O primeiro dia de acampamento chegava ao fim. Theo estava nervoso e impaciente, mas tentava disfarçar ao máximo. Precisava passar segurança aos companheiros, mas ao mesmo tempo entendia o quanto aquele plano era esburacado. Irritava-o saber que esperar e vigiar eram as únicas coisas possíveis a se fazer no momento.
A manhã e a tarde passaram-se lentas. Todos foram incomodados por mosquitos, pelo calor e pelo desconforto. Revezavam-se para explorar os arredores escondidos e também nos momentos de guarda. Todos procuravam distrair-se com algo para fingir alguma produtividade, exceto Jean, que limitou-se a sentar-se a um canto, sem falar nada com ninguém.
Theo sentia pesar por ter tido que afugentar os cavalos que tinham conseguido para a caminhada inicial. Eles eram grandes, mal comportados e impossíveis de ser escondidos. Isso dificultaria muito a fuga deles caso chegassem até Lorna Thiegan, porém Theo estava confiante de que, uma vez que isso acontecesse, o resto todo seria muito menos difícil de ser resolvido.
A noite caiu e levou os mosquitos embora, bem como um pouco do calor, também. Theo enviou Ducan com água e alguma provisão para explorar as redondezas, era o único em quem confiava para isso, pois sabia que voltaria. Os que ficaram reuniram-se e comeram frutas secas e um pedaço de carne armazenado em uma lata. O silêncio era iminente e a tensão impossível de ser escondida. Um cantil de água passou por todos. Tristan talhava um arco com um facão, e o barulho das lascas de madeira caindo no chão era o único a ser ouvido.
Impaciente, Theo largou a refeição pela metade e caminhou um pouco para fora do esconderijo, um amontoado de arbustos cheios de folhas amareladas, que davam uma cobertura boa para o grupo. Durante a noite, pelo menos passariam imperceptíveis. Decidiu ficar apenas mais um dia por ali e, depois, comunicaria a todos que deveriam se arriscar ou até mesmo se separar, caso fosse necessário.
Carregava uma espingarda na cintura e desafivelou seu suporte do cinto, manejando a arma com destreza. Mirou para o nada, no escuro, o dedo no gatilho, ansioso por atirar. O barulho de um galho partido ressoou em suas costas e ele rapidamente se virou, apontando para a direção do som. Era Tannis, que levantou as mãos como se se rendesse. Seus cabelos loiros estavam presos em um rabo de cavalo desajeitado. Era bonita, Theo pensou, e abaixou a espingarda.
- O que é que você está fazendo aí, Tan? - perguntou.
- Nada. Eu estava só te observando e esperando o momento certo para falar que eu só votei em meu irmão para liderar essa missão porque... bem, ele é meu irmão. Mas eu sei que você está fazendo a coisa certa. Ou, pelo menos, quero acreditar nisso.
- Obrigado... É no que quero acreditar, também.
Theo abaixou os olhos. Se ao menos pudesse comentar com alguém o quanto sentia-se desesperançoso e aflito com todo aquele plano, ou como tentava desesperadamente agarrar-se no fio de esperança que ele oferecia...
- Quer? - perguntou Tannis, aproximando-se. - Achei que você já acreditava, Theo.
Ah, aquele tom de voz. Nunca de censura, apenas de alerta. Por um breve momento, a consciência do rapaz ficou pesada. mas ele logo recuperou-se e, apoiando a espingarda no chão descuidadamente, explicou:
- Temos cinquenta por cento de chance, não é mesmo, Tan? Eu não sou perfeito, e nem sou detentor de todas as verdades do mundo. Nem sei se estou fazendo o que é certo, penso que estou fazendo apenas o que está ao meu alcance. Entende? Isso... é só o que temos em mãos no momento. Não é realmente uma escolha, porque não há outra opção. Precisávamos nos mexer de alguma maneira.
Tannis agora encontrava-se ao seu lado. Era uma cabeça mais baixa que ele, e colocou uma das mãos em seu ombro. Mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, eles ouviram as vozes agitadas dos companheiros elevarem-se, e a de Jean era a mais alta. Correram de volta para o esconderijo.
- Vocês tem que entender - dizia Jean, alterado - que é uma enorme idiotice ficarmos aqui. O que é que pode acontecer? Nada, essa menina não vai passar por aqui. Ele só nos tirou da nossa base para dizer que estávamos fazendo alguma coisa efetiva. Entendam, não há fundamento!
Tannis já estava no meio do grupo, e parou, de braços cruzados, ouvindo a discussão. Theo manteve-se mais atrás, queria ver até onde aquilo iria antes de interferir e necessitava de algum tempo para medir suas ações.
- Cale a boca, cara. Cale a boca... é melhor termos saído de lá do que ficarmos como sempre ficamos: parados. - Tristan rebateu.
- Além do mais - completou Lena, a curandeira - Temos um pouco de chance, Jean, por favor, não fique exaltado. O máximo que acontecerá é termos que voltar. O que custa arriscarmos? Isso é importante para nós, é importante para irmos atrás do que sempre foi nosso objetivo!
- E fale baixo. Você vai atrair atenção para nós desse jeito. - ponderou Sage.
- Pois vocês é quem sabem. Eu já tomei a minha decisão. E eu não vou ficar mais aqui. Vou voltar para o esconderijo e tomar as rédeas do que nunca deveria ter saído do meu controle. Essa jornadinha absurda não vai levar vocês a lugar algum. Tannis, você vem?
A garota hesitou. Theo, então, entrou em cena, jogando a espingarda no chão e sentindo o calor da raiva subindo-lhe pelas orelhas. Não se lembrava de ter falado tão alto com alguém antes.
- Ela não vai, Jean. E nem você. Você comprometeu-se com a causa, você basicamente foi o criador disso tudo. Vai abandonar os seus princípios agora? Como você acha que os outros vão recebê-lo na base, hein? Como um... desertor da busca? É isso mesmo? Não nos envergonhe. Um verdadeiro líder não cede aos próprios caprichos.
Jean aproximou-se dele. Por um segundo, Theo vislumbrou os olhos marejados do outro homem, transbordando ódio. Depois, o que sentiu foi um murro desferido precisamente em seu queixo. Perdeu o equilíbrio, mas não caiu no chão. Sage e Tristan levantaram-se para contê-los; Jean, porém, foi mais rápido e saiu correndo embrenhando-se na floresta escura. Tannis, com a mão na boca e surpresa nos olhos, estava amparada por Lena. Desvencilhou-se dela e correu atrás do irmão.
- TANNIS! - Theo gritou - TANNIS, VOLTE! - ele correu um pouco atrás dela, na mesma direção, mas não adiantava. Ele tropeçou, caiu de joelhos e praguejou. A garota era mesmo muito rápida.
- DROGA! - gritou de novo. - SE ACONTECER ALGUMA COISA COM VOCÊ, EU PROMETO... EU JURO QUE EU MATO O SEU IRMÃO. - Ofegante, ele abaixou a voz. - E mesmo que não aconteça, se ele atrapalhar a nossa busca, eu o matarei de qualquer forma.
Teve como resposta apenas o estrilar dos grilos.
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Crônicas da Nova Era - A Busca
FantastikLIVRO 1. Artur levava uma vida tranquila em uma vila sem nome até o desaparecimento de seu pai. Quando pensa em obter respostas para o acontecimento, acaba sendo levado até elas de forma inesperada e descobrindo algo muito maior por trás do que real...