Capítulo 4 - Artur

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- Nós vamos compartilhar a informação com você, porque agora é um de nós. Preste bem atenção, Artur. Querendo ou não, você está no nosso time. Não tem como escapar. Precisamos ajudar uns aos outros.

Foi com esse discurso que Lucas começou a tentar esclarecer as coisas. Ele, Anele e Makai estavam agora sentados em bancos de madeira dobráveis, de frente para Artur, que continuava sentado na maca. Fazia frio e Anele lhe entregou uma fina coberta cinza e gasta para que ele se aquecesse. Pelos buracos do teto da barraca, ele percebeu que já era noite. Sentia-se mais cansado que nunca, mas a perspectiva de confrontar a verdade finalmente o deixava em alerta.

 - Primeiro, responda-nos uma coisa. - prosseguiu Lucas. - Alguém da sua família desapareceu recentemente? Algum homem, entre vinte e quarenta anos?

 - Sim - Artur suspirou. - Meu pai. Ele tinha trinta e dois. Como vocês sabem?

Lucas voltou a falar.

- Vou explicar, veja bem. Você disse que estava em uma canoa, não é isso? Com a sua mãe. 

Artur assentiu. 

 - Seu pai costumava usar essa canoa antes de sumir?

 - Era ele quem pescava. Eu ajudava às vezes e depois vendíamos os peixes no mercado, aquele que fica a caminho de Cefurbo pelo norte. É o mais próximo de nossa vila. Meu pai era o pescador por lá, somos poucos.

-  Artur, você foi pego por um rastreador. 

Lucas disse aquilo como uma grande revelação, algo realmente grave. Todos perceberam que não fazia o menor sentido para o menino, apesar dele ter ouvido o termo antes da boca de Lucas também. Makai foi o primeiro a perguntar:

- Você não faz a menor ideia do que está acontecendo no lugar em que vive, faz?

Artur sentiu as bochechas corarem. Envergonhado, expôs as poucas coisas que sabia política e geograficamente falando. Despejou meia dúzia de coisas confusas a respeito de localizações, terrenos e Viktor Thiegan. Nada fez muito sentido, ele logo se calou.

 - Vamos ter trabalho com esse aí - riu Makai. - Mas não se preocupe, Art. - ele riu de novo ao apelidar Artur - eu também não sabia de nada quando cheguei. Anele é melhor com a introdução, Lucas, deixe ela começar. Foi ela quem me explicou melhor o que estava acontecendo.

Lucas concordou e Anele começou a contar, em uma voz calma.

- O nome de Viktor Thiegan foi a única coisa que você disse que fez realmente sentido, garoto. É ele quem governa tudo por aqui. Cefurbo, Ponta Quebrada e todas essas vilas sem nome nos arredores. Nós... bem, nós temos informações - aqui ela fez uma pausa, olhou para Lucas, e Artur percebeu que algo era omitido - de que ele é apenas um fantoche. Ele tem esse conselheiro, Meridan, pendurado em suas orelhas, plantando sementes. E uma, finalmente, brotou.

"Uma Nova Era. É isso o que Viktor agora está determinado a construir. De alguma maneira, ainda temos que descobrir qual,  Meridan conseguiu instigar o velho a reformar tudo o que temos por aqui. Ele não quer mais vilas independentes. Ele não quer mais que Ponta Quebrada exista. Ele quer concentrar tudo dentro de Cefurbo. Quer transformá-la em um país e depois segmentá-la de acordo com o que bem entender. Quer unificar e mandar em absolutamente tudo o que puder. Ter o poder absoluto, mandar em uma nova nação. Achava que era uma boa ideia até ter que lidar com forças rebeldes."

- Aliás, você está em uma delas agora, Art - interrompeu Makai. 

Lucas ralhou com ele e retomou a narrativa de Anele.

- Não o assuste, Makai. Artur, não somos rebeldes porque queremos. Ponta Quebrada, vamos começar por aí. Foi lá o local onde a informação vazou primeiro. Um funcionário do governo foi levar alguns papéis importantes para a sala de reuniões de Thiegan. Lá encontrou mapas e documentos, e até mesmo um protótipo do rastreador. Foi confrontado por Meridan, pego no flagra, mas conseguiu fugir depois de uma luta. Ele conseguiu transmitir a notícia para algumas pessoas da sua confiança em Cefurbo, e saiu da cidade o quanto antes. Meridan conseguiu descobrir quem carregava a informação e aprisionou muita gente. Tentou abafar o caso, fez ameaças, criou novas leis e regras para punir quem tocasse no assunto. Tudo assinado por Viktor Thiegan.

