SEGUNDO DIA - 22 DE AGOSTO
A primeira noite daquilo que se tornaria um novo e último estágio em minha vida foi recheada por pesadelos. No mais aterrador eu matava um homem a pauladas; as súplicas por piedade eram totalmente ignoradas por mim, que continuava acertar o sujeito até que seu rosto se tornasse uma massa disforme. Então, quando abria os olhos e me via coberto de sangue, notava que o homem havia se transformado em um animal parecido com um touro.
Contudo, o fato de ter matado um animal, e não um ser humano, não diminuía minha aflição; o cheiro pútrido de sangue e morte retornava e impregnava meus poros. Minha última ação foi olhar em direção aos céus e iniciar uma oração, mas, sobre mim, pairavam os olhos miúdos e fundos da velha mendiga que me abordara no supermercado.
Acordei banhado em suor, apesar de a noite ter sido agraciada com o clima fresco de agosto. Olhei para o lado e conferi a silhueta curvilínea de Sílvia; seu tronco coberto pelo lençol, as curvas do seu quadril, suas pernas bem torneadas.
Arrastei-me para junto dela e abracei-a por trás. Seu corpo estava quente e convidativo. Usando o cotovelo, ela me afastou, resmungando algo como "me deixa dormir".
Virei para o outro lado e conferi a hora no celular: cinco e quinze. Pulei da cama e tomei um banho demorado. Apesar de Alberto ter me apresentado provas bastante consistentes de que minha esposa era infiel, ao olhar para ela eu não conseguia acreditar nessa possibilidade. Mas era inegável que a dúvida, ou a minha incapacidade momentânea de aceitar a verdade, estavam me rasgando por dentro.
Vesti calça e camisa e escolhi um paletó limpo de tom chumbo. A cor combinava bem com meu estado de espírito, pensei.
Beijei a testa de Sílvia e cochichei que era hora de se levantar. Esticando-se, ela assustou-se ao conferir o horário.
- Meu Deus! Estou atrasada! – falou, saltando da cama. – Por que não me acordou?
- Eu desliguei o despertador do celular. Você estava tão bonita dormindo, e eu...
- Você quer sabotar meu emprego, Edu? – perguntou, arrancando a camisola por cima da cabeça e caminhando, nua, apressadamente para o banheiro – Você nunca fez isso!
- Isso o quê? – estranhei.
- Desligar o despertador. É tão dedicado aos horários quanto eu - ela respondeu. – Que merda! Não conseguirei nem lavar a cabeça.
Para ser sincero, eu não me recordava de ter desligado o despertador. Realmente Sílvia era uma mulher linda – tanto dormindo, quanto acordada – mas a desculpa de que ela estava bela ressonando em sono profundo foi a primeira coisa que me veio à cabeça quando ela me colocou contra a parede.
Além disso, eu sabia que ela tinha razão; ambos éramos extremamente responsáveis com horário de trabalho e agenda.
- Vou levar bronca e a culpa será sua! – ela continuou falando, tendo a voz abafada pelo barulho da água espocando contra o chão. – Que merda!
- Me desculpe, querida. Eu realmente... – engoli as palavras e mordisquei os lábios. A quem estava querendo enganar? Meu íntimo deliciava-se com a ideia de que Sílvia seria retalhada pelo seu novo amiguinho de motel, o tal belgo-francês, por ter se atrasado para um dia pesado de trabalho.
- Outra coisa – disse ela, saindo esbaforida do banheiro. – Eu havia prometido levar Nataly ao shopping comprar um presente para a Hanna hoje. Mas não vai dar. Não tenho horário para chegar em casa, mas, também, não quero despontá-la. Você poderia...?

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O Monstro
Детектив / ТриллерO que você faria se soubesse que tem somente sete dias de vida, e tivesse acabado de descobrir que sua esposa é infiel? Meandros da mente humana e o potencial destrutivo que todos possuímos são abordados em "O monstro", publicado exclusivamente no...