Capítulo 5

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Deixei o consultório aos cuidados de Tainá e saí. Pensei que ar fresco e um pouco de estrada me fariam bem. Antes, porém, havia um lugar em que eu precisava voltar.

Entrei no estacionamento do supermercado e procurei por uma vaga. Estava perto das dez da manhã, e, por ser uma sexta-feira, as pessoas pareciam estar preocupadas em enchera dispensa, de modo que foi difícil encontrar um vaga.

Avistei um utilitário manobrando e dei seta. Logo, embiquei na vaga livre e arrumei o carro. Não sabia se aquela senhora fazia algum tipo de ponto na passarela do estacionamento, mas eu não tinha escolha; tinha que arriscar, se quisesse respostas.

Caminhei alguns metros, desviando os outros veículos que procuravam por uma vaga. Meus olhos percorriam todo o local; atrás das colunas, entre os caros estacionados. Decidi refazer o caminho e dirigi-me pela passarela que interligava o estacionamento coberto à entrada do estabelecimento. Bem no acesso à faixa de pedestres que dava acesso à porta automática, vi a velha mulher sentada; ao seu lado, uma sacola surrada e o mesmo viralata de antes.

Apertei os passos, caminhando apressadamente em sua direção. Ao que tudo indicava, ela não havia me visto; ou, se me vira, não me reconhecera.

- Senhora – eu disse, parando ao seu lado. – Lembra-se de mim?

Ela virou o rosto para mim e estreitou a visão, semicerrando os olhos miúdos. Então, notei que, a despeito de sua pele mulata, a mulher tinha olhos claros; azuis de um bom belíssimo, tão claros que davam a sensação de estarmos mergulhando em água cristalina.

- Claro que me lembro, senhor – ela disse, abrindo um sorriso espontâneo. – Também me recordo perfeitamente da conversa que tivemos.

- É sobre isso que desejo falar – eu disse. – Para ser franco, a senhor me deixou encafifado.

- Achei que não acreditasse nessas coisas – ela falou, soltando uma risada fina e afetada.

- E acho que ainda não acredito. Porém...

Mordi os lábios e escolhi as palavras.

- Porém, algumas... coisas... têm acontecido comigo. Para ser franco, as últimas 12 horas foram as piores de minha vida.

Ela me fitou novamente com seus olhos azul-piscina.

De onde conheço esses olhos?

Naquela hora, tive a nítida sensação – mais do que isso, tive a certeza – de que aqueles olhos, duas pedras azuis cravadas num rosto jambo e judiado, me eram conhecidos.

- Podemos conversar? Eu pago um café para a senhora. Certamente, não comeu nada hoje, não é? – propus.

A mulher deu um suspiro longo. O cão aninhou-se ao seu lado, escondendo o focinho sob sua perna.

- Acha que me pagar uma refeição vai lhe dar mais tempo de vida?

- Não... – murmurei. – Não foi isso que quis dizer.

Respirei fundo; eu tinha que fazer aquilo.

- Olha, eu gostaria que lesse minha mão novamente. Não sei como esse tipo de coisa funciona; se é mágica, crendice, ou se a senhora consegue mesmo ler minha mente. O que sei é que estou doente; me sinto péssimo e...

- Filho, me dê sua mão direita – pediu a mulher, estendendo-me sua mão magra e calejada. – Isso, coloque sua mão na minha.

Obedeci.

O MonstroOnde histórias criam vida. Descubra agora