SÉTIMO DIA - 27 DE AGOSTO
Meu corpo estava imerso em puro torpor e a dificuldade entre distinguir entre o real e o imaginário aumentava. Diante de meus olhos, cenas retalhadas de minha infância, adolescência, juventude e vida adulta se sobrepunham; minha formatura na faculdade, o ingresso na pós-graduação em Psicanálise; as festas universitárias; o primeiro encontro com Sílvia.
Gradativamente, sentia minha pele perder o contato com o solo, como se meu corpo começasse a levitar. Meus lábios formigavam e eu já não sentia meus membros.
- Eduardo?
A voz veio do escuro, do nada. Fosse quem fosse, parecia estar acima de mim, me observando. Então, em meio ao breu, dois pontos azuis bastante brilhantes se destacaram.
- Eduardo, está acordado? – repetiu a voz.
O traçado oval foi lentamente delineando um rosto, que emergiu das sombras até se materializar diante de mim. Nele, estavam cravados dois grandes e belos olhos azuis-piscina. Era uma face de uma mulher jovem de pele jambo; cabelos levemente ondulados lhe caíam sobre a testa estreita.
- Eu nem sei se estou vivo... – murmurei, com dificuldade.
- Ah, sim, você está vivo! – disse a moça. – Não se lembra do que houve?
Balancei a cabeça negativamente. A voz a jovem era doce e delicada, e era o único som a quebrar o total silêncio à minha volta.
- Onde estou? – perguntei. – Não sinto minhas mãos; meu peito está queimando. Acho que...
Com muito custo, consegui mexer os dedos das mãos, erguendo-os alguns centímetros do chão.
- Acho que estou morto.
Sete dias. Lembrava-me de ter perguntado a hora à velha; ela me disse que faltavam alguns minutos para a meia-noite. Eu não fazia ideia de quanto tempo eu estivera descordado, mas certamente já havia entrado no sétimo dia; isso significava que meu tempo tinha acabado.
- Eu gostaria de encontrar minha mãe e minha filha; Nataly. Você sabe onde ela está?
A moça contraiu os músculos da face, como se refletisse sobre minha pergunta.
- Acho que Nataly não quer ver você – ela disse. E, abrindo um sorriso, falou de modo quase infantil: - Não se lembra mesmo do que houve? Quero dizer, não sabe onde está, nem por que está aqui?
De novo, chacoalhei a cabeça negativamente.
- Eu só sinto muita saudade. Saudade de minha mãe, saudade de Nataly.
Olhei para o lado, girando levemente a cabeça; a moça estava sentada próxima a mim, com as pernas cruzadas. Usava um vestido folgado e florido, e a pele de seus ombros nus parecia suave e macia como um pêssego.
- Quem é você?
- Não se lembra disso também?! – ela riu, tapando a boca com a mão. – Eduardo, quanto você bebeu?
Bebi? Eu não lembrava de ter bebido. Mal sabia onde estava. Tudo ao meu redor estava tomado por um breu, me impedindo de ver qualquer coisa, senão a moça morena sentada ao meu lado.
- Eu não bebi – falei.
- Ok! Você não bebeu! – ela disse, ainda sorrindo. – Todo bêbado fala isso; coisa incrível!
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Monstro
Mystère / ThrillerO que você faria se soubesse que tem somente sete dias de vida, e tivesse acabado de descobrir que sua esposa é infiel? Meandros da mente humana e o potencial destrutivo que todos possuímos são abordados em "O monstro", publicado exclusivamente no...