Capítulo 16

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- O que houve com você? – perguntou minha mãe, semicerrando os olhos e me analisando dos pés à cabeça. – Está magro, abatido... E sua barba? Há anos você tem barba! O que houve com ela? Por que raspou?

Minha primeira impressão foi a de que minha mãe não esperava me ver. Parecia estar diante de uma assombração ou algo pior. Sim, a sensação era a de que ela não desejava me encontrar – não ali, naquele momento, e não aquela forma. Um pensamento febril me passou pela cabeça; o de que ela sabia o que eu havia feito a Sílvia e que já havia conversado com a polícia e com o tal delegado Okubo de que Alberto falara.

Suspirei e tentei manter o foco. Eu precisava da atenção dela.

- Mãe, desculpe interromper sua aula de pilates, mas preciso de sua ajuda – falei. – Eu não viria se não fosse urgente.

- Sei disso – ela disse, resmungando. – É preciso estarmos à beira de uma guerra mundial para você se lembrar de visitar sua mãe. Aliás, sua irmã é igual. Criamos filhos, eles crescem, e se tornam ingratos.

Notei seus músculos relaxarem e sua fisionomia se destensionar.

"Estou imaginando coisas? Ou ela sabe de algo?", refleti.

- Mãe, – suspirei – será que podemos sair daqui?

Ela ainda me analisava; sua fisionomia havia readquirido os contornos de preocupação.

"Ela seria capaz de me entregar? Seria capaz de entender e perdoar o que fiz, mesmo sendo minha mãe?".

- Eduardo, você está doente? – perguntou, por fim, dando alguns passos em minha direção.

- Mais ou menos isso. Quer dizer... – mordi os lábios enquanto escolhia a palavra adequada. – Olha, vamos sair daqui, ok? Por favor.

Dona Maria arrumou a alça da mochila sobre o ombro esquerdo e caminhou para fora. Eu a segui em silêncio; fiz menção de abraçá-la, mas me contive. De repente, rebobinando o passado em velocidade ultrassônica, lembrei de que havia muito que eu não abraçava minha mãe.

- Ontem fiz bolo de nozes – ela dizia, enquanto caminhava. – Lembro que era o seu preferido. Sua irmã gosta do que banana. E de fubá. Passei café fresco e tudo mais. Mas tive que tomar tudo sozinha.

Paramos diante do carro. Abri a porta do lado do passageiro e dei passagem para que ela entrasse.

- Ainda falando sobre o bolo – prosseguiu – parece que eu estava adivinhando que você apareceria. Não é estranho? Fiz seu bolo favorito ontem, e você aparece hoje, depois de não sei quantas semanas sem dar o ar da graça. Nem parece que moramos na mesma cidade.

"Por que ela está dizendo isso? Por quê? Quer desviar minha atenção? Camuflar o nojo que sente do próprio filho?".

Fechei a porta com cuidado, cuidando de esperar minha mãe terminar seu monólogo. Dei meia-volta no carro e sentei-me diante do volante.

- Para onde vamos? – ela perguntou de repente, me encarando.

Verdade. Eu não havia pensado nisso; aonde iríamos.

- Como assim? Não sabe para onde vamos? – minha mãe perguntou, rindo. – Você me convidou para um passeio, se lembra?

- Falei que precisava conversar, não... – segurei o volante com força. – Ok, a senhora venceu. Tem alguma sugestão de onde podemos conversar com privacidade?

- Oras! – ela exclamou. – Minha casa, onde mais?!

Não era exatamente o que eu desejava. Podia estar sendo paranoico, contudo, temia que a polícia estivesse vigiando a casa de minha mãe, considerando-a como um dos locais óbvios a que eu recorreria caso precisasse.

O MonstroOnde histórias criam vida. Descubra agora