Capítulo 14

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No estudo da Psicanálise, é comum nos depararmos com o que chamamos de Complexo de Édipo. Basicamente, essa teoria, criada por Freud, é mais complexa quando analisada sob a óptica da mulher; ou seja, o menino tem a mãe como objeto de desejo e o que Freud chama de castração ocorre uma única vez. Já a menina é obrigada a passar por esse processo rapidamente, quando, na fase da identificação sexual, ela descobre que não possui o falo (assim como sua mãe) e quem o detém é o pai (homem). Então, rompe com a mãe para se identificar com o pai.

Permaneci muito tempo refletindo sobre a base dessa teoria freudiana enquanto fazia campana diante do conjunto de quitinetes em que Nataly estava com o namorado. Na verdade, tratava-se de um tipo de análise corriqueiro a que submetia meus pacientes, já que, aparentemente, quase todos os problemas (ou os mais complexos deles) nasciam na fase do desenvolvimento sexual. Tamborilava os dedos sobre o volante ao analisar o caso de Nataly; houve uma época em que ela era minha princesinha. A menina do papai, um anjo na Terra, que corria em minha direção quando eu voltava para a casa. Então, quando foi que esse encanto se rompeu?

Repetia mentalmente, e de modo doentio, essa pergunta. Quando minha filha se tornara minha inimiga? Quando passou a me odiar? Por que isso acontecera e, pior, por que eu, como profissional, não percebera nosso distanciamento e deixara as coisas desandarem?

A menina que há alguns minutos estivera diante de mim não era Nataly. Era qualquer outra coisa, menos a filha que eu colocara no mundo. Era nisso que eu precisava acreditar para conseguir matar qualquer vestígio de vínculo que havia entre nós. Eu era uma nova pessoa; e, ela, alguém totalmente estranha.

Estreitei a visão, semicerrando os olhos, quando vi Nataly e seu namorado acéfalo saírem da quitinete número 5 e, abraçados, caminharem pela calçada em direção ao centro da cidade. Deduzi que pegariam um ônibus e iriam até o condomínio; depois de deixar Nataly em casa, o imbecil apanharia novamente uma condução em direção à sua casa. Sim, fazia sentido perfeitamente. Era só uma questão de controlar a ansiedade e esperar.

De carro, percorri quatro quarteirões até o ponto de ônibus, onde o casal esperava pela condução. Nataly parecia ansiosa; falava e olhava insistentemente para o relógio, como se desejasse empurrar os ponteiros até o horário do ônibus.

Finalmente, o veículo estampando o logotipo da viação municipal surgiu e estacionou junto ao ponto; Nataly entrou primeiro, seguida de garotão acéfalo. Tudo o que tive que fazer a seguir foi acompanhar ônibus até o ponto que ficava em frente à portaria do meu condomínio. Obviamente, estacionei a alguns metros de distância, de modo a não ser reconhecido pelos porteiros, sobretudo por Wagner, com quem costumava bater papo.

Nataly caminhou até o portão, e, aparentemente, disse algumas palavras duras ao grandalhão anabolizado. Ele abria os braços e tentava argumentar, mas Nataly ficava mais e mais nervosa. Eu não podia imaginar o motivo de tal discussão, já que, há pouco mais de uma hora, eles pareciam um belo casal de pombinhos.

Então, Nataly passou sozinha pela portaria, deixando seu namorado orangotango para trás. Em pé, ele permaneceu algum tempo olhando fixamente em direção de Nataly, e, quando finalmente cansou, fez o caminho de volta até o ponto de ônibus. Tirou o celular do bolso e, conectando fones de ouvido, ocupou-se ouvindo música.

"Então, é agora que o pombinho voa de volta ao ninho", pensei, passando a língua pelos lábios, como se saboreasse a execução do meu plano. "Não importa o quanto demore, hoje, você é meu".

Cerca de quinze minutos foi o tempo de espera; o ônibus estacionou e o idiota subiu juntamente com um grupo de pessoas, quase todas funcionárias do condomínio.

O MonstroOnde histórias criam vida. Descubra agora