O chacoalhar do carro deixava Meridan enjoado. Detestava sentir-se confinado a um espaço pequeno e isso piorava quando esse espaço era uma espécie de van verde musgo, com estofado cheirando a mofo e plástico queimado. Perguntava-se porque diabos Thiegan não havia renovado toda sua frota, e anotou mentalmente essa observação - iria implantá-la tão logo colocasse as mãos no dinheiro do governo, através de Lorna Thiegan.
Estava com o humor péssimo naquele dia. O anúncio público do falecimento do governador tinha esgotado sua paciência, especialmente pelo fato de que metade da população começara a incitar uma investigação que decidisse melhor as causas da morte de Viktor Thiegan. "Mal súbito" não tinha sido uma justificativa tão eficaz quanto ele esperava e teve que mandar calar algumas bocas de modo não convencional para acalmar o povo, além de fazer algumas ameaças internas para que a informação sobre o envenenamento não escapasse.
Quem dirigia o carro aos trancos e barrancos era Zion Vertel, o chefe da guarda. Tinha um cavanhaque imponente e os cabelos castanhos eram arrepiados. Tinha por volta de trinta anos e era conhecido por ser um homem cruel, porém, de maneiras finas e elegantes. Matava, mas em suas mãos, não havia o menor sinal de sangue. Meridan concluiu que ele era a melhor companhia para aquela missão. A Central, até onde lhe constava, estava em perfeitas condições de organização e passaria bem sem o comandante por uns dois dias.
- Pare, Zion. É aqui.
Meridan indicou um moinho velho a Zion, que freou bruscamente. Atrás deles, outro carro igual cheio de soldados vinha como escolta. Os dois desceram do carro. Zion fez sinal ao motorista do outro veículo para que ele ainda não saísse. Estava muito escuro, e a princípio eles não enxergaram os vultos de Lorna e Vernon. Mas logo eles materializaram-se em passos rápidos.
A uma certa distância, Vernon retirou uma fita vermelha de dentro do casaco pesado e ergueu-a com a mão esquerda. Era o sinal combinado, e então todos aproximaram-se mais. Vernon abaixou o capuz. Meridan nunca o tinha visto pessoalmente, quando começara a trabalhar para Thiegan ele já tinha enviado a filha para longe. Ele tinha os cabelos loiros e barba, uma postura forte também. A descrição batia.
- Eu sou Meridan - disse. - Esse é Zion Vertel, o chefe de guarda do governo. Ele é responsável por nossa escolta. Antes de entrar no carro... gostaria de dar uma olhada na herdeira.
Vernon não respondeu, apenas fez um aceno com a cabeça e esticou os braços para Lorna, que dirigiu-se a ele a passos miúdos. Meridan chegou perto dela, que também usava um capuz. Delicadamente, ergueu o pano de sua cabeça e vislumbrou olhos claros e cabelos negros. Respirou aliviado. Deu o sinal de aprovação a Zion, que disse:
- Sigam-nos. A senhorita primeiro, por favor.
Zion ofereceu a mão à Lorna, que aceitou e caminhou ao lado dele. Atrás, Meridan seguiu com Vernon, ouvindo seu coração bater acelerado em satisfação. Ah, mal poderia esperar chegar até Cefurbo! Entraram no carro, mas, antes de bater a porta, ouviram um grito. Uma voz masculina, algo como... "matar o seu irmão". Os olhos ariscos de Meridan passearam pelas redondezas. Disse, em voz baixa, para Zion, que já estava no banco do motorista:
- Caminho B, comandante. O mais rápido que conseguir. Dê o alerta para o outro carro.
- Sim, senhor. - respondeu Zion, e piscou o farol três vezes. O outro carro piscou mais uma, em resposta. - Tudo pronto, vamos!
Meridan subiu rapidamente no carro e bateu a porta, e, apesar de o caminho agora ser duas vezes mais longo e muito mais sacolejante, ele tentou organizar os pensamentos. A voz não estava distante, pensou ele. Estariam sendo seguidos? Por quem? Até onde sabia, os erros causados pelo primeiro lote de rastreadores estava contido, ou seja, os rebeldes já tinham sido controlados. As novas levas da sua invenção tinham sido espalhadas sem transtornos, estavam em perfeito estado e garantiam que ninguém mais chegaria aos entornos da Central do jeito errado. Cauteloso, Meridan comentou em voz baixa:
- Zion. Parece-me que ouvi algo, quando estávamos subindo no carro. Uma voz. Estamos um tanto quanto longe da Central. Você... tem certeza de que o primeiro lote de rastreadores já foi esgotado? Não há mais ninguém caindo pelo caminho?
- Sim, senhor! - respondeu o comandante, sem tirar os olhos da estrada - Está tudo sob controle. Não chega ninguém há muito tempo, posso lhe passar nossos relatórios completos de controle, se quiser. Mas posso garantir: os arredores da Central nunca estiveram tão protegidos quanto agora. Não existe meio possível para escapar de nossos guardas. Não existe meio possível para escapar da própria Central. Quem entra, não sai novamente. Chega de falhas.
- Ótimo. Temos que garantir que tudo aqui correrá bem e que tudo está sob controle para nossa querida governante. Contudo, mande uma inspeção ser feita nessa região. Eu tenho plena certeza do que ouvi. Prendam qualquer um que esteja a paisana por aqui. A senhorita Lorna Thiegan merece receber seus domínios em plena ordem. Vamos colocá-la a par de tudo tão logo chegarmos à sede do governo. - Zion meneou a cabeça para demonstrar que acatara a ordem.
- A senhorita agradece, senhor! - era a primeira vez que Vernon falava. - Tenha certeza de que nada na Terra a satisfaz mais do que saber que estará em casa e que poderá dar continuidade ao trabalho competente de seu pai. Meu grande amigo.
Meridan olhou para a menina e seu soldado, sentados no banco de trás. Ela deu um sorriso tímido e corado, e por um momento ele considerou se o tempo em exílio lhe deixara meio abobada. Não tinha capacidade de elaborar suas próprias respostas? Esperava poder transformá-la em uma figura firme, ainda que apenas na aparência, se fosse esse o caso. Odiava pensar que pudesse ter um trabalho maior que esse, seria como ter que eliminar Viktor Thiegan mais uma vez e aí tudo pioraria, já que não teria quem ocupar a vaga de sua marionete.
Mas não, não sofreria por antecipação. Paciência não era o seu forte, porém estava disposto a exercê-la para obter os resultados necessários. O carro passou bruscamente por um buraco no chão irregular e Meridan sentiu vontade de vomitar.
Torcendo para que aquela tortura passasse rápido, reconheceu que até ele próprio tinha alguma fraqueza. E que, por mais estúpida que fosse, deveria ser eliminada. Eliminar qualquer tipo de coisa era, sem dúvidas, a sua maior habilidade.
Riu por dentro e se recompôs.
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Crônicas da Nova Era - A Busca
FantasyLIVRO 1. Artur levava uma vida tranquila em uma vila sem nome até o desaparecimento de seu pai. Quando pensa em obter respostas para o acontecimento, acaba sendo levado até elas de forma inesperada e descobrindo algo muito maior por trás do que real...