De todos os lugares em que Artur pensou que poderia estar nos últimos tempos, um buraco no chão com certeza era o último. Ali, todos os membros do R.Q.N.C3 eram organizados e unidos, mesmo que estivessem visivelmente cansados e com fome.
As paredes úmidas do lugar faziam com que Artur sentisse muito frio, mas ninguém mais parecia se incomodar com isso. Não havia móveis, apenas colchões velhos no chão, cobertores finos, cestas com poucas frutas, algumas até um pouco estragadas. Todos olhavam para Artur com apreensão e curiosidade. De fato, ele era o mais novo ali. Ficou pensando se Lucas contaria para eles tudo o que tinha se passado no último dia.
Deu uma volta, envergonhado, por todo o ambiente. Tentou sorrir ou dizer oi para algumas pessoas, mas ninguém retribuiu. Ficou esperando Anele ou Makai dizerem algo, mas eles estavam ocupados demais conversando e cumprimentando todo mundo. Lucas não estava à vista. Ele se sentou, então, em um canto, para observar melhor as pessoas.
Foi aí que Artur percebeu uma certa comoção por ali. Aparentemente, alguém chegara pouco tempo depois dele, e é por isso que Lucas tinha saído do seu campo de visão. Ele voltava acompanhado de um homem mais velho, que rapidamente se retirou do local, subindo por uma escada enferrujada na parede até o buraco por onde tinham entrado. Lucas segurava um pedaço de papel amarrotado em uma das mãos e assobiou.
As atenções de todos se voltaram para ele. Algumas pessoas se aproximaram dele, outras apenas se mexeram de modo a posicionarem melhor para prestar atenção. O rapaz respirou fundo e declarou:
- Viktor Thiegan está morto. O governo finalmente está vulnerável.
Um silêncio aterrador espalhou-se por alguns segundos. Mas logo ele foi quebrado por uma outra pessoa que descia de modo espalhafatoso pelo buraco de entrada. Aparentemente era um membro do grupo, já que duas mulheres correram até ele e o abraçaram demonstrando alívio. Lucas foi até ele.
- Hiam, o que aconteceu? Você demorou muito! Thiegan está morto, o governo caiu. Temos muito o que fazer. Você conseguiu algo?
O outro homem aparentava ter em torno de vinte e cinco anos. tinha uma barba rala, pele pálida, cabelos pretos e olhos muito azuis. Ele disse, com a voz ofegante.
- Eu consegui uma coisa importante. Precisamos analisar.
Ele retirou um pequeno pacote de pano de um dos bolsos da calça, imunda assim como ele, e entregou a Lucas, que se sentou no chão. Artur se aproximou timidamente, sentindo uma vontade imensa de, finalmente, se envolver de vez naquela movimentação toda.
Lucas abriu o pacote. Dentro dele, havia um pequeno pedaço de uma aparente pedra translúcida. Artur ficou fascinado. Como brilhava! O garoto ficou vidrado a ponto de nem perceber que agora, todo o grupo estava em volta de Lucas. Makai olhava boquiaberto e Anele se agachou ao lado de Lucas para observar melhor.
- Isso é o que estou pensando? - perguntou Lucas.
- Sim. - respondeu Hiam - Eu conseguiu roubar um rastreador.
Artur ergueu os olhos e, sem perceber, disse:
- Como? Você foi até o prédio cinza? - Quando terminou de falar, considerou-se atrevido. Mas não tinha problema. Se aquele homem tinha voltado do prédio cinza, era uma esperança de que existia um jeito de entrar e sair de lá. E era lá que seu pai estava.
- É uma história um pouco complexa, garoto. Complexa demais pra você entender. E, se o prédio cinza a que você se refere for a Central, não, eu não roubei isso de lá.
Artur ficou um pouco decepcionado, mas seu interesse ainda estava em polvorosa.
- Como é que essa coisa funciona? - interrogou. - Por que é que é isso ainda não, digamos, "te sugou"? Você está aqui, e nós estamos, não era pra esse negócio já ter se manifestado?
Lucas o olhou com censura.
- Ei, Art, obrigado por adiantar as coisas, mas sou eu quem faço as perguntas aqui. - Artur sentiu-se corar - De qualquer forma, Hiam, responda isso tudo para nós.
