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1994.

Era manhã de fevereiro de 1994, poucos dias haviam se passado do meu aniversário de sete anos. O sol brilhava imponente já nas primeiras horas do dia. As casas com portas e janelas ainda fechadas. Nas ruas viam-se poucos carros, algumas motos, de vez em quando, bicicletas passavam ao meu lado e uma ou outra pessoa andando nas calçadas. O comércio mostrava-se tímido. Eu brincava no meio fio, como se andasse numa corda bamba, trocando os pés com cuidado na linha imaginária que eu tinha formado na minha cabeça, como se embaixo de mim existisse um abismo, no qual eu não podia cair.

Abri os meus braços como asas de uma ave de rapina planando no ar, para me equilibrar no meio fio. Sentia, ao mesmo tempo, o vento e o calor que aquecia e refrescava o meu rosto. Calçava sapatos pretos e meias brancas. Vestia um conjunto amarelo de bolinhas pretas. Meus cabelos presos numa trança de lado e carregava nas costas uma mochila lilás, de gravuras de ursinhos. Nessa época, eu tinha feito apenas duas cirurgias: o enxerto no palato e o fechamento da abertura lateral no lábio superior. Esta da estética facial não tinha ficado muito boa; deixou uma cicatriz grosseira, com um volume alto e uma cor bem avermelhada. Ou seja, ela gritava sobre a minha pele clara. Meu nariz era achatado, sem o desenho das curvas na ponta e com o dorso largo, pois eu ainda não tinha feito nada nele. Meus dentes eram muito tortos, inclusive, eu tinha dois dentinhos a mais que nasceram mais próximos do céu da boca do que da arcada dentária, uma consequência da fissura labiopalatina. Ainda bem que ninguém podia vê-los, eles ficavam bem escondidinhos.

— Pegar carona nessa cauda de cometa, ver a Via-láctea, estrada tão bonita... — eu cantarolava eufórica enquanto pulava no meio fio.

Dobrei a esquina. Fiquei fascinada diante daquele enorme prédio verde. Finalmente, eu estava na escola. Só que ao chegar perto do portão, deparei-me com os mesmos olhares de surpresa e espanto de sempre. Parei de cantar. Meus olhos arregalaram-se. Meu sorriso murchou. Meus ombros caíram. Meu corpo pequeno contraiu-se, ficando ainda menor. Caminhei depressa, sem uma direção certa. A minha alegria inicial deu lugar a um ar de melancolia. Não demorou muito para que eu ouvisse aquelas palavras que não me eram estranhas, porém não esperava escutá-las na escola, já que eu imaginava que ali teriam pessoas educadas. Ou melhor, eu tinha uma pontinha de esperança de encontrar alguém como eu por lá. Mas, eu era a única que destoava da aparente normalidade das outras crianças. Acho que devia ter uma ponta de pioneirismo nisso, pois durante muitos anos da minha vida escolar, só eu era incomum naquele ambiente. Não havia alunos surdos, mudos, cegos, cadeirantes, downs... Eu nunca vi.

Dentro da escola eu só via crianças aparentemente perfeitas, e por elas não conviverem com quem não estava no padrão, rejeitavam qualquer um que fugisse do comum. Em muitos casos você ser o único em alguma coisa é vantajoso e pode te trazer muitos benefícios, já em outros é um tormento. Como era o caso. Apesar da Constituição Federal de 1988, no seu artigo 208, já prever o dever do Estado no atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino, não era assim que funcionava. Não, não.

A Menina do CasuloOnde histórias criam vida. Descubra agora