava havia duas mulheres sentadas, por volta dos 30 e poucos anos, elas cochichavam sem parar. Falavam baixo. Às vezes tampavam a boca com a mão. Eu já tinha reparado nelas, mas não dei muita atenção ou importância por estarem ali. Até que fui pegar uma bola que estava perto delas.

Agachei. Estiquei o meu braço embaixo de um dos bancos. Puxei a bola com a mão. Agarrei-a entre meus braços. Olhei para as duas mulheres no banco ao lado. Foi então que eu consegui ouvir o que elas estavam falando, ou melhor, de quem falavam.

— De perto a cara dela é mais estranha ainda — comentou a mais baixa das duas. — Credo!

— Pois não é, menina, já imaginou acordar no meio da noite e dar de cara com isso. — falou a mais alta. — Eu ia morrer de susto. Ia cair dura no chão.

— Ela deve ter algum problema, uma daquelas doenças na cabeça.

— É deve ser. O nariz dela não tem o osso?

— Eu reparei isso também, o nariz é todo espalhado, meio amassado, não é assim igual os nossos, é bem esquisitinha mesmo.

Disparei meu olhar delas para minha mãe que papeava com uma vizinha de costas para onde eu estava.

— Sabe, prefiro não ter filhos, se for para vir assim desse jeito eu não quero não. Além de feia ainda é doente.

— Deus me livre, criança doente dá muito trabalho. É complicado demais, isso aí deve depender da mãe para tudo. Tenho é dó dessa mãe que nem deve ter mais vida própria.

— Ah, mas até que o cabelo dela é bonito. Loirinho e todo cheio de cachinhos.

— Só o cabelo mesmo que salva porque o resto é todo estragado.

Elas riram com ar de deboche.

Naquele instante, abraçada com a bola, eu olhei para todos os lados, tentei encontrar na praça a criança de quem falavam, até que eu percebi que era eu mesma o alvo daqueles comentários maldosos entre aquelas duas mulheres. A bola, então, escorregou dos meus braços e rolou pela praça até encontrar a rua. Fiquei calada observando aquelas mulheres. Elas falavam e riam de mim. E eu paralisada ali diante delas. Fiquei triste. Meu semblante fechou. A minha alegria foi embora. Aquela tarde perdeu a cor. Não tinha mais ânimo para ficar ali. Parei de brincar. Parei de sorrir.

— Mamãe, vamu embóia — pedi puxando a sua mão. — Pufavô, mamãe!

Ela atendeu o meu pedido, sem perceber o que tinha acontecido ali, por estar entretida na conversa com umas conhecidas. Para ela eu estava cansada de tanto brincar. Permaneci o resto da tarde com a cabeça baixa e sem dizer uma só palavra. Não compreendia o significado das expressões daquelas mulheres, mas eu sabia que não eram coisas boas, porque senti um aperto no coração. Eu não sabia o porquê daquelas risadas, daquelas coisas que disseram sobre mim. Eu só sabia que tinham me deixado mal, muito mal.

Foi nesse dia na praça que eu descobri como as pessoas podiam ferir o outro usando uma das armas mais cruéis e poderosas que existem; a palavra. Uma palavra carregada de maldade que é dita por alguém não se desfaz no vento, não é esquecida com o tempo, ela nos aterroriza dia após dia, ecoando nas nossas mentes por toda a vida.


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A Menina do CasuloOnde histórias criam vida. Descubra agora