Capítulo 1 - Artur

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Era só mais um dia qualquer para Artur, o céu azul, um sol bonito pincelado nele. Sua rotina era a mesma: puxar a canoa para o lago e esperar que algum peixe puxasse o anzol e garantisse uma venda no mercado local. Na verdade, havia uma única coisa diferente nesse dia. Sua mãe pediu para acompanhá-lo durante seu trajeto de pesca. 

Geralmente, Artur preferia fazer seu trabalho sozinho. Para um menino com seus poucos anos de vida - eram só doze - ele pensava bastante. Pensava sobre sua vida pacata naquela vila que de tão pequena nem tinha nome, sobre o que mais poderia fazer para ajudar sua mãe nas atividades domésticas, sobre porque os pássaros conseguiam voar e ele não e, principalmente, no último mês ele vinha pensando ainda mais no desparecimento de seu pai.

Quirino Zafar havia desaparecido em um dia normal, como esse. Saiu para pescar e nunca mais voltou. A família, desesperada, esperou ansiosa por dias e noites, em completo pânico. Teria ele abandonado tudo e fugido, buscando uma vida melhor? Teria ele sido sequestrado, morto? Cada opção parecia mais improvável que a outra. Quirino era o provedor da família, um pai presente e responsável, que trabalhava duro para que o sustento de Artur e de sua esposa, Raelene, estivesse garantido dia após dia. Ali, naquela vila tão remota e afastada, era difícil que alguma desgraça abatesse os moradores. Todos eram unidos e conheciam bem uns aos outros, viviam acima de qualquer desconfiança. Inclusive, alguns amigos próximos a Quirino e sua família saíram para uma busca nos arredores, em vão. 

Depois de algum tempo, Artur e Raelene secaram as lágrimas e ergueram a cabeça. Não havia mais o que fazer, a não ser esperar. E a vida não poderia parar por causa disso. Com uma diminuição visível da renda da família, Artur assumiu os afazeres do pai em seu tempo livre. Raelene, uma mulher miúda e frágil, ajudava o filho como podia: limpava os peixes para que o menino pudesse vendê-los com um diferencial a mais que ajudava na preferência dos clientes. 

Ambos não escondiam a falta que sentiam do patriarca da família. Artur era muito apegado ao pai, e Raelene e Quirino formavam um casal que dava gosto de ver: amor e companheirismo faziam com que se tornassem um exemplo para os recém casados da região.

E nesse dia em que Artur deixou a mãe acompanhá-lo no trajeto de pesca foi que eles tocaram no assunto do desaparecimento de Quirino, pela primeira vez desde que decidiram seguir com a vida.

- Você é como seu pai. - disse Raelene. 

- Sou? - Artur ficou meio sem jeito. Foi pego desprevenido com o assunto. Enquanto preparava a vara de pesca, sentiu as bochechas corarem. A mãe continuou, sentada em uma extremidade da canoa, sem despregar os olhos dele. 

- Você tem os cabelos dele, e os olhos, e também os mesmos trejeitos. Fico me perguntando o que pode ter acontecido. Seguimos em frente no escuro, sem saber se seu pai vai voltar. Não há um dia sequer em que eu não durma com a esperança de ouvi-lo batendo na porta dizendo que tudo não passou de um sonho. 

Artur não respondeu, mas olhou diretamente dentro dos olhos tristes da mãe. Desejou ter alguém ditando-lhe baixinho uma resposta no ouvido. Ele também sentia falta do pai, e como! Eram próximos; ele era seu herói. No dia anterior ao seu desaparecimento, enquanto a mãe fazia uma visita à uma vizinha que havia ganhado bebê, eles mesmos haviam preparado o jantar e arrumado a cozinha em surpresa para Raelene, mas não sem antes fazerem guerra de farinha e apresentações utilizando a vassoura como instrumento musical. Era assim que Artur queria se lembrar do pai. Não como um desaparecido, ainda mais sem explicação alguma para o fato.

Pensou um pouco no que poderia responder à mãe. Formulou uma resposta desajeitada mentalmente, observando-a analisar a superfície cristalina do lago em silêncio. Quando abriu a boca para responder, sentiu algo puxar o anzol, com um pouquinho mais de força do que ele estava esperando.

O movimento atraiu a atenção da mãe, que apoiou as mãos na lateral da canoa para se segurar, com a testa franzida em espanto. O puxão ficou mais forte e Artur teve que ficar em pé na canoa, se equilibrando com dificuldade, os nós dos dedos já brancos devido à força com qual ele segurava a vara de pesca. Esta, por sua vez, escorregava cada vez mais das mãos do menino, que já estava ficando com as palmas das mãos esfoladas devido ao esforço.

 A canoa balançou-se violentamente.

- Mãe, - disse Artur com firmeza - sabemos que o lago não é fundo, mas preciso que você se segure com força, porque isso aqui está muito... esquisito.

A mãe concordou com um aceno rápido de cabeça, a preocupação tomando conta de seus olhos. A canoa deu um arranco. Artur começou a perder o equilíbrio, os braços tremendo e lutando com a força estranha que puxava o anzol. A linha, porém, não dava sinal algum de que iria arrebentar.

- Solte a vara! - advertiu Raelene. Gotas de suor brotavam de seu rosto.

Arthur não teve tempo de seguir o conselho da mãe. A vara de pesca foi puxada de supetão de suas mãos, a madeira rústica puxando pedacinhos da pele do menino junto. Ele caiu de joelhos na canoa, contemplando o sangue nas mãos e fazendo com que ela se balançasse ainda mais.

 De repente, todo do lago estava em alvoroço. A água sacudia-se violentamente molhando-os dentro da canoa, que começou a se movimentar em círculos. Um vento forte fazia com que tudo piorasse. O céu não estava mais azul, e sim cinzento e carregado. A mãe de Artur soltou um grito e tentou movimentar-se para chegar até o filho.

- Não, mãe! - gritou Artur - Fique aí! Segure-se!

- Artur! - Raelene berrou de volta, os cabelos molhados grudados no rosto. - Artur!

Ajoelhado e tentando não prestar atenção na mãe e desesperar-se ainda mais, Artur tentava segurar o remo para investir em algum tipo de movimento que os fizesse sair da zona de perigo. Impossível.

A canoa virou.

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