Theo espalhou os mapas e anotações em cima da mesa de madeira tosca, iluminada por tocos de vela já com a cera bem gasta. Durante muito tempo, O Bravo Manifesto juntara diversas pistas sobre a localização de Lorna Thiegan.
Haviam descoberto coisas básicas e importantíssimas. Ela se deslocava de quando em quando, porém sempre aos arredores de Ponta Quebrada. Por duas vezes apenas, tinha ido para mais longe, mas era indefinido o local. Possuía um único guarda que a escoltava, Vernon Gobert, conhecido como o melhor de Cefurbo e amigo pessoal de Viktor Thiegan desde a juventude. Há aproximadamente dois anos, o rastro de ambos foi perdido pelo grupo.
Puxando um pedaço de papel para perto, Theo começou a anotar com um lápis velho os pontos que achava mais importantes: dados das últimas vezes em que Lorna fora vista, informações sobre as habilidades de Vernon e rotas de possíveis localizações de acordo com o que já tinha sido minuciosamente observado.
A ponta do lápis se quebrou no exato momento em que Jean Leron se materializou ao seu lado, batendo a mão na mesa.
- Você não acha que vai tomar a frente dessa busca sozinho, acha, Garlan?
Ele era loiro, os cabelos caíam em ondas abertas até a altura dos ombros. Tinha olhos claros de gato, o maxilar fino e um piercing de argola no nariz. Os braços tatuados estavam à mostra e Theo sentiu um frio na espinha. Por mais que soubesse que Jean se encontrava na mesma casa dos vinte e alguns anos dele, o considerava intimidador, por menos que deixasse isso transparecer. E, é claro, Jean tinha seus direitos.
- Na verdade, não, Jean. Eu só estou adiantando algumas coisas. - Theo respondeu com a voz firme, sem levantar os olhos, procurando outro lápis em meio aos papéis. - Precisamos de orientação antes de nos colocarmos em marcha, concorda?
- Concordo, sim. - a voz de Jean era fria. - Eu só passei aqui para te lembrar que o líder desse grupo SOU EU. Pouco me importa o prestígio que você ganhou. A informação que trouxe poderia ter vindo pela boca de qualquer um. Você apenas deu sorte.
Theo notou a amargura na voz do companheiro. Nunca teve a real intenção de usurpar a liderança d'O Bravo Manifesto e nem considerava que era isto o que estava acontecendo. Não tinha culpa se sua personalidade encantou a maioria dos integrantes, se ele naturalmente agia como um bom coordenador de estratégias por mais que tentasse ficar quieto. Preferiu não responder a provocação. Pegou um novo lápis e recomeçou a escrever.
Jean se inclinou sobre a mesa, se aproximando do rosto dele e obrigando-os a se encarar. Deu um tapa no lápis jogando-o longe.
- Sou eu que mando aqui. E sou eu que vou coordenar essa jornada. Estamos entendidos? Suspenda o que você está fazendo até amanhã de manhã. - E saiu, embrenhando-se no escuro da caverna.
Theo poderia ter se levantado e agido de forma mais intensa. Mas preferiu escolher um toco de vela menos derretido, um bloco repleto de anotações e o papel em que estava escrevendo e se recolher a um canto para continuar seu trabalho.
Ali, na caverna onde O Bravo Manifesto se escondia, havia algum espaço. A pedra escura fornecia guaritas para que as pessoas se acomodassem mais ou menos com seus pertences e não dormissem amontoados. Do outro lado de um corredor estreito, ficavam as escassas provisões de comida - folhas e frutas, em sua maioria, recolhidas nos arredores. Quando tinham sorte, um coelho ou mesmo um cervo aparecia. Tudo devia sempre ser cozido, já que assar algo lá dentro era praticamente impossível.
Sentado no chão, Theo se acocorou tentando arranjar uma posição favorável para terminar o que estava fazendo. Concentrado em se ajeitar, não percebeu a aproximação de Tannis Leron, que se agachou junto a ele.
