Capítulo 3

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Passei pela portaria do condomínio e sinalizei para o porteiro, um rapaz simpático e prestativo.

- Como vai, senhor Bernardi?! Muitos pacientes hoje?

O nome dele era Wagner e ele sempre me perguntava isso. Todos os dias. Descobrira que eu atendia pacientes e, ainda que não compreendesse qual era meu real trabalho, adorava se mostrar interessado em minha rotina. Possivelmente, isso acontecia porque eu lhe dava um dedo de atenção e prosa, enquanto que a maioria dos moradores limitava-se a esperar que ele abrisse a cancela.

- Nem me fale, estou cansado – eu respondi. – Obrigado!

Entrei no condomínio e dirigi até a garagem de casa. Havíamos nos mudado para lá há três anos; a família que originalmente construíra a casa tivera que se mudar às pressas para o Rio, de modo que, desde o início, eu a Sílvia consideramos a oportunidade de investir no imóvel um verdadeiro presente.

Apanhei as sacolas, acomodadas ao meu lado, no banco do passageiro, e, trôpego, abri a porta. A sala de estar cheirava a ovo frito e bacon, sinal de que Nataly havia testado seus dotes culinários.

- Nataly! – chamei.

Tive a nítida sensação de sentir o perfume de Sílvia no ar. Olhei para o relógio digital sobre o balcão da cozinha, que marcava sete e meia. Não; ela não estava em casa.

Chamei por Nataly novamente, e estava pronto para chamá-la uma terceira vez quando a vi surgir no topo da escada. Usava uma blusa de zíper com capuz, uma blusinha e shorts jeans curto. Seus cabelos pretos estavam desalinhados e o batom em seus lábios estava borrado. Ao seu lado, seu mais recente namorado, um menino com físico hipertrofiado chamado Malcom. Ele estava sem camisa e de bermudas; em seu pé, identifiquei meus chinelos de dedo.

- Estavam se divertindo aí em cima? – perguntei, sorrindo.

- Qual é, pai? O Malcom estava tomando banho. Ele malhou hoje à tarde e veio direto para cá. Emprestei seus chinelos para ele.

Tive vontade de perguntar se ela, minha filha única de 16 anos, também estivera com ele sob o chuveiro, nua. Ou, ainda, se aproveitara que estava sozinha com sua nova conquista para dar uns amassos sob meu teto.

- Trouxe o que pediu – eu disse. – E algumas coisas a mais. Trouxe isto também.

Joguei para ela o pequeno pacote de absorventes, e ela pareceu sem graça. Estranho como os adolescentes desejam ser adultos, mas se sentem ruborizados com coisas tão comuns ao universo das pessoas maduras.

- Preparei um ovo. Achei que você não chegaria em casa hoje – Nataly disse, puxando Malcom pela mão e se dirigindo à sala.

- Tive um contratempo – expliquei. – Quer que eu prepare alguma coisa?

- Eu já comi, mas Malcom vai jantar com a gente – e, virando-se para o namorado, disse: - Meu pai cozinha bem. Aliás, ele faz duas coisas bem: cozinhar e ouvir problemas dos outros. Claro que, quando é comigo, ele não tem a mesma paciência.

Dirigi a ela um sorriso sem graça, tirei o paletó e abri o armário das bebidas. Preparei uma dose dupla de uísque; do cogelador, tirei a bandeja de gelo e peguei duas pedras. Misturei o malte e o gelo usando o dedo e bebi. Gradualmente, meus músculos pareciam relaxar.

- A mãe vai demorar? – perguntou Nataly. Ela estava sentado no colo do namorado, agarrada ao pescoço dele como se fosse um tipo de parasita. Possivelmente, fazia isso para me impressionar, ou para me causar desconforto.

O MonstroOnde histórias criam vida. Descubra agora