"Mas eles não esperavam que o funcionário fosse parar em Ponta Quebrada. Seu nome é Theo Garlan. Era do alto escalão, um funcionário bem pago e de confiança há anos. Dizem que Thiegan designou uma equipe de busca para encontrá-lo e entregá-lo vivo ao governo. Mas ele foi mais esperto. Já ouvira falar de um grupo em Ponta Quebrada que queria organizar motins contra Thiegan. Essa coisa de passar o governo de mão em mão dentro de uma família só começou a incomodar. Sabemos que Thiegan teve uma filha, mas ninguém nunca viu a menina. Dizem que é mantida escondida para ficar protegida e não sofrer ameaças. A esposa dele morreu depois de dar a luz, contam. Mas ela é a única Thiegan viva, quando Viktor bater as botas. Esse grupo já traçava planos para encontrar a garota e dar um fim nela. Sim, parece cruel. Mas assim como Thiegan e Meridan planejam uma reforma por aqui, esse grupo também tinha metas e ideais; foi a saída que acharam. Voltemos a Theo Garlan: ele se uniu a esse grupo, que lhe deu posição prestigiada por causa da informação valiosa, e também proteção. Se tornou praticamente um líder. Passaram a ser uma organização mais sólida e ter coragem suficiente para recrutar pessoas em Ponta Quebrada e nas vilas."

- Enquanto isso, - interrompeu Makai - Thiegan ficava enfurnado em um laboratório com técnicos especializados dando os últimos retoques em um lote gigantesco de rastreadores, sendo que estes foram obra de Meridan. São coisinhas minúsculas e redondas, como uma moeda, que se camuflam no ambiente e quase têm vida própria. São eles os responsáveis pela criação de um exército da Nova Era. É muita informação pra você, Art?

Artur ficou calado durante toda essa história. Sentia-se burro, alienado, quase que isolado do mundo. Mas ainda precisava ouvir mais. Aparentemente, agora é que seu pai entraria nessa história toda. Começava a juntar as pessoas e supôr coisas.

- Eu aguento. - respondeu. - Foram esses rastreadores que me trouxeram pra cá, não é mesmo? E que pegaram meu pai. E levaram minha mãe pra algum lugar. 

 - É mais ou menos por aí. Só que não tão simples assim. - falou Makai.

- Você veio parar aqui por engano, Artur. - explicou Anele. - Assim como nós. Na pressa de colocar o plano em prática, Meridan convenceu Viktor a liberar o lote de rastreadores de uma vez, sem testá-los. Achava que já estava tudo perfeito e no ponto certo, que a invenção dele era boa demais para ter algum erro, principalmente por ter escolhido a dedo técnicos para criá-la e por ter supervisionado tudo. Os rastreadores foram espalhados durante a noite, em meios de transporte aéreos, por Cefurbo, Ponta Quebrada e por todas as vilas ao redor. Até mesmo por algumas florestas e fazendas, por via das dúvidas.  A maioria funcionou bem, mas alguns vieram com falhas.

- O intuito desses rastreadores - agora era Lucas quem falava - era encontrar e capturar homens, saudáveis, de determinada altura, peso e idade. Um padrão para formar um exército forte. Provavelmente seu pai se encaixava na programação dos rastreadores e foi pego. Pelo que supomos, ele pode se confundir se detectar alguma coisa do dono que possuir essas características. Por exemplo, Anele chegou até aqui porque usou a capa de chuva do irmão para recolher a roupa do varal quando começou a garoar.  Makai, porque foi colher milho usando o facão do tio. Ambos, aliás, também desaparecidos há pouco tempo. Tente se lembrar, Artur. Você usou alguma coisa do seu pai hoje?

Artur respirou fundo. Agarrou a gola da camisa e olhou em desalento para os companheiros.

- Essa era a camisa favorita dele.

Estava explicado.

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