Capítulo 21 - Lorna

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Madito seja! Esbravejou Lorna, em pensamento. No ápice da emoção causada nas últimas horas, ela não tinha raciocinado de forma coerente a respeito de uma possível captura. Só pensava em chegar em Cefurbo para tentar de todas as maneiras atestar sua identidade e recuperar o que lhe foi tirado. Em um ato de imprudência, considerou que qualquer guarda que passasse por seu caminho a escutaria e a levaria direto para a sede do governo. Se fosse o caso, pediria ajuda nas vilas próximas ou mesmo em Ponta Quebrada. 

Mas agora estava ali, presa por um homem que nem conhecia e que não fazia questão nenhuma de colaborar. Não poderia revelar a sua identidade para qualquer pessoa. Membros do governo ajudariam; aquele bando ali parecia-se mais com rebeldes salteadores do que com gente em quem poderia confiar.

- Eu estou com pressa - resolveu falar - preciso chegar à Ponta Quebrada para visitar... - pense, Lorna, pense. - Meu pai doente.

 - Seu pai doente, hm. E de onde é que a senhorita vem? Não temos muitos lugares habitáveis por aqui, ultimamente. Na verdade, temos só áreas patrulhadas pelo governo. 

- Meu irmão... é um guarda e eu fui avisá-lo da situação de papai. 

Ah, como desejou saber mentir melhor. Todos aqueles anos em exílio com Vernon exigiram sinceridade e confiança suficientes para que a proteção dele fosse eficaz. 

- Seu irmão é um guarda. Que coisa interessante. Como é o nome dele? 

Lorna estava ficando irritada na mesma proporção de seu nervosismo. A respiração daquele homem estava muito próxima do seu rosto, ela sentia-se desconfortável com aquela posição e o tempo estava passando, não poderia se atrasar ainda mais. Resolveu revidar.

- Por que você está interessado em saber essas coisas sobre mim? Quem é você, afinal? Quem são essas pessoas, é mesmo necessário que fiquem apontando essas armas pra mim? O que é que eu poderia fazer exatamente, com você em cima de mim? Me deixe ir embora!

O rapaz deu uma risadinha e olhou para os companheiros. Trocou um olhar de compreensão com um deles em especial, que era mais baixo, de estrutura forte. Ele tirou um pedaço de corda rústica do bolso. 

- Olhos claros, pele branca, cabelos pretos... muitos motivos para me interessar por você, moça. Mas o principal deles é que todas essas belas características que você carrega são muito similares às de alguém que estamos procurando. Lorna Thiegan. Já ouviu falar?

Pânico tomou conta da menina. Eles sabiam sobre ela. Estariam vigiando? Provavelmente estavam procurando seu rastro há dias. Quer dizer, então, que a notícia de que ela voltaria para Cefurbo já tinha ido mais longe do que ela esperava. Ponderou suas opções rapidamente: mentindo ou contando a verdade, sabia que continuaria prisioneira daquele grupo. Talvez fosse melhor assim.

- Pode ser que sim. E, se você me deixar levantar, eu falo a respeito. 

O grupo se entreolhou, desconfiado. O homem que a prendia meneou a cabeça em assentimento para o mesmo companheiro com quem trocara olhares. Levantou-se, retirando o peso do corpo dela, mas juntou os pulsos de Lorna, sem soltá-los. O outro rapaz usou a corda para amarrá-la e, em seguida, ambos ajudaram-na a ficar em pé.

- Vamos lá. Estamos ouvindo. - disse aquele que, aparentemente, era o líder.

Nenhuma arma deixara de ser apontada pra ela. Respirou fundo e disse:

- Eu ouvi na floresta alguns guardas comentando que essa menina sairia de seu esconderijo acompanhada de uma proteção alta do governo. Carros, guardas e até mesmo o braço direito de Viktor Thiegan. Meridan? Sim, acho que é isso. Ela seria levada direto para Cefurbo. Talvez se fôssemos para lá... quer dizer, se vocês forem para lá, possam encontrá-la na estrada e confrontar sua guarda, o que acho totalmente despropositado, já que vocês estão precariamente armados e são tão poucos... 

 - Lena, - interrompeu o homem - por favor, fique responsável por guiar a menina. - Uma mulher mais velha dirigiu-se a Lorna e agarrou a ponta da corda que amarrava seus pulsos. - Acho que ela tem razão. Podemos ir até os arredores de Cefurbo. A essa altura é mais fácil esperarmos em algum ponto mais óbvio do que tentarmos recuperar o rastro perdido. Tristan, Sage, façam a escolta por trás. Eu e Ducan iremos na frente. 

O grupo organizou-se de acordo com as instruções do líder. Lorna sentiu-se feliz: chegaria em casa, de uma maneira ou de outra. Não perdeu a esperança nem quando foi intimidada novamente pelo rapaz:

- Meu nome é Theo Garlan. Este grupo faz parte de uma conspiração muito maior do que você possa imaginar. Para o seu bem, eu espero sinceramente que você esteja falando a verdade, moça. Já estamos fartos de andar círculos. 

- Eu não estou aqui para atrapalhar - respondeu, com firmeza. - Meu nome é... Marian. E eu realmente preciso chegar ao meu destino. Meu pai... você entende, não é? Não há porque eu prejudicar alguém.

- Sim, pode ser. Mas, por via das dúvidas, você continua amarrada. Talvez a gente te libere no meio do caminho, dependendo do seu... desempenho. Marian.

- Theo! - chamou o homem que providenciou a corda para prender Lorna. Ele tinha se afastado por alguns instantes. - Consegui recuperar o cavalo dela. Está agitado, mas acredito que possa nos ajudar.

- Certo, Duc. Fique responsável por ele. VAMOS! Todos em marcha. Chega de perder tempo.

Todos embainharam as armas e organizaram-se em fila. Lorna aproveitou o momento e cochichou para Lena, a mulher que estava acompanhando sua caminhada. 

- Esse Theo... é sempre assim?

A mulher riu.

- Não, minha filha. Ele está passando por um processo de adaptação, por assim dizer. As situações a que temos sido expostos exigem uma postura mais firme. Mas ele é um homem sensato. E doce. Ele vai conseguir atingir o equilíbrio. Nós confiamos nele. Vamos.

Ela se posicionou à frente de Lorna, puxando-a de leve pela corda, da maneira mais gentil possível. Percebeu que Theo e o amigo, Duc, cochichavam e até mesmo riam de forma discreta. Em determinado momento, até viraram-se para observá-la.

Se Lorna tivesse feito uma observação mais atenta, ou se estivesse mais próxima deles, teria ouvido seguinte diálogo:

- "Muitos motivos para me interessar por você", é sério, Theo? Eu nunca imaginaria que você era um galanteador, sempre tão sério e na sua. Parece piada! É piada? Hahahaha!

- Cala a boca, cara. Eu estava tentando soar intimidador. Eu não tenho muita prática nisso. Até porque... tenho quase certeza de que essa garota não é quem ela diz que é. 

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