Lorna cavalgava protegida pelo corpo de Vernon, que guiava as rédeas do cavalo; o vento frio da noite em seu rosto evidenciava mais do que nunca a sensação de liberdade pela qual tanto ansiava. Durante o caminho, decidiu que jamais reclamaria de qualquer responsabilidade governamental que chegasse em suas mãos, pois nada no universo poderia ser comparado a não ter mais que viver escondida.
Em determinado ponto, Vernon desacelerou e parou, escondido entre algumas árvores. Ele ajudou Lorna a descer o cavalo segurando-a pela cintura.
- Já chegamos? - ela perguntou.
- Mais ou menos. - respondeu Vernon, amarrando o cavalo em uma árvore.
- Mais ou menos? O que quer dizer mais ou menos? Não deveria ter alguém nos esperando aqui, Vernon?
O guarda respirou fundo e passou a mão pelos cabelos. A ideia inicial era não contar nada para a menina, mas aí a traição seria ainda maior. Ele já estava preparado para uma possível reação negativa dela, por isso, decidiu logo explicar. Encarou-a, apreensivo:
- Nós não vamos para Cefurbo. Eu não vou te entregar para Meridan. Você não vai assumir esse governo, Lorna.
- O que? - Lorna desesperou-se. Lágrimas invadiram seus olhos e embaçaram sua visão. Ela apoiou-se no tronco de uma árvore. - Por que... por que isso, agora? Não é justo! NÃO É JUSTO, VERNON!
- Não era isso que o seu pai queria para você, Lorna. Sinto muito. Estou fazendo o que ele pediu. Deixá-la afastada disso tudo até o momento certo. E o momento certo não é agora. Você não sabe de nada, minha querida. O que está acontecendo lá fora é demais para que você carregue em seus ombros. Eu não posso deixar. O seu pai... ele não gostaria. Por favor, entenda que isso é para o seu bem. É para sua proteção!
Vernon foi em direção a ela, complacente, ao ver que não obteve resposta. Abriu os braços para recebê-la em um abraço de desculpas, mas o que ganhou foram golpes de punhos fechados e furiosos em seu peito. Lorna sentia-se raivosa e agora não continha mais suas lágrimas. As mãos fortes do guarda contiveram sua violência e ele a segurou de maneira firme. Ela viu que ele também estava emocionado e ferido, e por um momento ficou grata por isso. Queria que ele sofresse também.
- Eu mandei impostores em nosso lugar. Por mais que eu recusasse, o seu pai me pagava para cuidar de você. Eu tinha dinheiro. Contratei um homem e uma menina de uma pequena vila próxima a Ponta Quebrada. Não foi difícil suborná-los com a proposta. Poder em mãos, quem não gostaria? Contei a eles o combinado. Ficaram deslumbrados e fechamos o acordo. Escolhi um pai e uma filha com características similares às nossas. Ninguém me vê há séculos, Lorna, e ninguém nunca a viu com essa idade. Foi fácil. Não me importo se Meridan descobrir a farsa ou se os próprios impostores derem com a língua nos dentes, porque nós já estaremos longe daqui. Uma carroça melhor equipada e alguns disfarces estão para chegar. Acalme-se. Não peço que me entenda, mas você tem que aceitar que eu estou no controle. Confie em mim.
Ao se desvencilhar dele, Lorna sentiu formigar o local onde seus dedos haviam apertado. Virou-se de costas e caiu ajoelhada no chão, chorando, e não conteve o grito:
- EU TE ODEIO! - Ouviu Vernon suspirar. Não, não o odiava, mas ele acabara de tirar seu sonho de modo cruel. O que poderia fazer agora para convencê-lo do contrário? Nada. Cruzou os braços em volta do corpo e sentiu a faca que escondera por entre as roupas.
Tremeu ao segurá-la com as duas mãos. Defesa básica era o que sabia, Vernon procurou ensiná-la porque temia que, em algum momento, ela pudesse ficar sozinha. Bom, concluiu ela, esse momento chegara. Olhou por cima do ombro. Vernon estava de cabeça baixa, e mãos na cintura, de costas para ela. Em um impulso, ela levantou-se e correu até ele, com a faca erguida.
Cravou-a duas vezes na escápula do guarda. Ele caiu no chão e ela começou a chorar descontroladamente, mas sem deixar a arma cair. Os olhos dele transmitiam absoluto terror e incredulidade; ele também chorava e Lorna não sabia se por causa da dor ou da decepção. Ela própria se assustara com sua atitude.
- Desculpe-me. - gaguejou - Mas eu não posso deixar isso acontecer, Vernon. Desculpe-me. O que quer que aconteça, eu sinto muito... Eu não o odeio. Eu... amo você. Obrigada por tudo.
Correu até o cavalo, cortando a corda que o prendia, montou e saiu em disparada sem olhar para trás, perguntando-se se algum dia suas lágrimas por Vernon secariam e torcendo para que quem quer que fosse até lá levar a tal carroça conseguisse salvá-lo da morte.
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Crônicas da Nova Era - A Busca
FantasiLIVRO 1. Artur levava uma vida tranquila em uma vila sem nome até o desaparecimento de seu pai. Quando pensa em obter respostas para o acontecimento, acaba sendo levado até elas de forma inesperada e descobrindo algo muito maior por trás do que real...