Capítulo 19

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SÉTIMO DIA - 27 DE AGOSTO


Meu corpo estava imerso em puro torpor e a dificuldade entre distinguir entre o real e o imaginário aumentava. Diante de meus olhos, cenas retalhadas de minha infância, adolescência, juventude e vida adulta se sobrepunham; minha formatura na faculdade, o ingresso na pós-graduação em Psicanálise; as festas universitárias; o primeiro encontro com Sílvia.

Gradativamente, sentia minha pele perder o contato com o solo, como se meu corpo começasse a levitar. Meus lábios formigavam e eu já não sentia meus membros.

- Eduardo?

A voz veio do escuro, do nada. Fosse quem fosse, parecia estar acima de mim, me observando. Então, em meio ao breu, dois pontos azuis bastante brilhantes se destacaram.

- Eduardo, está acordado? – repetiu a voz.

O traçado oval foi lentamente delineando um rosto, que emergiu das sombras até se materializar diante de mim. Nele, estavam cravados dois grandes e belos olhos azuis-piscina. Era uma face de uma mulher jovem de pele jambo; cabelos levemente ondulados lhe caíam sobre a testa estreita.

- Eu nem sei se estou vivo... – murmurei, com dificuldade.

- Ah, sim, você está vivo! – disse a moça. – Não se lembra do que houve?

Balancei a cabeça negativamente. A voz a jovem era doce e delicada, e era o único som a quebrar o total silêncio à minha volta.

- Onde estou? – perguntei. – Não sinto minhas mãos; meu peito está queimando. Acho que...

Com muito custo, consegui mexer os dedos das mãos, erguendo-os alguns centímetros do chão.

- Acho que estou morto.

Sete dias. Lembrava-me de ter perguntado a hora à velha; ela me disse que faltavam alguns minutos para a meia-noite. Eu não fazia ideia de quanto tempo eu estivera descordado, mas certamente já havia entrado no sétimo dia; isso significava que meu tempo tinha acabado.

- Eu gostaria de encontrar minha mãe e minha filha; Nataly. Você sabe onde ela está?

A moça contraiu os músculos da face, como se refletisse sobre minha pergunta.

- Acho que Nataly não quer ver você – ela disse. E, abrindo um sorriso, falou de modo quase infantil: - Não se lembra mesmo do que houve? Quero dizer, não sabe onde está, nem por que está aqui?

De novo, chacoalhei a cabeça negativamente.

- Eu só sinto muita saudade. Saudade de minha mãe, saudade de Nataly.

Olhei para o lado, girando levemente a cabeça; a moça estava sentada próxima a mim, com as pernas cruzadas. Usava um vestido folgado e florido, e a pele de seus ombros nus parecia suave e macia como um pêssego.

- Quem é você?

- Não se lembra disso também?! – ela riu, tapando a boca com a mão. – Eduardo, quanto você bebeu?

Bebi? Eu não lembrava de ter bebido. Mal sabia onde estava. Tudo ao meu redor estava tomado por um breu, me impedindo de ver qualquer coisa, senão a moça morena sentada ao meu lado.

- Eu não bebi – falei.

- Ok! Você não bebeu! – ela disse, ainda sorrindo. – Todo bêbado fala isso; coisa incrível!

O MonstroOnde histórias criam vida. Descubra agora