Hiam começou a caminhar em círculos, explicando tudo e gesticulando com as mãos.
- Quando cheguei nas redondezas da Central, vi que seria impossível me aproximar. A proteção foi dobrada. Há guardas armados com metralhadoras, agora. E, acreditem, o alcance delas é altíssimo. Alguns possuem facões pelo menos três vezes maiores do que os que temos por aqui. A movimentação é arriscada. Estão executando a céu aberto prisioneiros que foram capturados de forma errada pelo rastreador. - Nessa parte, o coração de Artur deu um pulo. Antes de chegar aqui, provavelmente era aquilo que tinham escutado, o tiro, o grito, o susto que o fez cair da árvore. Sua mãe... não, não queria pensar desse jeito agora. Voltou a prestar atenção em Hiam.
"Consegui observá-lo por mais ou menos um dia inteiro. Mas começou a ficar arriscado. Eles estão muito, muito espertos. Ao que parece, agora sim Meridan está sobre o controle de tudo. Porém, ouvi conversas que apontavam que Lorna Thiegan seria levada à Cefurbo para o velório do pai. Não faço ideia de como isso será possível, sinceramente. Bom, depois disso, percebi uma manifestação de um grupo de cinco guardas para, tecnicamente, buscarem mais um estoque de rastreadores. Resolvi que o melhor que poderia fazer seria segui-los. Entrar na Central, no prédio cinza, como diz o garoto aqui, é impossível nas condições atuais, entendam. Chegamos até o carregamento, que fica há alguns quilômetros de Ponta Quebrada. Por lá, o esquema também é grande. Foi quando percebi que um dos estoques continha rastreadores não-programados. É por isso que eles têm essa cor. Uma vez ativados, são capazes de se camuflarem no ambiente. Peguei um deles. Pensei que poderíamos estudar melhor como funcionam, até mesmo como são ativados e programados. Em resumo, é isso".
- Isso é... incrível. Nem acredito que estamos com um desses em mãos. - Makai estava animado. - Está vendo, Anele? Eu sabia. - Anele retribuiu o sorriso confiante do amigo.
- Sim, isso é um avanço! Chegamos longe. - uma mulher mais velha também se manifestou. Artur não sabia o nome dela.
Um senhor, que havia ficado em silêncio o tempo todo, puxou um coro de palmas. Todos acompanharam. Hiam parecia muito orgulhoso. Artur teve a impressão de que ele estava orgulhoso até demais e parou de bater palmas antes dos outros.
- Estou muito satisfeito com seu trabalho, Hiam. Muito mesmo. Com certeza isso nos ajudará nessa nova etapa. Thiegan morto, um rastreador em mãos. Agora começará o planejamento. E a verdadeira luta será iniciada.
Lucas soava confiante. Os olhos de Artur correram do líder para Hiam. Havia algo estranho naquele sorriso... malícia, talvez? Artur ficou desconfiado. Mas deveria ser só uma impressão...
- É assim que se fala. - retrucou Hiam, ainda sorrindo. - E acho que podemos começar tudo agora.
Então, com uma rapidez incrível, Hiam puxou o lenço com o rastreador das mãos de Lucas e pegou o objeto. Segurou a pedra firme, entre seus dedos, sem a proteção do pedaço de pano. Riu alto. Ninguém se mexeu, não dava para entender exatamente qual era a intenção daquilo. Lucas se levantou e torceu o braço de Hiam, fazendo com que ele soltasse o rastreador. Makai e Anele correram pra ajudar. Mas era tarde demais. Artur levantou-se, mas sentiu que o esconderijo inteiro começou a tremer. Tentou se equilibrar, viu algumas pessoas gritando e correndo, algumas cercando Hiam, que ria descontroladamente.
O rastreador ficou transparente. Hiam desapareceu quando um raio foi disparado exatamente em cima da cabeça dele, sem atingir mais ninguém. Em algum lugar, Artur escutou ordens para se proteger.
O teto desabou.
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Crônicas da Nova Era - A Busca
FantasíaLIVRO 1. Artur levava uma vida tranquila em uma vila sem nome até o desaparecimento de seu pai. Quando pensa em obter respostas para o acontecimento, acaba sendo levado até elas de forma inesperada e descobrindo algo muito maior por trás do que real...