- Você ouviu o que o meu irmão disse. Vai desobedecer? - a voz da garota era de censura, mas não continha nenhum tipo de agressão. Era como um lembrete, na verdade.
- Sinto muito, Tan. Preciso fazer isso. Não temos tempo, você me entende? Jean sabe disso. Ele me mandou parar o que estava fazendo porque queria dar uma ordem. A ordem pra eu fazer o que eu já estava fazendo, mas ficou bravo por eu ter tomado a iniciativa. Daí não tinha nada mais para dizer e sentiu-se culpado por não ter ele mesmo começado a fazer tudo antes.
- Isso é confuso. Mas eu entendo. Sabe, as pessoas te enxergam mais como líder do que a ele. Mas ele trabalhou duro, Theo. Trabalhou duro para reunir esse grupo e implantar um ideal na cabeça das pessoas, e agora estão todos mais esperançosos que nunca com a morte de Thiegan. Por favor, tente não bagunçar isso.
Theo suspirou. Entendia a preocupação da garota e a lealdade para com seu irmão. Tinha apenas dezessete anos e estava ali, os cabelos loiros e sujos grudados na cabeça, a camiseta esfarrapada tão larga que caía em seus ombros. Sabia que a luta dela não era por Cefurbo, pelo povo ou por uma Nova Era. A luta dela consistia em conhecer e viver uma vida diferente, apenas. E ela confiava nas promessas de Jean para isso.
- Não vou, Tan. Eu estou ao lado dele, e não contra. Lembre-se disso.
Tannis apertou a mão dele e se levantou, afastando-se. Theo observou alguns pontos de luz na caverna, pessoas falando baixo, conversando com velas acesas ou organizando suas poucas - quase nada - coisas. Em seu coração, sabia o que cada um ansiava. Terminou de trabalhar em sua lista, apagou a vela e dormiu de mal jeito, num sono inquieto.
No dia seguinte, acordou com a agitação do ambiente em seus ouvidos. Jean Leron estava se posicionando no meio da caverna e todos estavam em volta dele, como se aguardassem algum tipo de pronunciamento. Theo sentiu raiva ao ver que perdeu a hora, mas se levantou rapidamente para correr atrás do que estava querendo fazer.
Passou às pressas por Ducan Lancaster, um homem de sua idade, porém de estatura mais baixa, forte, o maxilar pronunciado e um sorriso sempre amigável no rosto.
- Preciso que você venha comigo. - cochichou, e Ducan o acompanhou. Se aproximaram do círculo em volta de Jean, que nem os notou, pois já se preparava para começar a falar.
- Estabeleço hoje - disse ele, em voz alta - a autorização para saída de nossa sede. O Bravo Manifesto finalmente pode arregaçar as mangas e correr atrás de um de seus objetivos. Lorna Thiegan não ficará parada por muito tempo no mesmo lugar mais. A busca por ela será iniciada.
Um arroubo de excitação e inquietude percorreu o grupo. Jean tinha um sorriso malicioso nos lábios. Continuou:
- Eu, como líder, defini uma rota...
- Na verdade - interferiu Theo, entrando a passos firmes no meio do círculo e parando ao lado de Jean, tentando não olhar para ele. Ducan o seguiu e ficou atrás dele, como se o protegesse. Tinham ficado amigos desde o primeiro momento e a confiança ali, era mútua. Theo só sentia muito em não ter podido repassar a ele antes o que ia dizer. - Eu defini uma rota. Ofereço-me para apresentá-la a vocês. Assim como para liderá-la. Quem aqui está de acordo?
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Crônicas da Nova Era - A Busca
FantasyLIVRO 1. Artur levava uma vida tranquila em uma vila sem nome até o desaparecimento de seu pai. Quando pensa em obter respostas para o acontecimento, acaba sendo levado até elas de forma inesperada e descobrindo algo muito maior por trás do que real...