Artur acordou com um leve ardor nos cotovelos e joelhos. Quando abriu os olhos, percebeu que Anele estava limpando seus machucados com uma gaze umedecida. Ele se mexeu um pouco e a garota parou o que estava fazendo.
- Está doendo? - ela perguntou. - Desculpe, mas eu precisava fazer isso agora, ou esses arranhões insignificantes acabariam se tornando um problemão.
Não tem importância, pensou Artur. Mas não disse nada, apenas esboçou um sorriso e consentiu com um aceno de cabeça. A realidade de onde estava e por quê estava ali o atingiu como uma bigorna. Respirou fundo e se sentou, logo vendo Makai entrando na barraca.
- E aí, Art, dormiu bem? Espero que sim, hoje vai ser um dia e tanto. E vou te ajudar a se preparar. Trouxe uma surpresa pra você.
Artur reparou que o garoto escondia alguma coisa atrás do corpo, e tinha os olhos brilhando de excitação.
- É mesmo? - perguntou, sem jeito.
- Se é! - Makai revelou então a tal surpresa, com uma ampla risada.
Um facão enorme e polido foi colocado no colo de Artur. Era curvo, tinha uma bainha de couro cru e o punho incrustado com pedras rústicas e muito escuras. Artur hesitou, mas acabou empunhando a arma. Parecia pesada, mas não era, e ele se surpreendeu.
- E aí, cara, gostou? - Makai deu tapinhas animados nas costas dele. - Foi a primeira coisa que aprendi a usar quando cheguei aqui. Você vai pegar o jeito rapidinho.
Anele entendeu o desconforto de Artur quando o menino não se pronunciou.
- Veja bem, Art. Hoje nós vamos sair daqui. Esse não é o nosso posto. A gente monta e desmonta essa barraca quando precisa, em uma emergência. Estamos estabelecidos, também por pouco tempo, um tantinho longe daqui. E, bom... precisamos estar prevenidos. Ainda não fomos encurralados por guardas, mas não raras são as vezes em que temos a presença deles mais perto do que gostaríamos. Você entende, não é? Makai fica empolgado com a mera oportunidade de manejar esse troço, mas não quer dizer que efetivamente vamos usá-lo hoje.
- Tudo bem. - respondeu Artur. - Vou tentar ficar tranquilo diante da perspectiva de caminhar com uma arma pendurada na cintura. Se eu não me cortar com ela antes, ou coisa parecida.
- Não se preocupe, Art. Você vai se sair bem. Todos nós vamos. Venha, vamos dar o fora. - chamou Makai.
Artur respirou fundo e o seguiu, junto com Anele, para fora da barraca. Lucas esperava por todos carrancudo, de braços cruzados. Já estava ao lado de duas mochilas, que Artur deduziu que fossem os restos de água, comida e os cobertores ralos que estavam dentro da barraca. Queria pedir algo para comer de novo, mas ficou com vergonha, visto que aparentemente ninguém iria consumir algo naquele momento.
- Hora de desmontar, vamos lá.
Lucas disse isso enquanto começava a desmontar a barraca, que, vendo por fora, parecia só um trapo sujo jogado por cima de alguns pedaços de pau. Mas Artur logo entendeu que era uma estrutura toda dobrável e que não precisava de muito esforço para ser recolhida. Os quatro logo apagaram os rastros por ali deixados. Todos, com exceção de Artur, levavam uma mochila nas costas.
Formaram então uma fila indiana: Lucas, Anele, Artur e Makai; os facões pendurados na cintura. Lucas, com uma arma de fogo enfiada no cano da bota, Anele com uma faixa repleta de canivetes de diferentes tipos amarrada no braço esquerdo.
- Vamos seguir a trilha A - anunciou Lucas - É a mesma por onde você chegou - explicou ele dirigindo-se a Artur. - As árvores densas vão nos encobrir melhor a essa hora do dia e teremos lugar pra nos esconder se for necessário. Lembrem-se: silêncio e agilidade. Não podemos esperar uma hora mais propícia pra sairmos daqui e precisamos chegar aos outros o quanto antes, para mover também o acampamento de lá. De acordo?
Todos concordaram com murmúrios e se puseram a caminho.
Artur sentiu o coração bater mais rápido. Não sabia muito bem o direcionamento ali, mas se iam voltar por onde ele tinha chegado, isso quer dizer que se aproximariam do prédio cinza (se aproximariam de seu pai), de alguma maneira. Obviamente não ficariam tão perto, se estavam escondidos. Mas talvez, se ele prestasse muita atenção ao seu redor, ele conseguiria definir uma fuga e ir logo sozinho e escondido até o prédio. Isso deu um pouco de força às pernas dele.
Caminharam por horas. Todos estavam suados e ofegantes, a paisagem parecia sempre a mesma. Árvores e mais árvores, e pelo menos isso, afinal evitava que o sol castigasse as costas e as cabeças deles. Se esgueiravam por troncos, moitas e elevações gramadas. Artur ia, silencioso, procurando algum vislumbre do prédio cinza, mas nada nem parecido apareceu diante dele. Tropeçou algumas vezes; Makai teve que ajudá-lo em uma delas, a qual rendeu um novo corte em seu tornozelo.
Um cantil de água era passado entre eles de quando em quando. Depois, veio mais uma maçã, e uma tangerina em seguida, em que cada um arrancava uma mordida ou um gomo. Já era alguma coisa.
Em determinado momento, trocaram de lugar: Anele tornou-se a última da fila, antes dela, Makai, e Artur ficou logo atrás de Lucas, que continuava a guiá-los. Cansado, o garoto preparou-se para ceder à fraqueza e ao cansaço e finalmente perguntar se faltava muito para chegar.
- Lucas - começou, tentando manter a voz baixa - Eu realmente preciso perguntar... se falta muito. Eu acho que não vou aguentar.
- Você vai aguentar, sim - respondeu Lucas, um pouco ríspido - Já aguentou até agora. E falta pouco. Talvez uns quarenta on cinquenta minut...
Ele interrompeu a fala de repente e ergueu a mão para que todos parassem de caminhar. Anele procurou, ansiosa, algo diferente ao redor. Makai já estava com a mão no facão. Artur não escutava nem percebia nada de diferente no ambiente, mas pelo visto, havia algo estranho. Desejou que já estivesse com os sentidos mais apurados. Lucas indicou uma árvore enorme de folhagem verde e cheia, não muito distante. O tronco era grosso, porém cheio de galhos e protuberâncias que tornavam fácil a subida.
Um ajudou ao outro rapidamente e logo estavam aninhados na copa da árvore com as mochilas escondidas em galhos. Observavam atentamente o que acontecia lá embaixo, as respirações aceleradas e os olhos correndo de um lado para o outro.
Foi quando escutaram um estampido altíssimo e um grito apavorado. No susto, Artur gritou e despencou da árvore.
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Crônicas da Nova Era - A Busca
FantasyLIVRO 1. Artur levava uma vida tranquila em uma vila sem nome até o desaparecimento de seu pai. Quando pensa em obter respostas para o acontecimento, acaba sendo levado até elas de forma inesperada e descobrindo algo muito maior por trás do que real...