Naquela manhã, quando saí do encontro na Machado, senti que algo dentro de mim estava diferente. Falar, em voz alta, para aquelas pessoas sobre as coisas que me faziam mal foi libertador. Eu precisava muito colocar para fora todas as mágoas e dores que estavam acumuladas no meu peito. Era como se eu tivesse um grande novelo de linha cheio de nós dentro de mim. E nessa reunião eu encontrei a ponta dessa linha que estava perdida e desfiz o primeiro nó. Eu queria que eles soubessem como eu me sentia a cada brincadeirinha que era feita comigo e que não tinha a menor graça para mim. Desde então, ao invés de chorar eu sorrio quando lembro da escola. Um milagre após tantos anos de sofrimento. Claro que eu não me curei numa manhã, precisei do acompanhamento de um especialista por um bom tempo. Afinal, ainda havia muitos nós gigantescos a serem desatados.
Mas algo mudou em mim ainda naquela manhã de sábado. Sabe como eu sei houve uma mudança? Sei por que até aquela manhã eu nunca tinha me enxergado pelos meus olhos, entende? Eu sempre me vi do modo como os outros me diziam que eu era. Eu estava aprisionada dentro de mim e não sabia como eu era de verdade. Fiquei escondida por medo. Por tristeza. Por covardia. Por comodismo. Sei lá... Foram tantos os motivos que me levaram a formar o meu casulo. Ficar trancada em mim mesma me parecia a melhor opção. Era mais seguro.
Depois de décadas de aprisionamento, uma pequena parte desse alvéolo que eu criei estava se rompendo e esse rompimento aconteceu quando eu fiz algo pela primeira vez, de impulso... Sabe!?
Sem pensar. Sem imaginar. Sem planejar.
De repente, aconteceu. Do nada.
Eu estava sozinha na frente do espelho e vi uma fissura no casulo se abrindo. Uma rachadura se formando. Foi logo depois do banho enquanto eu penteava o cabelo. Neste instante, eu sorri. Sorri porque foi a primeira vez que me enxerguei. Pode parecer bizarro, ou difícil de acreditar, mas eu me vi pela primeira vez sim, ali diante do espelho. Ah! Para, alguém que nunca se olhou no espelho?! Conta outra! Que idiotice! Que balela!
Entretanto, é a mais pura verdade, eu não falo de observar uma espinha, um fio de cabelo branco ou retocar a maquiagem, porque esse tipo de coisa claro que eu já fiz algumas vezes. Na verdade, poucas. Raríssimas vezes, por não gostar do que via nele. Eu era o tipo de pessoa que passava longe de um espelho, muitas vezes eu tampava o meu rosto com as mãos quando tinha que passar na frente de um, tamanho o pavor que eu sentia de ver a minha imagem nele.
Aquele olhar foi diferente. Muito diferente. Foi mágico. Eu me vi, pela primeira vez, de um jeito que nunca me vi antes. Eu digo se encarar, sabe?! Olhar no fundo dos seus olhos refletidos na sua frente e enxergar muito mais que a sua aparência, não aquela capa que todos veem de você, aquela embalagem que está ou não no padrão. É você mesma, se ver de dentro para fora, ver a sua alma. Sim, a alma! E foi isso que aconteceu comigo naquele dia após o banho. Depois de voltar da reunião de ex-alunos da escola.
Confesso que até fiquei um pouco assustada. Passei a mão no espelho, no meu rosto nele, sem acreditar no que via ali. Não que a imagem fosse assustadora, não, ela não era. Só que eu estava diante da minha alma no espelho, não da minha alma exatamente, claro, mas do reflexo da minha alma ali na frente dos meus olhos. Meio confuso isso, não é? Porém, é o que aconteceu comigo.
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A Menina do Casulo
RomanceSINOPSE: Elisa Meyer é uma mulher solitária que guarda no corpo e na alma marcas de um passado cheio de traumas e mágoas. Ela nasceu com uma deformidade no rosto em decorrência de uma falha congênita, isso fez com que ela sofresse muitas agre...