Capítulo 7

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Tudo aconteceu de modo muito insólito. Fechei os olhos e, segundos depois, reabri. O que para mim pareceu um mero piscar, equivaleu a duas horas de sono profundo sobre o tapete de meu consultório.

Ergui levemente a cabeça e conferi meu estado; ainda usava a camisa aberta até a altura da barriga e estava nu da cintura para baixo.

- Meu Deus... aquilo foi real? – balbuciei, tocando o chão à procura de apoio para me levantar.

Cambaleante, caminhei até minha mesa, ao lado da qual estava minha calça. Conferi o horário; sete e quinze. Lembrei-me que havia combinado de levar Nataly ao shopping.

- Puta merda!... – praguejei, esfregando a testa. Minha cabeça doía; era como se eu tivesse acabado de acordar de uma espécie de transe.

Vestido, tateei entre os papéis e pastas que haviam sido lançados ao chão quando eu e Flávia nos atracamos sobre a mesa. Encontrei o aparelho perto da estante e conferi as ligações. Havia cinco chamadas perdidas de Nataly e um recado na caixa postal.

Eu te odeio! Vá pro inferno! – dizia a última mensagem, gravada às sete.

Suspirei. Não havia o que dizer; eu teria que me justificar a ela, tentar explicar o que houvera. Obviamente, eu não poderia dizer a verdade, mas tinha tempo para inventar uma boa desculpa. Além disso, se ambos nos esforçássemos, haveria tempo de irmos até o shopping e comprarmos o presente de Hanna. Sim, o perfeito programa entre pai e filha.

Meu pensamento mudou o foco; deixou a intransigência pueril de Nataly de lado, e concentrou-se em Flávia. O que eu havia feito? Pelo que me lembrava, ela havia deixado o consultório transtornada; não pelo que havíamos feito, mas pelo que eu havia dito.

- O que eu disse a ela? – perguntei, em voz alta, coçando sobre as sobrancelhas. Não me recordava, mas sabia que fora algo ruim.

De repente, fui tomando por uma sufocante sensação de culpa e arrependimento. Meu peito estava constipado pela angústia e uma forte náusea me acometeu. Corri até o lavabo e vomitei. Depois, vomitei mais. Sentado no chão, procurei o número de Flávia na agenda digital e disquei. Ela disse que o marido viajaria; eles quase nunca estavam juntos, senão em ocasiões sociais.

Na primeira vez, tocou até cair na caixa postal; depois, na segunda tentativa, ela atendeu no primeiro toque.

- O que você quer? – ela perguntou. Qualquer tipo de respeito, cumplicidade ou admiração típica do relacionamento terapeuta-paciente sumira. – Ainda tem coragem de me ligar?

- Flávia, olha, me desculpe – eu falei, quase num murmúrio. – Eu estava fora de mim. Não sei por que fiz aquilo, mas...

- Não sabe? Quer dizer que esqueceu, ou não quer lembrar, que horas atrás você estava em cima de mim, usando sua mesa como cama?

- Não, não é isso – falei, pensando em algo melhor a ser dito. – Eu me lembro. Pelo menos, me lembro de quase tudo. É que... olha, a relação terapeuta-paciente é algo delicado. Sei que, no nosso caso, será impossível eu voltar a atendê-la, mas, antes de tudo, quero me desculpar.

Depois de um breve silêncio, Flávia falou:

- Se desculpar pelo quê? Pela transa ou por ter me enxotado da sala?

- Na verdade, pelos dois – eu disse. – Eu sou casado, Flávia. Sei que você é uma mulher muito atraente, e que pode ter qualquer homem que quiser, mas nossa condição... nosso relacionamento... não permite que tenhamos tal... liberdade. Enfim, eu só queria me desculpar.

O MonstroOnde histórias criam vida. Descubra agora