Capítulo 2 - Artur

391 8 6
                                    

Dor aqui, dor ali. Foi assim que Artur começou a recobrar a consciência, deitado de boca na terra. Tentou mexer o braço e sentiu a pele ralada arder em contato com a sujeira do chão. Abriu os olhos, piscou e, ainda com medo de se mexer mais, tentou se localizar.        

Pelo que pode entender, estava caído no meio de um círculo de terra batida e marrom escura. Mas, a sua volta, haviam árvores com a copa cheia de folhas verdes que balançavam tranquilamente de acordo com o suave ritmo do vento. 

Aos poucos, a consciência do que tinha acontecido começou a voltar, também. O dia de pesca, o lago, a canoa, a mãe, e ele sendo jogado pelos ares. Teria ficado muito tempo ali? Minutos, horas, dias? Precisava encontrar a mãe, isso sim era mais importante que essas perguntas, concluiu.  E essa conclusão lhe deu forças pra mexer um braço e depois o outro. As dores musculares apareceram, porém não tão intensas quanto ele esperava, o que foi um alívio. Conseguiu, finalmente, se sentar.

Estava sujo, era óbvio, e podia ver os joelhos e cotovelos ralados, filetes de sangue vermelho se sobressaindo em meio ao marrom da sujeira. Aparentemente não era nada grave e apesar de ter pensado vagamente que os machucados poderiam infeccionar se ele não encontrasse um lugar para se lavar com urgência, Artur se alongou e finalmente ficou de pé.  Não ia conseguir encontrar a mãe ficando ali esperando ser encontrado. 

- Preciso descobrir um caminho. Quão perigoso pode ser se eu arriscar me embrenhar no meio dessa floresta? - falou consigo mesmo. Isso o ajudava a se concentrar melhor quando se sentia muito nervoso.

Andou em círculos, observando o tronco das árvores; por uma ou duas vezes arriscou ir um pouco mais adiante, desviando-se de galhos e pulando por cima de raízes. Inseguro, acabou retornando ao círculo de terra. E foi aí que avistou, entre duas árvores especialmente bojudas, um caminho feito de terra mais clara, que talvez pudesse ser até areia. 

Seguiu, então, corajoso, espanando a poeira dos cabelos pra tentar ficar um pouco mais apresentável caso encontrasse alguém. 

Artur caminhou até o sol ficar baixo. Os músculos já estavam endurecidos e a fome falava alto. Estava prestes a perder a esperança e procurar alguma forma de descanso e comida quando, logo à sua frente, avistou uma movimentação de folhas. Assustado, se escondeu atrás da árvore mais próxima e ficou a espreita. 

Por trás de outra árvore, ele viu um homem gorducho, baixo e meio careca, vestido com uma calça e uma camiseta cor de laranja. Ele caminhava desconfiado, olhando para os lados, como quem conferia se estava sendo observado. A passos miúdos, ele adentrou pelo mesmo caminho que Artur estava seguindo e o menino não perdeu tempo em segui-lo, silencioso e se esgueirando pelas árvores para não ser visto.

E foi assim que Artur avistou a maior construção que já havia visto em sua vida. Um prédio cinza, de aspecto concretado e sem nenhuma janela localizava-se no meio do nada. Sim, porque as árvores não continuavam pelos arredores do edifício - Artur estava há uma boa distância dele observando o homenzinho de laranja prosseguir. 

Este, por sua vez, retirou do bolso um cartão também cinza, com uma tarja laranja na frente e no verso. Diante de uma porta de ferro escuro e pesado, ele procurou com as mãos o que parecia ser uma fresta no centro da porta e inseriu o cartão. Com um grande estrondo, ela se abriu e tão logo ele deu um passo para dentro, ela se fechou com outro barulho metálico. 

Artur se sentou no chão, abraçando os joelhos pensativo, observando o prédio. Por um momento, esqueceu-se do cansaço, da fome e até mesmo da busca pela mãe. Sentia-se agora tomado por curiosidade. Talvez por sua pouca idade, ele nunca havia pensado realmente no mundo a seu redor.  Recebera a educação em casa, dos pais, sabia ler e sabia escrever, além disso, fazia contas razoavelmente bem e tinha um pouco de noção a respeito de fenômenos naturais. Começou a vasculhar sua memória esperando encontrar alguma informação útil que justificasse a presença daquele edifício ali.

A vila em que Artur vivia era pequena, não tinha nome. Eram um agrupamento de mais ou menos cem famílias, onde todo mundo conhecia todo mundo e se ajudava. As pessoas eram pacatas, tranquilas e simples, e as notícias geralmente chegavam até lá através de viajantes que paravam para descansar, comer ou pedir abrigo. O menino sabia que sua vila ficava entre uma grande cidade, Cefurbo, e uma vila um pouco maior e movimentada conhecida por Ponta Quebrada, a qual ele havia visitado com o pai uma única vez aos cinco anos. 

Sabia também que o regente da região era um velho rico chamado Viktor Thiegan, e que o poder ali se passava de pai para filho. Por isso, a família desse senhor estava no comando há décadas. Não se tinha notícias de rebeliões, ele administrava bem, até onde Artur conseguia entender. Mas corriam boatos de grupos rebeldes que se formavam às escondidas para derrubá-lo do poder. O que mais ele conseguia se lembrar sobre isso? A economia estava bem, mas sim, essas pequenas vilas se formavam em volta de centros maiores porque era para onde os mais pobres e com menos assistência se dirigiam e tentavam reconstruir a vida. Mas se havia paz e, tecnicamente dinheiro, porque essas pessoas acabavam migrando? Ele vasculhou a memória e tentou se lembrar de outros detalhes mais importantes. 

Foi um erro, pensou Artur, limitar-se tanto à sua pequena vila e não se interessar por completo pelas informações que o pai compartilhava a respeito do "mundo real" na mesa do jantar. Talvez se tivesse prestado mais atenção, conseguiria entender melhor aquela construção ou mesmo soubesse o que era e porquê estava ali. E, enquanto se lamentava sobre isso, Artur sentiu uma pancada na cabeça e perdeu os sentidos.

Crônicas da Nova Era - A BuscaOnde histórias criam vida. Descubra agora