Capítulo 10

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 - Cadê Nataly? – perguntei, ao notar que Sílvia estava sozinha. – Preciso falar com ela.

Naquele instante, uma sensação incontrolável de culpa assolou meu peito. Eu havia batido em minha filha, algo que nunca acontecera. Sentia como se tivesse acordado de um transe; não fazia ideia do tamanho do possível estrago que havia causado, e se Nataly estava ferida ou não.

- Ela está na casa de Hanna. Achei melhor deixá-la lá. Amanhã elas irão à escola juntas e depois dou um jeito de buscá-la no colégio.

- O que está querendo dizer, Sílvia? – perguntei, sentindo um nó crescer na garganta.

- Nada – ela jogou a bolsa a tiracolo sobre o sofá e sentou-se. – Ela só não quer te ver, e achei melhor respeitá-la. Depois do que aconteceu, nem posso culpá-la por sentir raiva.

- Sílvia, eu...

Eu tentei justificar, mas simplesmente as palavras não saíram.

- Edu, não sei o que está havendo com você – ela começou. – Sei que está doente, e sei que precisa de apoio. Somos sua família e estamos aqui. Eu sei que você não é esse homem que, hoje, está aqui, diante de mim. Eu só gostaria de saber no que está pensando e o que realmente teme. Eu te conheço há mais de 20 anos e nunca te vi agir dessa maneira.

Cocei a testa. Eu não sabia o que dizer. Culpa ou liberdade? Qual caminho eu decidiria seguir?

- Você quer me dizer algo? – ela perguntou, lançando-me um olhar de piedade.

Então, de repente, eu tive a noção exata do que deveria ser feito. Lembrei-me do monstro de que a velha que ali estivera há pouco me falara, e pensei nos efeitos que ele poderia causar se eu decidisse alimentá-lo nos dias que me restava.

- Eu vou embora desta casa, Sílvia – falei. – Estou indo embora hoje mesmo.

Apressado, pus-me a subir as escadas. Eu sentia um impulso quase irracional para deixar aquela casa o quanto antes.

- Edu, você está doente! – a voz de Sílvia soava às minhas costas. – Não pode ficar sozinho! Além disso...

Notei que ela hesitou antes de prosseguir.

- Além disso, não pode ir embora, assim, simplesmente!

Parei no topo da escada e me virei para Sílvia. Ela estava no pé da escadaria e me olhava com assombro.

- Por favor, me deixa em paz – pedi. – Nem mesmo eu estou me reconhecendo.

- Edu!

Cheguei até o quarto e, abrindo o maleiro e tirei de lá uma de nossas malas de viagem. Sem qualquer critério, abri as gavetas e lancei para dentro algumas cuecas e pares de meias. Fiz o mesmo com camisetas; escolhi duas calças e quatro camisas, fiz uma dobra e guardei.

- Edu! – repetiu Sílvia, parada junto à porta do quarto.

- Eu já pedi – falei. – Me deixe em paz.

Fechei a mala e puxei o zíper.

Saia daqui. Saia daqui o quanto antes, algo gritava, dentro de mim.

- Saia da frente, Sílvia. Por favor, eu não quero...

- Edu, me escute antes – Sílvia segurou a alça da mala, tentando me forçar a largá-la. Na tentativa de me desvencilhar, toquei sua mão e senti o calor e suavidade de sua pele. Repentinamente, todos os poros de minha pele pareciam transpirar vida, numa atração irresistível que me fazia desejar mergulhar em seu corpo e possuí-la.

O MonstroOnde histórias criam vida. Descubra agora